Protagonismo Feminino: O Papel e a Evolução das Mulheres no Terror
Mulheres são comumente representadas e vistas em filmes de terror. Algumas personagens como Laurie Straode de "Halloween" (1978), Alice Hardy de "Sexta-feira 13" (1980) e Sidney Prescott de "Pânico" (1996) ganharam o carinho do público ocupando papeis essenciais nas tramas.
Apesar da importância reconhecida dessas personagens, pouco se discute sobre o que está por trás das suas representações. Com o debate sobre representatividade feminina cada vez mais em voga, é imprescindível debater o papel dessas personagens e como elas são um reflexo da sociedade em que estão. Por isso, nesse post a Spooky Co. falará sobre o papel e a evolução das mulheres nos filmes de terror.
O Protagonismo Feminino
A questão do protagonismo feminino no cinema de terror não se trata de visibilidade ou voz. Uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Geena Davis de Gênero da Mídia realizada em 2015 aponta que o horror é o único gênero em que mulheres tem mais visibilidade que homens, representadas por 53% do tempo de tela. Além disso, mulheres possuem 47% das falas proferidas em filmes de terror.
Apesar dessas estatísticas, o cenário por trás das câmeras é bem diferente. Uma pesquisa pela Woman and Hollywood aponta que dos 100 filmes com as maiores bilheterias de 2019, 12% deles foram dirigidos por mulheres, 20% escritos e 2% possuíam mulheres como diretoras de fotografia. Essas estatísticas nos fazem questionar se de fato as mulheres que ocupam as telas estão sendo fielmente representadas.
O Papel das Mulheres no Horror
O cinema de horror, como tantos outros, é permeado por estereótipos e clichês. Muitos deles são refletidos nas personagens em geral, mas principalmente nas do gênero feminino.
Em filmes mais clássicos e antigos, principalmente os entre anos 1930 e 1990, podemos encontrar muitos exemplos de personagens femininas que seguem um padrão. Geralmente, nos deparamos com uma personagem virgem e inocente que escapa no final, ou uma amiga com atitudes questionáveis que não sobrevive ou uma mulher qualquer que morre sem ao menos sabermos sua história, entre tantas outras.
Uma coisa em comum em grande parte dessas personagens mulheres é que, geralmente, suas narrativas são mais violetas e suas mortes mais gráficas se comparadas às dos personagens masculinos. Outra característica em comum é a superficialidade dessas personagens, que na maioria das vezes não possuem uma história pessoal bem construída.
A historiadora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná e especialista em cinema de horror, Gabriela Larocca, contou ao portal TAB que "Os dois clichês mais enraizados são: de um lado a mulher como monstro, que representa os perigos do feminino enraizados no corpo e, de outro, a mulher como vítima, o feminino como sinônimo de fragilidade e a necessidade do amparo masculino". A seguir, exploraremos um pouco sobre esses clichês.
Scream Girls
Com origem em meados de 1930 durante a época de cinema mudo, o termo Scream Girls ou Scream Queens só se tornaria popular décadas depois. Como o próprio nome diz, a característica mais marcante desse tipo de personagens são seus gritos estridentes e impactantes.
Geralmente, as Scream Girls não possuem uma história bem desenvolvida. Pouco se sabe sobre elas e seus antecedentes, o que faz dela uma personagem rasa e pouco interessante. O papel dessas mulheres na trama é, principalmente, servir de vítima para o antagonista. Suas mortes são fatores essenciais para a movimentação do enredo.
Marion Crane de "Psicose" (1960)
Uma das Scream Girls mais marcantes do cinema é, provavelmente, Marion Crane do filme "Psicose" (1960). Pouco se sabe sobre a personagem mas todos se lembram muito bem de como ela morre. Uma característica importante de sua cena fatal é o fato de Marion aparecer nua - símbolo comum no horror da fragilidade e exposição feminina.
Final Girls
Já as Final Girls, termo cunhado por Carol J. do Trevo no livro Men, Women, and Chainsaws: Gender in the Modern Horror Film (1992), são personagens que sobrevivem no final da trama, mas somente após passarem por uma jornada violenta e difícil nas mãos do antagonista.
As Final Girls entraram em voga no começo dos anos 1980, com a ascensão do gênero slasher. Assassinos e serial killers como Freddy Krueger, Jason ou Michael Myers faziam enorme sucesso, e precisavam de suas infelizes vítimas para se consagrarem.
Ao contrário das Scream Girls, as Final Girls já possuem uma narrativa mais bem construída e são personagens levemente mais complexas. Nos slashres, nos distanciamos da visão do assassino e firmamos uma ligação com essas personagens femininas, fazendo com que torçamos para elas até o final.
Com as Final Girls, podemos entender seus medos, angústias e vivências. Apesar delas serem acessíveis, há alguns elementos estenotipados que constroem suas narrativas. Geralmente, as Final Girls são mulheres virgens, que não bebem e nem usam drogas. Suas imagens são fortemente atreladas à uma figura inocente e angelical e, muitas vezes, essa é a justificativa - direta ou indireta - do que porque só elas sobrevivem no final.
