Os 70 anos do "Astronauta" de Palenque
O relevo da laje de Palenque no Templo das Inscrições, é, de longe, a principal e melhor “prova” usada por Erich von Däniken e pelos demais defensores da teoria dos "antigos astronautas" para sustentar as suas teorias. Mas será que ele representa, de fato, um "astronauta"? Não é o que a arqueologia oficial pensa e Suenaga revisa e confronta ambas as interpretações nesta matéria exclusiva e inédita que vocês vão poder ler a partir de agora.
Por Cláudio Tsuyoshi Suenaga
Descoberta em 1773 por capitães espanhóis que vinham em busca de madeiras finas como cedro – ao começar a explorar a região, notaram que as madeiras estavam em cima de edificações antigas –, Palenque (do catalão palenc, que significa “fortificação”, “cercado” ou “lugar de torneios”), nas cadeias de montanhas da Península de Yucatán, ao norte do estado mexicano de Chiapas, extremo sudeste do país, na fronteira da Guatemala, a 903 quilômetros de distância da Cidade do México, forma um conjunto de cerca de 500 edifícios em uma extensão de 4,5 quilômetros de leste a oeste, e 2 quilômetros de norte a sul, a 230 metros acima do nível do mar. As primeiras construções datam de 226 a.C., e as últimas, de 799 d.C. Originalmente liderada por mulheres, Palenque chegou ao auge no século VII para simplesmente “desaparecer” entre os anos 800 e 900. Foram explorados menos de 2% de sua superfície total.
O Templo das Inscrições, composto de nove bases sobrepostas, mede 60 metros de largura, 42,5 metros de profundidade e 27,2 metros de altura. O Templo das Inscrições propriamente dito situa-se no topo e mede 25,5 metros de largura, 10,5 metros de profundidade e 11,4 metros de altura. As maiores pedras pesam de 12 a 15 toneladas e se encontram no topo. Do pátio em frente, uma escada ampla e íngreme, de 60 degraus, sobe para o santuário; cinco entradas abertas estão flanqueadas por seis pilares ricamente ornamentados com trabalhos em estuque. No seu interior estão penduradas as magníficas lápides de relevos com os 617 hieróglifos que deram o nome ao templo.
O Templo das Inscrições em foto de Erich von Däniken de seu livro O Ouro dos Deuses [São Paulo, Melhoramentos, 1977, p.91]
Em 21 de dezembro, dia do solstício de inverno no hemisfério norte, o Sol se põe exatamente no Templo das Inscrições, espetáculo que se repete anualmente, em sentido inverso, no começo da primavera, quando o Sol nasce no Templo das Inscrições. O ponto mais privilegiado para a observação desse espetáculo é o topo do Templo do Sol, a leste do Templo das Inscrições.
A primeira e mais importante pirâmide-túmulo descoberta na área mesoamericana começou a ser construída por volta de 675, perto do final do Período Clássico (250-900), como um monumento funerário a K’inich Janaab’Pakal ou Pacal o Grande (603-683, rei a partir de 615). Pakal morreu em 31 de agosto de 638, com 80 anos de idade, uma idade de Matusalém entre os maias, cuja média de vida era de 35 anos. Ele havia assumido o trono em 615, com apenas 12 anos, e governou por 68 anos. Durante o seu longo reinado, Pakal transformou Palenque em uma grande cidade.
Entre 1949 e 1952, o governo mexicano enviou a Palenque, então em processo de restauração, uma equipe de escavação e pesquisa liderada pelo arqueólogo francês naturalizado mexicano Alberto Ruz Lhuillier (1906-1979).
Alberto Ruz Lhuillier no sarcófago e sob a lápide do Rei Pacal no Templo das Inscrições.
Em 15 de junho de 1952, depois de três anos de árduas escavações, Lhuillier e sua equipe estavam diante de uma espécie de porta triangular de pedra medindo 1,60 x 2,45 metros. A porta dava aceso à cripta ou câmara subterrânea medindo 9 metros de comprimento, 4 metros de largura e 7 metros de altura, que a despeito das altas temperaturas e da umidade da região, não havia se deteriorado. A cripta, em direção norte-sul, ficava 2 metros abaixo da plataforma sobre a qual se ergue o Templo das Inscrições e, assim sendo, 2 metros abaixo da base da pirâmide.
