A Odisseia de Kehinde | Um Defeito de Cor - Ana Maria Gonçalves
"Um Defeito de Cor" é um romance histórico escrito por Ana Maria Gonçalves, publicado em 2006, que acompanha a jornada de Kehinde, uma africana escravizada no Brasil do século XIX.
Trazida ainda criança da África, a história da protagonista é marcada por uma série de eventos traumáticos, desde a sua separação da mãe até os abusos e injustiças que enfrenta ao longo de sua vida como escrava no Brasil. Através dos olhos de Kehinde, somos confrontados com questões de identidade, pertencimento e justiça num contexto completamente desfavorável. Sendo uma personagem com uma forte ligação com o espiritual, e este definindo o caminho longo que ela deveria seguir, o livro é dividido em cinco partes, cada uma marcando uma fase significativa da vida da protagonista, Kehinde, e sua jornada através da escravidão no Brasil. Essas partes são:
Infância na África: parte inicial que retrata a infância de Kehinde em sua aldeia na África, juntamente com sua mãe, avó e irmãos, antes de ser capturada e vendida como escrava.
Ilha de Itaparica: recém chegada na Bahia, é levada para a Ilha de Itaparica, onde conhece e entende não apenas a brutalidade do sistema, mas também a humanidade e a resistência dos escravizados. Aqui, mesmo diante dos abusos, sua base familiar brasileira é formada.
Salvador: na grande capital, Kehinde amplia seu conhecimento a respeito do mundo em quem vive e seu amadurecimento imposto e natural encontra lugar para ela se estabelecer como alguém importante na sociedade e na luta pela liberdade através de sua participação em movimentos de resistência contra a opressão dos senhores de escravos.
Jornada pelo Brasil: após diversas perdas, Kehinde viaja para os demais estados do Brasil, entre eles Rio de Janeiro, São Paulo e Maranhão e Minas Gerais, para se reconectar com suas raízes espirituais e a busca pelo filho perdido. Nessa vigem, que parece ser eterna, vive novas experiências e encontra novos desafios em sua luta pela liberdade e dignidade.
Reencontro e Redenção: Kehinde retorna à África em busca de quem era para poder retornar ainda mais forte na sua busca pelo filho amado perdido.
Essas partes estruturam a narrativa do romance, proporcionando uma visão abrangente da vida de Kehinde e das condições sociais e históricas do Brasil durante o período da escravidão, e nos dá dimensão da grandeza da história de uma mulher que, ao longo do retrato de sua vida, resgata a história do povo afro-brasileiro, tirando os da passividade e trazendo personagens resilientes que anseiam a liberdade e luta contra as adversidades.
O romance foi inspirado na vida de Luísa Mahin, uma revolucionária brasileira no século XIX, mãe do advogado abolicionista Luís Gama, e que pouco sabendo sobre sua história real, muitas foram as possiblidades. Não procurei saber além disso para não lidar com spoilers, principalmente sobre a vida do Luís antes dele se tornar advogado, e recomendo que façam o mesmo. Diante de tudo isso, confesso: a leitura não foi nada fácil. O romance revela ao longo das mais de 800 páginas a brutalidade do sistema, e acompanhar isso acontecendo das formas mais perversas, é devastador. A resistência e luta por liberdade é muito bem explorada, mas nenhuma vitória é conquistada sem grandes perdas, e a Kehinde sabe bem disso.
Essa é a história de uma mãe em busca do seu filho, mas também a história de uma vida que buscou ir além da sobrevivência num contexto onde a existência era vista como nada. A Kehinde é uma personagem cheia de defeitos e não esconde nenhum, até justificando ser por isso que perdeu tanto na vida. Mas o que pôde fazer para ter controle sobre a própria vida e ser vista como uma pessoa de respeito, ela fez. Nesse meio, mostrou que a vingança vem, e é merecida, e que qualquer lição necessária não precisa ser acompanhada de tanto horror, pois ela nasceu para a grandeza.
Com o passar dos anos, o tom da narrativa também vai amadurecendo, e foi muito interessante acompanha-la sendo mais verdadeira com ela mesma e com o mundo. Ela não faz rodeios quanto aos seus pecados e aos dos outros e, mesmo sentindo certa culpa em viver diante da busca, não se arrepende. Quando ela cita que toda a história é uma carta escrita para que o filho a conheça, o coração vai apertando com a possibilidade dela nunca o encontrar para poder dizer tudo pessoalmente, e tudo acaba até de forma abrupta.
