5. Um futuro bem brilhante.
— Vamos todos ignorar o fato de que um buraco acabou de se abrir em um túmulo de aproximadamente mil anos de idade depois que o Taeil jogou sangue nele, é isso? — Renjun perguntou depois que os jovens passaram alguns segundos de silêncio.
O buraco que se formara no lugar do grande retângulo de concreto antigo os convidava com uma escadaria que dava para sabe-se-lá-onde. A total escuridão da passagem secreta causava arrepios na espinha de Kang Haewon, mas ela disfarçava o nervosismo.
— Não só o buraco se abriu, como vamos entrar nele, amigão. — Taeil comentou, sorrindo para o chinês. Renjun simulou uma ânsia de vômito, fazendo os outros rirem.
Em meio às risadas dos colegas, Taeil permanecera calado, os encarando com um dos pés já adentrando a escadaria que se ampliava para um subsolo desconhecido embaixo da floresta. As risadas diminuíram ao passo de que perceberam a seriedade do colega, então Kun limpou a garganta:
— Ah, espera, não era brincadeira gente. — O monitor falou, com um tom de preocupação em sua voz. O pobre garoto preferia nem ter entrado naquela floresta, quanto mais ter de explorar algumas catacumbas milenares por debaixo dela!
— Só eu que ainda não entendi a parada do sangue? — Haewon ergueu uma das mãos, como um aluno em uma sala de aula. Ela entreolhou Taeil e Doyoung, esperando por uma resposta.
— A assinatura mágica marca um feiticeiro. — O coreano foi mais rápido para explicá-la. — É a energia vital de um feiticeiro, sua assinatura. No entanto, por trás de todo feiticeiro…
— Existe um corpo humano. — Taeil completou. — Um corpo bombeado por sangue.
— Mórbido… — Winwin opinou, cruzando os braços. Ele não esperava que sua caçada cômica e divertida acabaria de um jeito tão sério, mas não estava reclamando, pois eles pareciam estar progredindo.
— Então a entrada mágica para o subsolo é manipulada por sangue? Nossa, ela pensou em tudo. — Haewon ergueu as sobrancelhas em surpresa. — Ok, agora eu suponho que… — Ela apontou para as escadas recém reveladas e deu de ombros, aceitando o seu próprio destino. A garota deu alguns passos à frente de seus amigos, acompanhando Taeil, que evocou um feitiço Lumus e começou a descer primeiro.
Contrariados, os rapazes seguiram a dupla, e antes que percebessem, todos já estavam nas catacumbas. A escada terminou depois de alguns lances que pareceram lhes enviarem para aproximadamente uns cinco metros abaixo da superfície, até que eles terminaram em um corredor estreito e comprido.
O local era estranhamente gelado, e uma corrente de ar cálida passava por entre os jovens. Um odor fétido pairava pelas catacumbas - em parte pela proximidade com o cemitério, e em parte pela idade e má conservação do lugar. Era estranho, mas a possibilidade de que aquela era a primeira vez em que alguém adentrava ali desde a morte de Rowena Ravenclaw fazia tudo parecer mais emocionante. “Honestamente, eu achei que estaria pior”, Haewon pensava ao observar as estátuas de mármore amarelado que emergiam pelos lados do corredor à fraca luz que eles podiam produzir com suas varinhas. A sujeira no chão cheio de terra espalhada atraía insetos, mas ela não queria nem pensar nisso.
Uma batida de supetão nas costas de Doyoung fez Haewon sair de seu devaneio. O mais alto olhou para trás e arqueou uma sobrancelha, o que deu espaço suficiente para que a garota visse que à frente deles havia uma grande porta de madeira que bloqueava o resto do caminho.
— Eu acho que é isso. O colar só pode estar do outro lado dessa porta. — Kun falou, pensando que talvez se pronunciasse as palavras talvez elas soassem mais reais, mas tudo ainda parecia como um sonho.
— Sim, mas antes precisaremos abri-la. Está trancada. — Taeil reclamou, puxando com força a maçaneta, mas sem sucesso. Ele tentou evocar o feitiço “Alohomora” para destrancá-la, porém nada aconteceu. A porta parecia ser à prova de magia.
— Espera, olha aquilo ali! — Renjun foi o primeiro a notar. Ele apontou para o arco que circundava a porta, iluminando-o com a luz na ponta de sua varinha. Assim, revelaram-se algumas frases escritas bem na superfície de pedra escura do objeto.
— “Quem com ferro fere, com ferro será ferido.” — Doyoung leu a primeira frase.
— “A maçaneta está quebrada.” — Winwin continuou.
— “Dois passinhos para um lado e três para o outro.” — Kun foi o último. As três frases decoravam o arco e, obviamente, representavam uma última charada que os colegas deveriam resolver.