As Condutoras do Mal
Em contraposição à figura inocente e angelical das Scream e Final Girls, as Condutoras do Mal são mulheres monstruosas. Percebemos isso ao ver como é comum a associação da figura feminina com o grotesco e com a bruxaria, por exemplo. Além disso, também é comum que personagens femininas tenham alguma conduta relacionada à sexualidade que interfere em sua narrativa.
"Carrie" (1976) por exemplo, descobre seus poderes sobrenaturais - que viriam a matar seus amigos mais tarde- após a sua primeira menstruação. Em "A Morte do Demônio" (2013) a personagem principal é possuída através da sua vagina. Já em "O Bebê de Rosemary" (1968) o herdeiro do demônio só é concebido após um ato de estrupo. Repetidamente no cinema vimos mulheres sendo acometidas por atos sexuais - sejam esses comuns, como a menstruação, ou violentos, como o estupro - e estes são grande parte da representação do mal entrando na vida das personagens.
"Carrie" (1976)
De onde elas vem?
A partir dessas personagens, podemos entender um pouco mais do porque elas foram representadas dessa certa forma e de onde elas vem. A historiadora e especialista em horror Gabriela Larocca estudou a representação do corpo feminino em três filmes do gênero: "Halloween" (1978), "Sexta-feira 13" (1980) e "A Bruxa" (2015). A partir de seus estudos, Larocca contou ao portal TAB que as final girls, principalmente, surgiram a partir de um contexto muito claro dos Estados Unidos.
"Os anos 1960 e 1970 foram marcados pelo feminismo de segunda onda, além do movimento LGBT, o estudantil, as reações contra a guerra do Vietnã, causando uma contestação da ordem e das hierarquias", lembra. "A pílula anticoncepcional era aprovada, as mulheres começavam a sair mais para trabalhar, o número de divórcios aumentava", contou Larocca.
A historiadora cita ainda que "A partir do final da década de 1970 e no começo dos anos 1980, há um revés de tudo isso, um forte movimento conservador que vai tentar recuperar o que chamaram de 'excessos', com uma luta muito forte no campo do gênero".
São durante esses anos que o governo republicano de Ronald Reagan, junto à sua mulher Nancy Ragan, faziam uma campanha fervorosa à favor dos laços familiares tradicionais. Por isso, o cinema como ferramenta de debate social, refletiu esse cenário. Os filmes de horror acabaram surgindo como uma maneira de discutir medos e ansiedades do novo papel feminino e da família, aponta Larocca.
Larocca ainda aponta que, nesses filmes, há um excesso de violência gráfica contra o corpo feminino. Enquanto as mortes das mulheres são extremamente violentas, as mortes dos homem são geralmente representadas fora de tela. Além disso, é comum cenas onde mulheres morrem logo após terem transados e nuas, representando mais uma vez o símbolo de fragilidade e vulnerabilidade.
A Nova Onda de Mulheres no Terror
Apesar de estereótipos e clichês continuarem sendo propagados no terror, podemos perceber uma nova onda de mulheres no gênero. Essas personagens femininas são mais complexas, ambíguas e independentes, porém isso quer dizer que elas estão livres dos estereótipos que as precederam? Está realmente havendo uma melhora da imagética feminina no cinema de horror?
Filmes como "Midsommar" (2019), "Nós" (2019) e "O Homem Invisível" (2020), por exemplo, mostram personagens femininas bem diferentes das final girls. São personagens que colocam em questão o debate de bem versus mal, que trazem aspectos sociais e psicológicos profundos, entre tantos outros elementos que as aproximam das mulheres da realidade. Além da aproximação, essas são mulheres que subvertem a violência e a sexualidade agressiva impostas aos seus papeis por tanto tempo.
Midsommar (2019)
Apesar disso, a historiadora Gabriela Larocca prefere não falar em uma melhora linear na representatividade da mulher no cinema de horror. Para ela, existem exemplos bons e ruins ao longo da história. A personagem de Sydney Prescott de "Pânico" (1996) é um exemplo, uma vez que ela é uma final girl que não corresponde totalmente às características angelicais e virginais desses estereótipo.
Larocca não acredita que a indústria esteja repensando os seus valores, e sim somente seguindo aos novos padrões do mercado. Representatividade é um assunto que o público está exigindo de forma mais atenta, por isso os filmes que abordam temas representativos tem ganhado mais destaque em meio às bilheterias.
Seja qual for a intenção, é fato que as mulheres precisam de representatividade realista, tanto nas frentes como de trás das câmeras. Quanto mais cineastas e personagens femininas tivermos, mais provaremos que a ideia de que mulheres não gostam de filmes de terror está totalmente errada.
Essa matéria foi inspirada na entrevista de Gabriela Larocca para o portal TAB Uol.
Artigo escrito por Marina Araújo @marinarujo
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