Muitas vezes parei a leitura e considerei que muita coisa ali poderia ter sido descartada, mas depois de viver de forma tão grandiosa, superando os obstáculos colocados na vida terrena e espiritual, não julgarei muito a falação de uma idosa nas últimas. O fim não me deixou desolada - apesar de não ter terminado com a visão que ela tanto queria - porque o destino do filho se provou e ele foi feliz. Diante disso, só me resta sonhar com ele lendo a vida da mãe e se orgulhando de ter em tão pouco tempo juntos, tanto dela para construir tudo que ele construiu e foi.
BREVE COMENTÁRIO SOBRE THE BUCCANEERS (especificamente sobre triângulo amoroso, que eu odeio!)
É muito fácil falar que guy merece a nan mais do que o theo por saber que ela é uma bastarda sendo que ele a conheceu falido e precisando aceitar/conquistar qualquer herdeira rica pra salvar o seu título. Calhou de ser ela e eles terem uma conexão ótima, mas não muda que ele tentou o golpe.
E assim, ele é legal, mas também levaria esse fato em consideração se ainda tivesse condições que nem o amigo. Talvez a reação primária do theo seja o choque, e a partir daí poderemos julgar, mas o casamento da conchita mostrou que amor e paixão não é tudo naquela sociedade perversa, então ficar jogando isso agora pra melhorar pra um lado é ridículo.
Fora que tudo isso não vai adiantar nada porque a nan tem a maior cara de quem vai largar tudo pra ficar com o guy, o que é uma pena, porque eu queria eles me entregando lizzy e guy.
"Girls, have you not noticed? We're not them. We're Americans. When did we ever care what people think of us? The English, they're so fascinated by their history. Well, we have a history of being fascinating. It's time that they learn from us."
Ao contrário dos meses anteriores, onde eu parecia estar fazendo tudo e todas as coisas ao mesmo tempo, tive uma calmaria em março. Na tv, só sentei e aguardei o que estivesse passando, e muitas foram obras repetidas que amo, então só coloquei as novidades e a novela que é de lei - sim, assisto e amo as produções brasileiras.
Quanto às leituras, comecei de forma tranquila para me preparar para o desafio mensal - ler um calhamaço - e ele me tomou muito tempo ("Um defeito de cor" é uma odisseia e merecia uma leitura calma), mas não achei ruim. Quanto à última, foi uma história curta e divertida, mas não menos impactante no que veio dizer.
Enfim, que abril seja um acalento também.
Sobre os retalhos da vida que nos completam | Retalhos - Craig Thompson
SINOPSE: Uma das graphic novels mais premiadas dos últimos tempos, Retalhos é um relato autobiográfico da vida no Meio Oeste americano, e dos conflitos religiosos e afetivos de um jovem artista em busca de sua individualidade.
Thompson retrata sua própria história, da infância até o início da vida adulta, numa cidadezinha de Wisconsin, no centro dos Estados Unidos, que parece estar sempre coberta pela neve. Seu crescimento é marcado pelo temor a Deus - transmitido por sua família, seu colégio, seu pastor e as trágicas passagens bíblicas que lê -, que se interpõe contra seus desejos, como o de se expressar pelo desenho.
Ao mesmo tempo Thompson descreve a relação com o irmão mais novo, com quem ele dividiu a cama durante toda a infância. Conforme amadurecem, os irmãos se distanciam, episódio narrado com rara sensibilidade pelo autor. Com a adolescência, seus desejos se expandem e acabam tomando forma em Raina - uma garota vivaz, de alma poética e impulsiva, quase o oposto total de Thompson - com quem começa a relação que mudará as visões que ele tem da família, de Deus, do futuro e, enfim, do próprio amor.
Vencedora de três prêmios Harvey (melhor artista, melhor graphic novel original e melhor cartunista), dois prêmios Eisner (melhor graphic novel e melhor escritor/artista), e, em 2005, do prêmio da crítica da Associação Francesa de Críticos e Jornalistas de Quadrinhos.
Essa hq possui retalhos da vida do autor e nenhum pedaço, por mais banal que possa parecer, me deixou apática. Na real, eu senti profundamente cada reflexão e situações retratadas ali.
Como colocado na sinopse, essa história acompanha a vida do autor desde a infância até o início da juventude, que é quando ele experimenta um pouco da realidade que precisava.
A infância com uma esperança quase forçada num espaço fora da realidade é cruel, ainda mais por não encontrar no mundo real a proteção dos abusos que sofreu - e como foi dilacerante ele sentindo culpa por sentir o que sentia e por não conseguir proteger ele mesmo e o irmão de tudo que viveram.