Taeil entrou em seu modo pensativo, e se recostou na parede mais próxima enquanto fechava os olhos e tentava juntar informações na sua mente.
— Não é um anagrama. — Ele disse depois de passar alguns segundos em sua própria cabeça embaralhando as letras. — Também não é um acróstico nem uma metáfora. — O mais velho completou passado algum tempo.
— A esfinge! — Kun quase gritou, apontando para a porta. — “Decifra-me ou te devoro”, é a mesma lógica. No antigo Egito, elas eram consideradas guardiãs dos portais que davam para tesouros preciosos.
— Acho que nós sabemos o que é uma esfinge, Kun, mas obrigado. — Winwin comentou, irônico, cruzando os braços na altura do peito.
— Calma, eu acho que essa é a lógica. Vocês se lembram do que eu disse sobre Rowena querer deixar as coisas entre nós, alunos da Corvinal? — O monitor prosseguiu, não se deixando abalar pelo sarcasmo do amigo. — Então, essa porta é igual à nossa do dormitório! Prestem atenção nos detalhes…
Haewon analisou a porta e, de fato, eram parecidas. No entanto, ela ainda não entendia onde Kun estava tentando chegar.
— Se essa porta tem a mesma lógica da nossa, isto é, a mesma lógica da esfinge que te dá um enigma para que você a resolva… — Ele estimulou, balançando os braços.
— As frases formam uma charada. — A garota finalmente concluiu. — Quem desvendar a charada, entra no local.
— Essa última frase é um pouco familiar… — Doyoung coçou a própria têmpora se forçando a lembrar de algo. O coreano testou de fato os comandos, dando dois passos para um lado e então três para o outro, esperando que algo acontecesse. Nada.
— Espera, eu acho que sei o que é isso! — Haewon exclamou, se animando. — Renjun, você lembra das aulas de feitiço da professora Joohyun semana passada?
— …E se eu disser que não? — O chinês perguntou, parecendo acanhado.
— Ela ficou repetindo isso! — A garota comentou, cada vez mais ansiosa. — Ah, se eu conseguisse lembrar… Dois passinhos pra um lado, três pro outro… — Haewon tentou repetir a frase, esperando que sua memória voltasse, mas tudo o que ela conseguia pensar era na voz da professora dizendo as palavras.
— AH! Isso. — Taeil pareceu ter uma epifania. — Eu me lembro dessa aula também, no ano passado. Não acredito que eles ainda usam essa técnica… — O mais velho fez um estalo com a língua, negando com a cabeça em uma negação divertida. — Esse é um dos jeitos de memorizar um feitiço.
— Qual feitiço? Por que eu não me lembro disso!? — Winwin reclamou, se virando para Kun, que apenas deu de ombros.
— É um feitiço de conjuração para objetos pequenos. — Taeil explicou. — Você gira a varinha duas vezes para a esquerda, e depois três para a direita. Mas só funciona com coisas bem pequenas, é sério.
O alerta grave de Taeil fez Renjun rir sozinho.
—Por que você especificou isso? Você já testou em algo muito grande e deu super errado? — O chinês brincou.
— É claro que não.
O mais velho respondeu com sobriedade e gesticulou com as mãos, tentando mudar de assunto. Renjun apenas arqueou uma das sobrancelhas e mudou o seu pé de apoio no chão, ainda sorrindo.
— Aposto que sim. — Ele sussurrou, se inclinando perto de Haewon. A garota tentou comprimir uma risada, mas Taeil percebeu os dois e os advertiu com os olhos. Ambos ficaram quietos.
— Ok, bem, então precisamos conjurar algo pequeno. — Winwin bateu as palmas das mãos uma vez, como se estivesse se preparando para algo. — Mas e essa primeira frase? É um pouco estranha…
— Do que você está falando? Nunca ouviu esse ditado? — Haewon perguntou, surpresa. Todos os garotos se viraram para ela, arqueando as sobrancelhas em surpresa e esperando por mais. — Gente, é um ditado trouxa… — Ela explicou, se acanhando aos poucos ao ser o centro das atenções. — Significa que o que você faz volta para você, coisas do tipo.
— Trouxas são tão engraçados. — Kun sorriu, divertido.
— Então isso realmente não é uma coisa conhecida para vocês? — A jovem quis confirmar. Bem, Haewon também era bruxa, mas vivera os últimos dezessete anos no mundo trouxa sem ter qualquer tipo de acesso à magia, e frequentando todos os mesmos espaços que os trouxas frequentavam antes de chegar à Hogwarts. Por isso, era estranho para ela ver esse tipo de barreira entre as duas espécies. — Talvez isso queira dizer algo…
Kang Haewon se pôs a pensar. Por que Rowena teria acesso a um ditado trouxa? E por que ela o invocaria bem ali, naquele momento?