Lá havia um sarcófago em forma de corpo encimado por uma magnífica lápide de pedra de 3,80 metros de comprimento, 2,20 metros de largura e 25 centímetros de espessura pesando cerca de 9 toneladas. Cinco ou seis vítimas sacrificais haviam sido colocadas na pequena antecâmara. Um pequeno cano de barro ligava o sarcófago ao corredor, ao que parece para “deixar escapar o espírito do morto”. O esqueleto encontrado na cripta foi denominado de o “Homem da Máscara de Jade”. Ao seu lado jaziam joias de jade, brincos com hieróglifos gravados e um colar de pérolas.
A lápide e o sarcófago do Rei Pakal. Foto do Museo Nacional de Antropología.
Sobre a morfolgia deste esqueleto, difundiram-se as mais errôneas e desencontradas informações sempre no intuito de diferenciá-lo do povo maia e fazer o público acreditar ser ele o próprio deus branco Kukulcán, a versão maia do deus asteca Quetzalcóatl, a serpente emplumada, descrito como um homem branco alto, de longos cabelos, barba branca, olhos azuis e crânio alongado que teria vindo dos mares e lhe ensinado os rudimentos da civilização. Muitos chegaram a aceitar sem questionamentos que o senhor Pakal media 1,90 metros de altura, quando a altura média de um adulto maia masculino ficava entre 1,50 metros e 1,70 metros. Na verdade, nunca houve um consenso entre os morfologistas quanto a estatura de Pakal devido às muitas alterações morfoanatômicas, mas a maioria hoje aceita que a sua altura ficava em torno de 1,65 metros, ou seja, a média de altura de um maia em sua quinta década de vida.
A laje, que só pôde ser erguida com a ajuda de macacos hidráulicos, exibia os contornos do que parecia um sofisticado e complexo aparelho. Na antológica interpretação de Erich von Däniken:
“Ali está sentado um ser humano, o tórax inclinado para a frente, na posição de quem dirige um veículo de corrida; esse veículo, hoje, em dia, qualquer criança identificará como foguete. Afinado na frente, o veículo apresenta no bojo sinuosidades singularmente caneladas, que se assemelham a orifícios de sucção, tornando-se em seguida mais largo e terminando com uma língua de fogo no caso. O ser vivo, inclinado para a frente, opera com as mãos uma série de indefiníveis instrumentos de controle e coloca o calcanhar do pé esquerdo sobre uma espécie de pedal. Seu traje é adequado; calça curta xadrez de cinto largo, blusão de moderno decote japonês e punhos apertados em mãos e pés. Conhecendo se outras representações correspondentes, seria surpreendente se faltasse o chapéu complicado! Aí está ele, com sinuosidades, tubos e, mais uma vez, com haste semelhante a antena. Nosso cosmonauta, representado com tanta nitidez, está em ação, não somente pela sua posição – bem rente ao seu rosto está pendurado um instrumento que ele observa fixa e atentamente. O assento anterior do astronauta é separado do recinto posterior do veículo, em que se veem caixas, círculos, pontos e espirais, tudo simetricamente disposto.”[Däniken, Erich von. Eram os Deuses Astronautas?, 37ª ed., São Paulo, Melhoramentos, p.122-123.]
Däniken fez questão de estampar o desenho do "astronauta" de Palenque na capa de seu primeiro livro, o best-seller Eram os deuses astronautas?
Em 2011, o jovem pesquisador e construtor de modelos Paul Francis, da Lucas Francis Studios, transferiu para um modelo tridimensional o desenho esculpido na tampa do sarcófago do rei Pakal. O seriado Ancient Aliens, da History Channel, entrevistou Francis e mostrou o seu modelo em detalhes no episódio “The Mayan Conspiracy” (Ano 4, episódio 1), levado ao ar em 17 de fevereiro de 2012. Para regozijo do ufólogo e astroarqueólogo grego Giorgio A. Tsoukalos (1978-), Francis fez aquilo que outros tecnólogos antes dele já haviam feito, isto é, colocou Pakal nos comandos de um foguete – com as mãos em alavancas, os pés apoiados em pedais à guisa de aceleradores, o nariz ligado a um tubo de oxigênio, etc. – e como novidade acrescentou de sua própria alçada vários elementos, entre eles um protuberante tubo de escape para chamas e gases.
O modelo de Paul Francis do "astronauta" de Palenque, uma interpretação levada ao extremo do tecnicismo.
