Caro leitor, eu sinto que tenho perdido o fôlego. Me encontro nessa bagunça de sentimentos. Atualmente tem sido tão difícil amar e ser amado, onde se foi parar a reciprocidade? Parece que as ruas estão cheias de pessoas vazias, ou talvez, medrosas. O amor assusta, ele é ousado, avassalador e intenso. Tão intenso que pode simplesmente te destruir de formas imensuráveis. Eu amei e foi completamente piegas, principalmente por ser juvenil, era tudo tão novo e tão cheio de esperanças, como se nada fosse possível de abalar. Você já se sentiu dessa forma? Já sentiu uma sensação tão gostosa de extrema felicidade, que te trouxesse uma segurança inabalável? Amar é confiar. No meu caso, ao me jogar do precipício confiando de que o meu príncipe encantado estaria lá para me segurar, eu cai. A queda foi tão grande e dolorosa, que após anos, quando mexe na cicatriz, ela sangra. Sangra de forma tão rude. Desde então, tenho me apaixonado de forma tão fugaz por pessoas tão rasas. Sinto que estou sempre me segurando para não transbordar, extravasar quem eu sou e meus sentimentos. Nessa tentativa, sou mal vista. Quase sempre como superficial, fria e pouco sentimentalista.
Através de tantos traumas, eu me escondi. Porque a verdade é que me tornei muito covarde para vínculos afetivos que quase sempre envolvem riscos. É tão terrível que eu queira segurança? Que eu deseje transbordar sem sentir medo de assustar o outro. Sem medo de fugas. Fugas que quase sempre levam uma parte nossa. Logo, tem-se que esperar o que ficou se regenerar. São processos dolorosos, ao fim, o que nos resta é saber se valeu a pena. Valeu a pena ficar em pedaços, se quebrar em mil partes e se reinventar tentando seguir a vida de forma que você diz para si todos os dias que não foi nada? Quando foi tudo. As vezes por alguém que nem sabe como amar ou é tão covarde quanto você.
Há ocasiões em que o ser humano resiste à dor e morre sem se entregar. Mas para todo mundo existe algo intolerável – algo para o qual não consegue nem olhar. Nada a ver com coragem ou covardia. Se você cai num precipício não é covardia agarrar-se a uma corda. Se mergulha e depois aflora à superfície da água, não é covardia encher os pulmões de ar. É mero instinto, uma coisa que não há como reprimir.
Em um 11 de setembro de 1973 nossos irmãos chilenos mergulhavam na mais infame e sangrenta ditadura que um país sul americano teve o dissabor de conhecer.
No Palácio de La Moneda, sede do governo chileno, o presidente socialista Salvador Allende resistia ao golpe eminente e pouco antes de morrer assassinado pelas tropas enviadas por Pinochet, Allende, presidente eleito democraticamente, deu um discurso memoravel. Seguem trechos:
“Esta será certamente a última oportunidade que posso dirigir-me a vocês. A Força Aérea bombardeou as torres da Radio Postales e da Radio Corporación. Minhas palavras não são amargas, mas decepcionantes. Que eles sejam o castigo moral para aqueles que traíram o juramento que fizeram: soldados chilenos, comandantes-em-chefe titulares, almirante Merino, que se nomeou comandante da Marinha, mais o senhor Mendoza, um general rastejante que ainda ontem expressou sua fidelidade e lealdade ao Governo, e que também se autodenominou Diretor Geral dos Carabineros. Diante desses fatos, só posso dizer aos trabalhadores: não vou me demitir! Colocado em um trânsito histórico, pagarei com minha vida a lealdade do povo. E digo-vos que tenho a certeza de que a semente que demos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos não pode ser colhida definitivamente. Eles têm força, podem nos oprimir, mas os processos sociais não param nem com o crime nem com a força. A história é nossa e os povos a fazem”.
“Outros homens vão superar este momento cinza e amargo, onde a traição tenta se impor. Saibam que, muito mais cedo ou mais tarde, as grandes avenidas por onde passa o homem livre se abrirão novamente para construir uma sociedade melhor.”
“O povo deve se defender, mas não se sacrificar. O povo não deve se permitir ser devastado ou crivado, mas também não deve se humilhar.”
“Trabalhadores do meu país: quero agradecer a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas um intérprete de grandes anseios de justiça, que prometeu sua palavra de que respeitaria a Constituição e a lei, e assim fez. Neste momento definitivo, o último em que posso dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, junto com a reação, criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem com sua tradição, aquela que lhes ensinou o Reafirmaram o General Schneider e o Comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estarão em casa esperando com a mão alheia retomar o poder para continuar defendendo suas fazendas e seus privilégios.”
“ Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores!”
“Estas são as minhas últimas palavras e tenho a certeza que o meu sacrifício não será em vão, tenho a certeza que, pelo menos, será uma lição de moral que vai castigar o crime, a covardia e a traição.”
Um cortejo se aproxima no final da avenida
Homens vestindo luto, mulheres vestindo a flexão do verbo
As crianças carregando buquês amassados
Em um palco de fome, todos dançam com a morte
Em um carreto verte-se em carro funerário
Um caixão a céu aberto, coberto de flores e saliva
Há um corpo abnegado de todas as pulsões
Amor e ódio, devassidão e inveja, superioridade e temor
Seu sangue ainda recente
Poluí imagens sacras da capela
Afugenta curiosos endividados
O nome em detrimento a vaidade
Abra teus olhos castanhos
Um espetáculo apreendido no verão
Fervilha a mistura de pólvora e sangue
A ferida clandestina como recipiente de tal química
Em seus aposentos, paredes de carne e chacina
Seu leito enfileirava-se a exumação de amantes
Eis tu mandante, cárcere e libertação
Com teu paladar e dizeres mornos
Teu filo genocídio, teu atestado displicência
Teu sobrenome pecado, teu padrinho a especulação
Tua proteção os deuses incendiários de moedas
Até a traição tornar-se de âmbito individual
Enfrenta a morte com aspecto duvidoso
Eis tu mesmo trocando de papéis
Mandante e então vitima
Valente para enfim covardia
Despido de seus anéis, como um qualquer
O rei propriamente fraqueja,
Eu juro de pés juntos, em estado eufórico de luto
Dançaremos um tango violento em teu túmulo
Nós, povos indígenas, somos o próprio tempo. Somos encantadores do tempo serpente. Quem diria que após mais de cinco séculos de colonização e extermínio, estaríamos aqui. De pé, como nossas florestas, cantando e empunhando nossos maracás, em resistência pela vida e pelo bem viver de toda sociedade. apiboficial – 27 abr 2024524 anos de perseguição, de estupro, de extermínio, de espoliação. E as…