— E essa segunda frase, o que pode significar? — Winwin refletiu, apoiando o queixo com uma das mãos enquanto olhava para o arco decorado.
— Que a maçaneta está quebrada…? — Renjun respondeu, com obviedade.
— Se a maçaneta está quebrada e temos um feitiço de conjuração de coisas pequenas, precisamos conjurar algo que a conserte. — Taeil concluiu. — Mas o que a primeira frase tem a ver com isso? Como nós consertamos uma porta quebrada?
— Com a varinha, é claro. — Kun disse, e os rapazes concordaram. — É a única coisa pequena e lógica para consertar algo quebrado. Mas, se nós já estamos com nossas varinhas em mãos, por que teríamos que conjurá-las?
— Não é de varinhas que precisamos. — Haewon comentou, baixinho, após pensar por alguns minutos. Os garotos se viraram para ela rapidamente, esperando que ela explicasse. — A primeira frase é um jeito da Rowena nos fazer pensar um pouco fora da caixa. Assim como Kun disse, ela queria que apenas alguém da Corvinal chegasse até aqui, e nós somos os únicos capazes de fazer isso, afinal, é um dos traços de nossa casa.
— É uma boa lógica, continue. — Taeil pediu. Doyoung encarava a situação, consternado. Ele não conseguia explicar, mas ver Haewon ali, confiante e resolvendo o mistério era muito intrigante.
— A primeira frase estabelece o jeito que Rowena quer que pensemos para desvendarmos tudo. Ela quer que pensemos como trouxas. — A garota começou. — O ditado é trouxa, e também menciona o ferro. Depois, diz que a maçaneta está quebrada e pede para que conjuguemos algo pequeno.
Os rapazes se inclinaram progressivamente na sua direção, seguindo a linha de pensamento da novata.
— O que os trouxas fazem quando tem uma maçaneta quebrada? — Ela perguntou, sem esperar nenhuma resposta. — Eles pegam um pequeno instrumento de ferro, uma chave de fenda, e a consertam.
— Isso não faz sentido nenhum. — Winwin disse logo que ela terminou. Apesar de serem parentes, Winwin sempre viveu no mundo mágico, enquanto Haewon não. Por isso, era muito difícil para ele entender esse tipo de lógica.
— Vamos tentar! — Doyoung defendeu logo em seguida. Os garotos o olharam em surpresa por seu tom agitado, mas a verdade é que o seu coração bateu forte demais naqueles últimos segundos de explicação para que ele pudesse se conter. Kang Haewon era incrível, e nisso era tudo que ele conseguia pensar.
Antes que alguém discordasse, o moreno girou sua varinha duas vezes para um lado e então três para o outro. Rapidamente, uma pequena chave de fenda se formou no chão à frente deles, e Haewon a pegou nas mãos, sorridente.
“Se eu estiver certa dessa vez,” ela pensou, “então essa vai ser a coisa mais legal que eu já fiz.”
Haewon começou a cutucar a maçaneta com a ferramenta, tirando alguns parafusos e tentando girar algumas engrenagens. Depois de alguns segundos de foco total, ela já sentia uma gota de suor descer pela têmpora. Antes do esperado, um “clique” saiu da estrutura da antiga porta, e a fechadura se soltou facilmente, caindo aos pés da garota. Uma fresta na porta abriu automaticamente, e a única coisa que Haewon conseguiu fazer foi se virar para trás e sorrir para seus amigos.
Em questão de segundos ela estava rodeada de rapazes felizes a abraçando e parabenizando com tanta euforia que ela mal podia respirar. De fato, ela nem tinha percebido que tinha sido levantada do chão pelo par de braços do orgulhoso…Doyoung!? Ela não conseguiu se conter, e suas bochechas coraram na mesma hora em que percebeu isso.
Depois da pequena festa, o grupo tentou ignorar a proximidade repentina e estranha dos ex-inimigos e foi na direção da nova sala que se apresentava adiante. Um grande cômodo circular, de teto abobadado, perfeitamente iluminado e decorado com mármore branco e fino estava bem ali.
Estátuas e arcos decoravam os arredores da sala e, bem no meio dela, lá estava: brilhante, majestoso, impecável e mágico.
— O COLAR! — Renjun gritou e saiu correndo na direção da joia. Antes de subir no degrau do pedestal que a alocava, porém, ele respirou fundo e parou. — E se tiver alguma armadilha?
Haewon admirou, de longe, a perfeição da peça. Uma corrente prateada, cravejada de pequenos diamantes, circulava o busto de veludo em cima do pedestal, e, em sua extremidade, três grandes pedras preciosas de um azul marinho brilhavam perfeitamente. Seus olhos pareceram brilhar, também, enquanto olhava para o colar - ou pelo menos foi isso que Kim Doyoung pensou enquanto olhava para ela.
