Tumgik
teasalo-fog · 7 months
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Das palavras que escondem e dos olhos que nada revelam;
Mentir é uma de minhas especialidades - ocultar a verdade em face tranquila, olhar incondizente com o sentido. As palavras deformadas escapam de minha língua facilmente, como uma torneira aberta, venenosa água alastrando-se até tornar-se insustentável. Seja para salvar-me de situações ou tornar uma história mais interessante, a mentira está sempre presente, constante, na minha vida. É inconsciente, ação que a mente já se programa para fazer, desespero da alma em forma de fala.
Dizem que os olhos não mentem, mas eu acredito firmemente que sim, eles mentem. Pois, os olhos refletem a verdadeira intenção, eu sei, mas e se o locutor acreditar em sua própria mentira? No momento que o alvo da atrocidade é si mesmo, a situação vira de ponta cabeça, de lado, de frente, dá uma pirueta e depois uma rasteira em você. Enganado é quem diz ser imune a tal efeito - isso já é o mentir fermentando discretamente em suas veias e artérias. Esconder a verdade de si é involuntário, um reflexo inevitável do cérebro para se proteger do mundo exterior. Uma última súplica.
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teasalo-fog · 7 months
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Do mar que será engolido, não pela própria água, mas pela areia;
Seres inanimados não tem consciência; mas diga isso a minha versão infantil, de uns 10 anos, e ela não concordaria. Ela diria ter a mais absoluta certeza de que o mar é, sim, vivo o suficiente para responder qualquer coisa perguntada. A ingenuidade infantil me fascina; crianças forjam suas próprias verdades e concordam com ela, até eventualmente crescerem e esquecerem tudo. Racionalidade é posta em suas pequenas mentes por seus pais, parentes e escola, na nobre tarefa de ensinar as verdadeiras verdades. Entretanto, o que são as verdadeiras verdades, se não um adulto - que já foi criança - assumindo fatos? Eles sugam a essência do que torna uma infância legítima brutalmente, deixando o velho para catar os pedaços e sobreviver.
Minha criança caminhava sobre a fina camada de água que recobria a margem da areia. E desse modo tinha ela sua felicidade plena. Catava conchinhas. Se não gostasse da cor de alguma, jogava-a o mais longe possível mar adentro, e se fosse bonita, guardava-a no bolso. Assim, conversava com o mar em uma prosa infinita, catalogando ondas fortes e fracas como sim ou não. Caso não fosse tão ingênua, eu teria percebido que tudo aquilo era o acaso, as possibilidades científicas, trabalhando em seu favor.
Mas ela era ingênua. O pai andava ao seu lado, sem tocar a água, e segurava dois pares de sandálias nas mãos, uma maior do que a outra. Que ele conversava, tal qual o mar, era fato, porém suas palavras não a interessavam tanto quanto o que o oceano tinha a lhe oferecer, voz imbuída nas preciosas ondas. Outra concha é apanhada por mãos pequenas, e a menina pondera se aquilo seria um presente do mar para sua pessoa. Se ela, eu, perguntasse ao pai, ele olharia para baixo e diria que não, não era um artefato escolhido a mão para lhe agradar. Afirmaria que o delicado objeto de cálcio, no passado, já serviu de abrigo para um bichinho minúsculo. Por coincidência, caiu alí. Ainda lembraria que é errado pegá-las; futuramente, poderiam servir de lar para outro molusco.
Mas ela não indaga ao pai, e sim ao grandioso azul marinho à sua frente. Foi mais um dia que pude aproveitar da ingenuidade da infância, salva da racionalidade do mundo maduro. O mar, agora, não é mais mágico, nem conversa comigo - nada é miraculoso, tudo perdeu a graça, ficou escurecido, cinzento. A beleza do mundo continua lá, porém eu não vejo nada, nem ninguém, pois ela é exclusiva para quem conversa com os mares.