Entretanto, o fato é que os símbolos esculpidos na laje são típicos da arte religiosa maia e podem ser vistos em muitos outros monumentos. Os arqueólogos os conhecem muito bem e os interpretam sem dificuldades e sem necessidade de apelar a “astronautas extraterrenos”.
O principal símbolo da laje de Palenque, a “Árvore do Mundo” ou eixo central do mundo, chamada de Wacah-Chan (“seis céus” ou “ascendido ao céu”) nos glifos, aparece sob a forma de uma cruz para indicar seu caráter sagrado ou divino. A cruz representava para os maias a conexão entre o submundo, os céus acima e o mundo dos vivos – dos quais o sangue era o elemento mais imporante e poderoso.
O “Pássaro Cósmico Celestial”, conhecido como Itxam-Yeh, aparece acima da “Haste da Serpente”, conhecida como a Haste da Serpente Bicéfala Cerimonial, um cetro segurado pelos braços dos governantes, geralmente contra o peito. Para segurar a barra, os governantes maias colocavam as mãos em um gesto formal com os pulsos voltados para trás e os polegares virados para fora. A postura fetal do rei Pakal é a mesma que se vê em inúmeras em outras esculturas e pinturas maias e indica nada mais do que a morte e o renascimento do soberano.
As mandíbulas da serpente em forma de pinça estão prestes a engolir Pakal, que está caindo na goela de Xibalba para ser finalmente engolido por ele e desta forma ingressar no submundo.
Durante sua queda a partir da Árvore do Mundo, Pakal está sentado sobre o Monstro do Sol, devidamente representado no seu estado de transição entre a vida e a morte.
Sua tanga e seu colar de jade pesado (tanto na frente como trás) parecem estar flutuando para longe de seu corpo. Os joelhos são flexionados, com as mãos relaxadas e os dedos em posição delicada, sem tocar em nada – e não manejando controles e apertando botões.
Seu rosto é calmo porque ele espera vencer a morte. Um osso perfurando o nariz de Pakal (infantilmente interpretado por Däniken e seguidores como uma “máscara de oxigênio”) simboliza que até mesmo a morte carrega em si a semente do renascimento. Nos dialetos maias, “osso” e “semente grande” são sinônimos. Assim, o osso é a semente da ressurreição de Pakal.
Abaixo, naquilo que foi tomado como o “motor” do “foguete”, está o Monstro Quadripartite Kinich-Ahau, deus do sol maia que assumia formas diferentes. De dia era um pássaro de fogo; à noite, andava no Xibalba, perigoso inframundo dos mortos, como um jaguar, felino temido e admirado pelos maias. Kinich-Ahau era um dos governadores do Xibalba (Xib’alb’a), o mundo subterrâneo governado por espíritos de doenças e morte e habitado por senhores malignos.
Em suma, toda a imagem relaciona-se com a vida surgindo ou renascendo a partir da morte, o grande ciclo da existência, como as estações, a noite que segue o dia e o Sol que retorna de manhã.
Todos os símbolos da laje de Palenque podem ser encontrados em outros monumentos maias e devidamente relacionados com a sua mitologia e cosmogonia.
“O que é um tanto incongruente”, escreveu o pesquisador céptico Kentaro Mori, “é que visitantes de outros sistemas estelares tenham vindo à Terra usando foguetes de propulsão química usando roupas espaciais incômodas iguais às que desenvolvemos nos anos 50 e 60”.