— Conhecimento, beleza e poderes mágicos. — Taeil comentou, lançando um assobio no ar. — Tudo isso em um simples colar.
— Então…como vamos usá-lo? — Winwin foi o primeiro a questionar. Para ser sincero, o rapaz estava mais investido nisso pela adrenalina da busca, e agora simplesmente não estava mais tão interessado assim. Para o primo de Haewon, a graça da brincadeira já tinha passado, por assim dizer.
— Primeiro, anunciamos que nós achamos o colar, então… — Renjun começou a listar todo o seu plano para riqueza e fama. Enquanto isso, Winwin se agachava e inspecionava detalhes no chão do grande salão, pensando consigo mesmo.
— Ahn, pessoal… — Ele começou. — Sinto lhes informar, mas não podemos usar o colar.
Os olhares acusadores todos se viraram para Winwin na mesma hora. O chinês quase hesitou, mas apenas respirou fundo antes de continuar: — Vocês não acham minimamente estranho que essa sala esteja limpa, perfeita e em ótimas condições? Mesmo que ela tenha mil anos de idade e não tenha sido visitada há mais ou menos essa quantidade de tempo?
— Feitiço de limpeza? — Haewon arriscou.
— Mil. Anos. — Winwin continuou, pausadamente.
— Então você tá dizendo que não somos os primeiros a encontrar o colar? — Kun questionou, colocando as mãos na cintura, indignado.
— Talvez não sejamos mesmo… — Taeil murmurou, conseguindo a atenção de todos. — Pessoal, um bando de adolescentes de Hogwarts descobrindo um segredo que nem mesmo Dumbledore, o maior feiticeiro de todos os tempos, descobriu?
— Novamente, o Dumbledore era da Grifinória! O mistério do colar é um mistério para os corvinais! — O monitor tentou se defender.
— Exatamente. É um mistério para os corvinais. No plural. — Winwin constatou. — E essa é a última missão. — Ele apontou para o colar. Abaixo dele, uma frase exibia o pensamento ousado bem na base do pedestal: “Por fim, a minha permanência”, escrito em letras douradas.
— O que? Deixá-lo aqui? É sério? — Renjun perguntou, sem acreditar.
— Claro. — Taeil confirmou. — Essa não é a coisa mais Corvinal do mundo?
— É claro… — Haewon repetiu quando a realização da frase bateu para si mesma. — Um mistério perfeito para a casa dos sábios. Um colar poderoso sendo posto na mão das pessoas menos prováveis de serem ambiciosas ou gananciosas.
— Isso é a cara de Rowena Ravenclaw. — Taeil riu sozinho. — Ela não ia querer que algo tão poderoso fosse revelado a todos, ainda mais com tudo o que aconteceu com o diadema: ela só podia confiar em seus próprios alunos. Os inteligentes, criativos e despretensiosos da Corvinal. Gênia.
— Isso muda um pouco os planos que eu fiz para os próximos anos, então. — Renjun bufou. — Talvez eu seja da Sonserina e fui sorteado errado! — Ele exclamou, nervoso. Haewon se aproximou e pôs as duas mãos nos ombros do amigo, confortando-o.
— O colar é um presente para os alunos. Nós treinamos nossas habilidades com os enigmas e, por fim, tem a permanência do colar. A permanência de Rowena. — Doyoung concluiu. — Um jeito dela dizer que seu legado é eterno.
Haewon sorriu em sua direção, e então o grupo já sabia o que fazer. Antes que eles pudessem se voltar à porta, deixando tudo para trás, Doyoung interviu.
— Mas nós também merecemos uma recompensa pelo esforço.
— A recompensa é a caçada, cara. — Winwin bufou, temendo ter que explicar tudo de novo.
— Não. — O coreano negou com a cabeça. — Uma noite. Vamos ter o colar por uma noite, e amanhã o devolvemos.
— O que você quer dizer? — Kun argumentou, surpreso com a ideia do amigo.
— Eu topo! — Renjun foi o primeiro.
— Com todo o respeito à Rowena, mas ela está morta. — Ele seguiu. — Não temos más intenções, e não vamos fazer nada de ruim. É só que… algumas pessoas ralaram bastante por isso, e nós merecemos ter o nosso objetivo nas mãos, por pelo menos uma noite. — E nessa hora, Doyoung olhou diretamente para Haewon, que sorriu em sua direção. Abalado pela recepção inesperada, o moreno abaixou a cabeça, envergonhado. — E se vocês não quiserem, eu mesmo venho aqui amanhã para devolver! Prometo.
— Bem, nesses termos… acho que não vai fazer nenhum mal. — O monitor deu de ombros, e se virou para os outros, esperando que concordassem. Todos afirmaram com a cabeça, e Doyoung ficou subitamente mais sorridente. Ele saiu correndo na direção do pedestal e tirou com delicadeza o colar de cima do busto, pondo a peça e seu bolso.