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teasalo-fog · 7 months
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Das mais que comuns anomalias desse mundo;
Às vezes pego-me pensando sobre a normalidade. E o porquê de algumas coisas serem anormalmente normais. Sempre foi uma questão que me atolou durante viagens de carro, enquanto a paisagem corre apressadamente pela janela e o asfalto grita debaixo dos automóveis. Mas o normal é chato. Quem quer ser um ninguém que só tem importância, no máximo, quando entra numa sala, logo depois misturando-se a multidão, nada que o diferencie dos demais? É o caso da maioria das pessoas, e talvez se encaixe na categoria anormalmente normal. Sua importância nem decorre da entrada dessa pessoa específica por sí só, e sim pela luz que recobre a sala momentaneamente. A atenção some tão rápido quanto aparece, e é como se nada houvesse acontecido.
O equilíbrio perfeito entre ser diferente e se encaixar é o que sempre busquei, mesmo que no inconsciente, percebo agora. E percebo mais. O gado pacientemente vigia o carro de seu pasto - vasto, mas recluso - falhando em capturar a atenção do motorista, assim como eu mesma falhei. Assim como os insetos perdem a luta contra o parabrisa do automóvel e são brutalmente arrastados para fora do campo de visão do motorista, insignificantes demais para serem consideradas mortes infelizes. Os desgraçados falham em mostrar sua essência, seu impacto. Falhei em destacar-me, e passo meus dias mofando, camuflada na paisagem social que é a vivência. É o que sinto, ao menos.
Todos esses acontecimentos, inclusive minha fútil existência, são tão absurdamente comuns que chegam a dar pena, quando vistos por olhos bons. O motorista, meu pai, conversa algo desimportante com minha mãe, e eu continuo a vagar, mente pairando dentro da carroceria do carro. As escurecidas janelas estão fechadas, separando eu do mundo e o mundo de mim, como se eu mal existisse. E eu mal existo.
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teasalo-fog · 7 months
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De chuvas e canastras,
Era uma manhã chuvosa e eu fitava minhas cartas, ponderando como eu poderia ganhar o jogo. Leo e Giulia cochichavam algo nos ouvidos um do outro, provavelmente combinando algum jeito cruel de me fazer perder miseravelmente. Obviamente, eu não deixaria. Não denovo, pelo menos.
Água caía dos céus desde que acordamos; Hoje, a ida à praia teve de ser adiada para mais tarde. Acordar ao som da chuva batendo nas telhas e o cheiro de terra molhada não era incomum - e significava outra coisa, além de nuvens escuras, o friozinho agradável e jogos de buraco. Significava também caravelas e mais caravelas. Bolhas boiando no mar, seus longos fios ameaçando quem chegue perto demais, defesa quase que perfeita. Obras-primas da natureza trazidas com as ondas. Eu, particularmente, nunca fui pega por uma água viva, mas Giulia sim, e pelo modo com o qual ela descreve a dor, não parece nada agradável. Nós vamos à praia mesmo assim. Não é uma geleia flutuante e levemente mortal que vai nos parar.
Um ás de paus é jogado à mesa sem muita atenção, e é exatamente o que faltava para terminar a sequência que eu acumulava a tanto tempo. Eu fingia fazer jogo com outro naipe, e eles caíram direto no golpe. Um sorriso maléfico escapa de minha boca e eu pego a carta rapidamente, trazendo-a para a mesa de novo, só que dessa vez, acompanhada de outras sete. As gotas de chuva continuam a descer, molhando as plantas e um pouco das minhas costas, mas eu rio, vitoriosa - mesmo que a canastra não significasse, necessariamente, vitória.
O jogo acabaria daqui a pouco; a chuva se afinava, transformando-se em um mero chuvisco, leve ruído em nossos ouvidos. As caravelas esperam pacientemente por nossa chegada, algumas encalhadas na areia, levadas para a costa pela maré fria.
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