Até mesmo ufólogos mais criteriosos e de linha científica não resistiram à tentação e caíram no engodo do “soberano maia em sua cápsula espacial”. Um deles foi Jacques Vallée, que fez questão de abrir o seu livro Passaporte para Magonia com o “mistério do astronauta de Palenque”:
“Supõe-se que os maias foram extintos sem terem inventado até mesmo os rudimentos de uma tecnologia. Alguns arqueólogos duvidam que eles conhecessem a roda, mas o relevo que decora o sarcófago de Palenque parece mostrar um aparelho complicado e refinado, com um homem nos comandos de uma intrincada máquina. Ao notar que o personagem está representado com os joelhos levantados até o peito e virado de costas para um complicado mecanismo, donde se veem surgir chamas, alguns pesquisadores, incluindo o escritor científico soviético Alexander Kazantsev, têm especulado que, na verdade, os maias teriam estado em contato com visitantes de uma civilização superior que conhecia e usava astronaves espaciais. É difícil provar que a interpretação de Kazantsev esteja certa, não obstante, o único objeto que nós conhecemos hoje que estreitamente se parece com o desenho maia, é o de uma cápsula espacial. Outro enigma nos é oferecido pelo semi-deus para o qual construíram de manera tão esplêndida o sarcófago, a cripta e a pirâmide. Os restos humanos que se encontraram no sarcófago mostram uma diferença radical com a morfologia dos maias, tal como imaginamos que deviam de ser: o morto era um homem medindo quase 2 metros de altura, ou cerca de 20 centímetros mais alto do que a média maia. De acordo com Pierre Honoré, o sarcófago foi construído para o ‘Grande Deus Branco’ Kukulkán, mas a chave para o mistério ainda não foi decifrado, e as florestas de tropicais da América Central, onde ainda se encontram dezenas de templos e pirâmides sob a vegetação exuberante, ainda guardam o segredo do sarcófago.” [Vallée, Jacques. Pasaporte a Magonia, 2ª edición, Barcelona, Plaza & Janes, 1975, p.20-21.]
Contudo, é preciso admitir que visto em seu conjunto por alguém que pouco ou nada entende de mitologia maia, o desenho do sarcófago de Palenque não parece sugerir outra coisa senão um aparato tecnológico equiparável àquele desenvolvido e utilizado pela NASA nos anos 1950 e 1960. E que é de fato muito tentador associá-lo a algo extraterrestre, até pelas dificuldades de os maias erguerem monumentos tão grandiosos e precisos matemática e astronomicamente em plena selva, a despeito das condições climáticas nada "amigáveis" da região.
O relevo na lápide de Palenque: é mesmo difícil acreditar que este ser não seja um astronauta.
Ainda no início dos anos 1970, o designer de aeronaves norte-americano John Sanderson, usando um programa de computador, transformou a imagem da placa em um modelo tridimensional. Como resultado, os olhos do cientista foram apresentados a uma parte da cabine do foguete com um painel de controle e a presença de um sistema de propulsão. Sanderson também modelou o exterior de uma versão em papel do foguete que ele projetou. Foto e desenho do livro O Ouro dos Deuses, de Erich von Däniken [São Paulo, Melhoramentos, 1977, p.240-241]
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Nefertiti.
December 6, 2012 marks the hundredth anniversary of the discovery of the famous bust of Nefertiti.
Famous works of art often have something in common. If you look for such connecting features in the three most well-known women in art history, namely between Leonardo da Vinci’s “Mona Lisa” (La Gioconda), Raphael’s “Sistine Madonna” and the painted bust of Nefertiti, then multiple parallels emerge : All three have been elevated to become icons of enduring beauty and grace, and all three are at the heart of what they are today
Likewise, these three masterpieces belong to those collection objects, to which a special exhibition belongs to the compulsory program of the respective museum.
It is a historic date for Berlin that is being celebrated with this special exhibition in the Neues Museum. Conservation reasons were decisive for the choice of location, they prohibit moving the bust with its extremely fragile stucco covering: Nefertiti does not come to the exhibition, but the exhibition comes to Nefertiti!
fonte: https://bit.ly/3Wekt46
#edisonmariotti @edisonblog
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Nefertiti.
6 de dezembro de 2012 marca o centésimo aniversário da descoberta do famoso busto de Nefertiti.
Obras de arte famosas geralmente têm algo em comum. Se você procurar essas características de conexão nas três mulheres mais conhecidas da história da arte, ou seja, entre a “Mona Lisa” (La Gioconda) de Leonardo da Vinci, a “Madona Sistina” de Raphael e o busto pintado de Nefertiti, surgirão vários paralelos: Todos os três foram elevados para se tornarem ícones de beleza e graça duradouras, e todos os três estão no centro do que são hoje.
Da mesma forma, estas três obras-primas pertencem àqueles objetos de coleção, aos quais pertence uma exposição especial do programa obrigatório do respetivo museu.
É uma data histórica para Berlim que é celebrada com esta exposição especial no Neues Museum. Os motivos de conservação foram decisivos para a escolha do local, eles proíbem a movimentação do busto com sua cobertura de estuque extremamente frágil: Nefertiti não vem à exposição, mas a exposição vem para Nefertiti!
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