Os colegas caminharam pelo corredor escuro novamente, todos com uma felicidade e alívio notáveis. De fato, eles nem perceberam quando a maçaneta retirada por Haewon voltou, magicamente, ao seu lugar de origem na porta. Ao voltarem para o cemitério, também não notaram quando o túmulo de Rowena voltou ao mesmo lugar sozinho depois da passagem dos jovens. Mais tarde, eles também não viriam a notar que os livros que usaram, o alçapão em que procuraram pistas e todos os objetos relacionados à sua caçada foram voltando para seus lugares, sem nenhuma ajuda bruxa ou humana.
— Foi incrível o que você fez lá…Com a porta. — Doyoung finalmente conseguiu expressar o que vislumbrava há horas. Haewon, pega de surpresa ao seu lado enquanto caminhavam de volta para o castelo, não conseguiu pensar em uma maneira mais sutil de retribuir e dizer a ele o que também queria botar para fora:
— Obrigada. Eu só espero que você não esteja mais com esse cheiro de defunto quando formos dançar. — Ela brincou. O mais alto arregalou os olhos, sem entender muito bem.
— C-como assim? — Ele perguntou, gaguejando e se batendo mentalmente por isso.
— Ué! Quando formos juntos para o baile, é claro. — Ela afirmou, sorrindo. — Vou me arrumar e me encontrar com você na comunal às sete, ok?
O coreano conseguiu apenas afirmar com a cabeça enquanto engolia o nó preso em sua garganta. Haewon apertou o passo, saindo do lado do veterano para que pudesse rir sozinha em seu estado eufórico sem que ele percebesse.
Talvez Kim Doyoung não fosse tão insuportável, mesquinho ou metido quanto ela achava no início das aulas. Não, toda a caçada havia provado a ela que ele podia ser incrivelmente inteligente e determinado, além de doce e paciente - mesmo que do jeitinho próprio dele. Para Haewon, o descobrimento do colar não chegava nem perto da realização de seus sentimentos conflitantes por Doyoung.
E é por isso que os dois não conseguiam parar de sorrir no caminho até a comunal, surpresos com a quantidade de sentimentos que revelavam para si mesmos.
🔮🔮🔮
— Você não vem? — Renjun perguntou para Doyoung do outro lado da sala. Winter, de braços dados com o chinês, fez a mesma pergunta.
— Eu… estou esperando a Haewon. — O moreno admitiu. Ambos ficaram boquiabertos, sem esperar por aquilo.
Sem dar muita atenção para as expressões chocadas dos colegas, Doyoung apenas andava de um lado para o outro vestindo seu terno preto cautelosamente trazido para Hogwarts no caso de uma ocasião como aquela. O rapaz olhava para as escadas que davam para os dormitórios femininos a cada segundo, nervoso com a chegada iminente de seu par para o baile.
Se lembrando das palavras de Haewon, Doyoung começou a discretamente cheirar a si mesmo, com medo de que o banho reforçado que tomara depois do cemitério não tenha dado efeito.
Passos vagarosos descendo as escadas interromperam as divagações do coreano, que sentiu o sangue em seu corpo começar a borbulhar de nervosismo. Um sentimento estranho no estômago o fazia pensar que talvez ele arruinasse a noite por ter que ir ao banheiro - mas o que ele podia fazer? Era a primeira vez que se sentia assim.
Cada passo nas escadas caracóis começaram a revelar um pouco do que Doyoung sabia se tratar de Haewon. Mas foi somente quando a garota chegou ao fim dos degraus e lhe encarou com um sorriso surpreso que o rapaz pode encarar a obra completa.
Um vestido azul escuro brilhante abraçava o corpo de Haewon, com detalhes em tule e alças simples. Em seu revestimento, pequenos traços brilhosos em prateado formavam desenhos de estrelas, galáxias e astros ao redor da saia. O corpete lhe contornava belamente, e todo o conjunto parecia ter sido feito apenas para ela.
Doyoung não conseguiu segurar um suspiro exasperado quando absorveu a visão da garota à sua frente.
— Uau, você até que tá bem bonito. — Ela foi a primeira a falar, pegando o rapaz de surpresa. É claro que ele tinha passado quase meia hora ajeitando o cabelo com gel de todos os jeitos possíveis, além de ter alisado o terno pelo menos cinquenta vezes desde que o pôs no corpo, mas mesmo assim não esperava por um elogio. Certamente não um elogio vindo de Haewon.
Quanto à garota, ela também estava nervosa. Seu estômago era uma confusão de borboletas e Haewon não tinha certeza se sabia como agir por perto de Doyoung sem ser provocativa ou implicante. Ela nem sabia se conseguiria dançar com ele naquele estado e, francamente, o fato de ele estar em um conjunto todo preto de terno, calça e camisa não ajudava ela nem um pouquinho a libertar seus pensamentos.