Da mesma forma que ele se apegou na esperança do céu, me apeguei na história dele com a Raina, imaginando um salvando o outro, mas a realidade dificilmente acompanha os nossos desejos e sonhos. Pelo menos consegui aproveitar o tempo que tiveram, mesmo ficando extremamente triste com o encerramento de um ciclo.
Como uma ex-crente, senti demais a violência e contradição das palavras ditas por quem, em tese, deseja salvar à todos. Quando se deseja um mundo perfeito, só conquistado pelo fim da vida, há de se imaginar que podemos adiantar o processo, mas o que é pregado é o conformismo diante de tudo; afinal, tudo é passageiro. E isso, diante de tanta dificuldade na vida, é cruel.
Retalhos é uma história repleta de reflexões e sentimentos e todas as críticas positivas a respeito dela são reais. Mesmo que com pedaços dolorosos, merece muito ser lida.
"O importante mesmo era partilhar a desesperança, criar um pequeno ninho em que duas pessoas pudessem viver juntas, mantendo o resto do mundo à parte."
"As coisas que importam estão dentro de mim, encerradas em meu peito como em um túmulo, onde permanecerão para sempre, meu baú de tesouros sepultados."
Desafio literário • 2024 | Leituras de janeiro e fevereiro
★ JANEIRO
Um livro de estreia
Fique Comigo - Ayòbámi Adébáyò
Esse livro foi um baque que adorei ter. Centrado na história da Yejide, o livro mostra o quanto o ser humano aguenta para evitar que o amor sentido se vá. Nascida órfã de mãe numa família poligâmica, Yejide encontra no marido uma vida plena, não fosse o fato de não poder ter filhos, e isso é o início do fim da sua vida inocente.
O tanto que essa mulher aguenta para ser aceita é doloroso e essa dor não passa quando ela consegue o que deseja. No fim, aguentamos absurdos em nome do amor, e isso é a maior prova de quão desalmados alguns de nós somos.
A Ayòbámi tem uma escrita simples mas instigante, e só demorei com a leitura por ter obrigações, pois era difícil largar. É uma história sobre culturas e como o que nos falta é o que, muitas vezes, nos definem. Eu recomendo demais!
Um livro com mais de um ponto de vista
Anna Kariênina - Liev Tolstói
É TUDO QUE DIZEM! Não irei me estender muito porque já demonstrei todo o espetáculo com a leitura aqui, mas faço questão de reforçar: LEIAM! VALE MUITO A PENA!
★ FEVEREIRO
Um livro com capa amarela
A Cabeça do Santo - Socorro Acioli
Acompanhar a jornada de um jovem enlutado e com ódio ao saber que reencontraria o passado, enquanto passava por cada perrengue que só jesus na causa, me fez torcer muito por um final feliz, mas não deixei de aproveitar esse caminho.
Apesar de começar com o desejo de um ente querido, a escrita da Acioli e a forma com a qual ela desenvolve a transformação do Samuel é muito divertida e não senti cansaço algum na leitura. Foi divertidíssimo seguir com ele desde a chegada na cidade até a descoberta da cabeça do santo e as vozes vindas de lá, principalmente a por qual ele se apaixonou. A cidade ser reavivada foi um milagre, e ele não teve boa intenção com o plano elaborado para explorar esse "dom", mas de boas intenções o inferno está cheio e ele, lascado, então que fizesse o seu enquanto podia.
Os personagens coadjuvantes também são perfeitos, mesmo que alguns tenham aparecido só de relance. Só por ver como cada um foi afetado pelo milagre do santo, valeu a pena a citação. A história é curta, mas tão cheia de vida, que foi impossível largar. A escrita ser objetiva e clara também ajudou bastante e eu nem senti o tempo passar. Recomendo demais para quem deseja uma leitura que encanta com suas crenças e descrenças, mostrando bem o nosso jeitinho.
Um livro epistolar
Evidências de Uma Traição - Taylor Jenkins Reid
Eu sou suspeita pra falar sobre as histórias da Taylor porque adoro como ela transforma uma história que deveria ser simples em algo magnético e surpreende com os finais, e aqui não é diferente.
Essa é uma novela, não um romance, então é um enredo curto e fechado, mas com personagens maravilhosos. A carrie e o david são personagens profundos, para além do caos que os unem no momento - a traição dos seus cônjuges -, e a forma da escrita ser em cartas deixa mais interessante a conexão e decisões que eles vão tomando a cada carta enviada/recebida com mais relatos sobre a traição.
Não dá pra falar muito sem contar spoiler, então vou acabar por aqui, mas saibam que vale a pena ler.