— Você também. — Ele conseguiu juntar as forças para dizer. — Mas falta uma coisinha.
Haewon arqueou uma sobrancelha quando Doyoung andou em sua direção e circulou seu corpo, ficando por trás dela. Ela não entendeu o que o rapaz queria fazer até sentir as mãos dele passarem delicadamente por seu pescoço o peso de uma joia surgir em seu busto. O colar.
— Espera…Doyoung? — Ela questionou, perplexa. A falta de jeito da garota fez com que Doyoung restabelecesse sua confiança, então ele apenas se inclinou para mais perto do pescoço de Haewon por trás. — Então foi por isso que você insistiu em trazer o colar por uma noite!?
— O que eu podia fazer? Você era a única de nós que ficaria tão bonita assim com ele. — O mais velho sussurrou em seu ouvido, fazendo com que a garota se arrepiasse.
Doyoung deu a volta pela garota e a estendeu a mão, convidando-a para que finalmente saíssem dali, juntos. Haewon aceitou o aperto de mão, se sentindo uma pilha de nervos, mas do jeito mais incrível possível.
Quando os dois chegaram ao grande salão de Hogwarts, que estava lindamente decorado para a grande festa, os olhares rapidamente se viraram aos dois. Haewon foi veloz em encontrar seus amigos, e pôde perceber o choque no olhar de cada um deles ao repararem nos braços cruzados da jovem e de seu veterano.
— Eu sempre soube que vocês dois se dariam bem juntos! — Kun exclamou quando o par chegou mais perto. A música que ecoava pelo baile fazia com que a voz do amigo saísse ainda mais alta, numa tentativa de ser ouvido.
Doyoung e Haewon reviraram os olhos simultaneamente, mas não perceberam isso até que Winter apontasse, surpresa com a sincronia.
— Taeil! Você também tem uma parceira! — Haewon tentou mudar de assunto, apontando para a veterana ao lado do colega. Ele apenas a encarou, com os olhos cerrados.
— Sim? Por que eu não teria? — Ele perguntou, cínico, fazendo com que a garota imediatamente se arrependesse de ter comentado.
— Ah é só que… — Doyoung deixou a voz ir morrendo aos poucos ao ver o olhar bravo do colega de classe intimidador sobre si. Ele olhou de volta para Haewon, então prosseguiu. — Você é, às vezes, um pouquinho… inacessível. — Ele admitiu e quase fechou os olhos, com medo de uma reprimenda.
— Ah, isso! — Taeil sorriu e gesticulou com as mãos, como se só agora se desse conta de seu temperamento e da percepção dos outros. — É verdade. Mas, bem, eu posso ser bem sociável quando quero.
— Bom saber. — Renjun comentou, achando graça do mais velho. Todos no grupo riram com a novidade: Moon Taeil, sociável e acessível. Quem diria?
— Ei, esse aí é o colar de Rowena? — Kun notou, apontando para Haewon. A garota instantaneamente levou a mão ao pescoço, constrangida com os olhares. — Ficou bem em você.
— Então é por isso… — Renjun começou, apontando para Doyoung logo em seguida. — Doyoung, seu safadinho.
O mais velho engoliu em seco, tímido com a realização dos amigos, que começaram a entoar em uníssonos sons de aprovação. Ele mexeu no próprio colarinho, numa tentativa de alargá-lo e conseguir respirar melhor.
Winwin, vendo toda a situação, puxou Doyoung para perto e sussurrou em seu ouvido:
— Eu sei que você é alguns meses mais velho, mas eu estudei táticas de duelo no quarto ano e tenho que te avisar…Se você magoar a minha prima, vai se ver comigo. — O chinês lhe encarou com mistério e Doyoung apenas se afastou de leve, um pouco mais nervoso do que antes.
Haewon percebeu o desconforto de seu par, então sutilmente fez seu primeiro movimento:
— Ah! É uma música lenta. — Ela constatou. — Você não vai me chamar para dançar?
E mandou um sorriso brincalhão em sua direção. Doyoung ainda envergonhado, mas agora com um incentivo a mais, levou a garota para a pista de dança com calma e cortesia, como um verdadeiro cavaleiro.
Quando se encontravam bem no centro, longe dos olhares curiosos dos amigos, Doyoung levou as mãos à cintura de Haewon com delicadeza. De primeira, a garota mal conseguia sentir seu toque, mas quando ela mesma enlaçou o pescoço do mais velho, o aperto de Doyoung ficou mais forte. Então, bem posicionados, os dois começaram a dançar levemente, se movendo para os lados, para frente e para trás, sempre com muita sutileza.
— Sabe, Haewon, sobre antes…
— Sim?
— Eu estava sendo um idiota. Acho que eu me sentia inseguro, ou invejoso, sei lá.
— Não! Eu também era um pé no saco. — Ela tentou aliviar, dando uma risada. — Eu vivia te corrigindo e agia como uma sabichona. Não sei, acho que eu queria me reafirmar porque era da Corvinal ou algo do tipo…Eu precisava mostrar que era inteligente porque, pra ser sincera, eu não me sentia tão esperta assim.
— Tá brincando!? — Doyoung ficou boquiaberto. — Mas você é a mais inteligente de todos nós!
Haewon arregalou os olhos, sem deixar de soltar uma exclamação pelos lábios. Doyoung reparou no quão fofa foi sua expressão de surpresa e sorriu, confirmando com a cabeça sua afirmação.
— Todas as suas descobertas nesses últimos dias… Nós não teríamos achado o colar se não fosse por você. — Ele repetiu, vendo o rosto da menor se iluminar.
— Mas e você!? Todas aquelas referências e conhecimentos, todas as pistas que você decifrou…
— Eu não consigo parar de pensar em você. — Ele comentou, desviando do assunto e sentindo na hora uma necessidade imensa de ser sincero e dizer o que se passava por sua mente. Assim que as palavras saíram de sua boca, Doyoung sentiu um peso sair de suas costas. Um rubor chegou à face de Haewon rapidamente, e ela não conseguiu responder de primeira. — Podemos ir lá fora, um pouquinho?
A jovem apenas assentiu com a cabeça, ainda sem respondê-lo, quando Doyoung começou a guiá-la para fora do salão, entrando em um dos pátios a céu aberto que Hogwarts tinha. A lua estava cheia e emitia uma luz prateada belíssima sobre os dois, combinada com dezenas de estrelas que brilhavam.
— O que houve? — Haewon finalmente perguntou.
— Nada, eu só… — Ele deu de ombros. — Queria ver o céu. Com você.
E, novamente, a garota ficou sem palavras. Haewon começou a mexer nos próprios dedos, tentando afastar o nervosismo tão incomum para si. Foi quando algumas gotículas de água caíram em suas mãos que a garota percebeu que estava começando a chover.
— Ah, não. — Ela lamentou, deixando os ombros caírem. — Bem quando você queria admirar o céu…
A jovem girou no lugar, começando a se movimentar na direção do baile novamente, quando a mão gentil de Doyoung a impediu.
— Vamos ficar. — Ele pediu. Haewon se virou e arqueou uma sobrancelha.
— Na chuva?
— Claro, por que não?
— Quem é você e o que fez com Kim Doyoung? — Ela soltou uma risada divertida enquanto sentia as gotas de chuva engrossarem ao seu redor.
— Eu também não sei! — O moreno reclamou, brincalhão. — Mas é culpa sua! Desde que você apareceu eu não consigo mais ficar normal. É tão estranho.
Haewon lhe deu um empurrãozinho no ombro, soltando uma risada verdadeira.
— Então eu sou assim tão poderosa?
— Você vai se ver comigo quando não estiver mais tão bonita nesse vestido. — Ele ameaçou, divertido, e ambos riram, se aproximando mais um do outro. A música no interior da festa ainda era bem audível no pátio, então Doyoung se posicionou novamente para que eles dançassem.
Naquele ponto, a chuva já estava forte e encharcando os dois. A água era abundante, porém não era forte, e as gotas pareciam acariciar perfeitamente o casal. Os dois dançaram, divertidos e molhados por alguns minutos até que a última nota musical fosse ouvida.
Assim que a música chegou ao seu fim, Doyoung apoiou a testa na testa de Haewon, que respirou fundo em nervosismo. Os dois não sabiam o que fazer a partir dali, mas tinham plena noção de que o que quer que acontecesse mudaria para sempre a relação deles.
Com isso em mente, Haewon se apoiou nas pontas dos pés e fechou os olhos, sentindo a água correr por sua face enquanto ela diminuía o espaço entre seus rostos. Suas mãos, que já estavam entrelaçadas ao redor da nuca de Doyoung desde a dança, apertaram com mais força com a hesitação. Foi quando o mais velho puxou a cintura dela para mais perto de si e finalmente roçou os lábios nos da garota, esperando por um sinal que indicasse que poderia avançar.
Surpreendendo-o, o sinal de Haewon veio na forma de um beijo longo. A garota foi mais rápida unindo seus lábios depois de alguns segundos que lhe pareceram uma eternidade. A confusão de sentimentos em seu peito já não aguentava mais quando ela finalmente os juntou com paixão.
Doyoung foi rápido ao retribuir o beijo, acariciando com amabilidade as costas da garota enquanto movia os lábios com delicadeza. A explosão de sentimentos dos dois pareceu iluminar a escuridão da noite, e o frio da chuva ficou quase imperceptível com o calor que os dois corpos emitiam.
No meio do beijo, Haewon não conseguia parar de sorrir, e Doyoung sentia isso. A felicidade dos dois era imparável e, depois de alguns segundos, Haewon afastou seus lábios, já sem ar. Doyoung se inclinou uma última vez e depositou um beijo final em seus lábios, que permaneceu ali mesmo depois que ele se afastou, sem pressa de ir embora.
Os dois se encararam, ensopados de chuva, e começaram a rir, divertidos.
— Se me dissessem há três dias atrás que eu…
— Shiu, Haewon, não estraga o momento.
— Desculpa. — Ela sorriu e tirou uma mecha de cabelo molhado da cara antes de voltar às pontas dos pés e se inclinar novamente na direção do mais velho, que foi rápido em enlaçar sua cintura com os braços e retomar o que estavam fazendo.
🔮🔮🔮
No dia seguinte, ninguém quis perguntar a Doyoung e Haewon por que os dois estavam gravemente resfriados. Mas, mesmo assim, não ausentaram o garoto de ir devolver o colar que ele havia cismado de pegar por uma noite.
Na semana seguinte, uma pesquisa de Renjun concluiu que a última pessoa a encontrar o colar, antes deles, havia sido da turma de 1991, e se chamava Luna Lovegood. Isso fez com que o grupo se achasse um pouco importante.
No mês seguinte, ninguém conseguia acreditar que Doyoung e Haewon continuavam juntos há tanto tempo sem se matarem: mas às vezes eles chegavam bem perto.
E, quase um ano depois, Haewon chorava sozinha em seu quarto ao pensar que seus amigos mais queridos e seu namorado teriam de deixar Hogwarts e finalmente se formarem.
— Promete que vai sentir saudades de mim? — Doyoung perguntou, fazendo beicinho, quando a namorada finalmente se juntou aos formandos na comunal depois de limpar as lágrimas e se arrumar um pouquinho.
— Não. — Ela brincou, dando de ombros. — Mas eu prometo fingir muito bem.
— Claro, sabichona. — O mais velho bagunçou um pouco o topo de sua cabeça, fazendo Haewon soltar um grunhido de reclamação. — Eu sei que você já está até triste.
A garota cruzou os braços, negando com a cabeça mas já sentindo seus olhos marejarem novamente.
— Eu duvido que você vá ficar muito tempo longe, de qualquer jeito. — Ela comentou, simples. — Já disse que seu destino é virar um professor de Hogwarts.
— E lidar com pestinhas que nem você? Eu passo.
— Você sabe que me ama! — Haewon deu alguns pulinhos, tentando deixar um selinho nos lábios do namorado, que forçadamente virava o rosto, tentando impedi-la.
— Então nossa nova monitora já está se comportando, né? — Kun chegou de surpresa, assustando Haewon e fazendo com que ela parasse de pular. A garota assentiu com a cabeça e prestou uma continência ao amigo, brincalhona. — Eles crescem tão rápido!
— A chance da Haewon crescer já passou. Vai ser dessa altura pra sempre. — Doyoung zombou, e Haewon lhe mostrou a língua.
— Em compensação você vai continuar bobão assim pra sempre, né Doyoung. — Taeil chegou por trás dos colegas, fazendo o coreano gelar no mesmo lugar. — Parabéns por virar monitora, Haewon.
— Obrigada Taeil. Eu e Renjun vamos cuidar bem das coisas por aqui.
— Isso não me conforta. — Winwin apareceu também, coçando a própria nuca. Haewon não pensou antes de dar um abraço forte no primo, respirando fundo ao observar as malas dos amigos bem atrás dele.
— Dá pra vocês irem logo antes que eu seja obrigado a ver a Haewon ficando sentimental? — A garota ouviu a voz de Renjun atrás de si, e se separou do abraço tentando não voltar a chorar. Ela apenas assentiu com a cabeça, não sem antes dar um soquinho no ombro do chinês, que reclamou da dor. Os outros rapazes os olharam, um sentimento agridoce nas expressões, enquanto buscavam suas bagagens.
— Te vejo daqui a um ano. — Doyoung se aproximou e sussurrou face a face com Haewon.
— Você pode apostar que sim. — Ela sussurrou de volta antes de colar seus lábios em um beijo de despedida tranquilo.
Os quatro rapazes saíram da comunal, não sem antes deixarem olhares saudosistas pelo local. Doyoung, em especial, vidrou os olhos negros nos da namorada, tentando prometer a si mesmo que não sentiria saudades dilacerantes dela. Ele sabia que não poderia cumprir, no entanto.
Haewon conseguiu segurar o choro, e apenas sorriu ao ver seus amigos deixarem o cômodo.
De todas as felicidades que Hogwarts lhe havia concedido, aquela era a mais importante. E ela mal podia esperar pelo seu futuro.
FIM!!
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