Tumgik
#chove na sala água nos olhos
jovemprometeu · 6 months
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O CÉU DA BARRIGA ABERTO PARA RUA | Pablo Alves
Tenho, desde pequeno, uma habilidade inútil. Sempre sei quando começa o inverno. Primeiro, o ar chega mais úmido até as bochechas, e as nuvens, mais fechadas, rodopiam no céu pálido e desmaiado. Para que as primeiras gotas rolem, muito gorduchas, sobre o telhado de barro, é questão de tempo. Como disse, uma habilidade inútil.
Nunca vou esquecer a imagem do velho Lorota, o olhar enrugado de desaprovação, ouvindo que eu estava ansioso pelo inverno daquele ano, que adorava perseguir os insetos de chuva e derrubá-los quando ainda estavam voando.
Deixa eu contar uma coisa sobre os siriris, começou de repente. Quando chove, o siriri abandona o lar — as mãos iam dançando acima da sua cabeça — e voa. Eu não sei o que ele procura, menino, mas ele continua até perder as asas. Quanto tempo leva até chegar esse momento? Não sei dizer a você. Eles, porém, só têm um instante curto, entre o voo e a queda, atrás do que procuram. Depois perdem as asas. E aí é o fim.
Pensei, na época, que muita exposição ao sol pudesse ter torrado o juízo do velho Lorota — como alguns garotos o chamavam, por causa das coisas que contava. Entretanto, guardei aquela sua lorota ainda por bastante tempo. Tinha medo de uma sobre certo menino na janela. Na história, ele ganhou um buraco na barriga ao fazer traquinagem, por assim dizer:
“Ainda encaro aquele menino”, contava o velho, “com o céu da barriga, aberto para rua, onde outros meninos, assim como ele, não sabiam brincar sem rebentar o próprio corpo”.
Muamba era uma dos nossos e afirmava já ter visto o menino na janela do Pádua, o português. Disse ainda que além da barriga aberta tinha os olhos saltados das órbitas. Alguém perguntou se tinha visto antes ou depois de enfiar a cara na lata de Cola Cimento. Não soube responder.
Muitos anos depois, eu ia deslizando pelas luzes daquela avenida. A sola do All Star preto gastava o asfalto. Àquela hora parecia um anfiteatro explodindo em cores febris. Irrompi pela rua principal, bêbados, e drogados, e outros esquecidos vieram me receber, só a menina fez pouco caso, abraçada à boneca de pano — tinha alguns rasgos e parecia imunda. Não a boneca, mas a menina. Estava metida num vestidinho roxo, onde algumas flores brotavam da estampa. O cabelo rareava na cabeça, o pouco estava preso num coque, alguns fios apontados para o alto. Nos lábios dela havia alguma prece lamuriosa, seguida pelo movimento vicioso do corpo, para lá e para cá, às vezes mais rápido, às vezes mais calmo. A menina, na verdade, não era bem isso: uma menina. Agora tinha idade. E linhas afundadas na carne. Fitei o pequeno borrão até o fim da rua, antes de virar a esquina. Ainda com os olhos nela, vi debaixo da fumaça e penumbra muito da infância que queimava.
Naquele inverno, mais longo e rigoroso dos últimos anos, não havia mais o que fazer senão passar o dia em frente à televisão, acompanhando as programações. Uma reportagem local dizia que as escolas permaneceriam com as atividades paralisadas até a água recuar. Dois pavilhões, incluindo onde ficava minha sala, estavam debaixo d’água. Depois o repórter fez um comentário comovido sobre a situação dos moradores de rua. Então descobri uma palavra nova e a levei até meu pai, na cozinha, sob a forma de uma pergunta. Ele respondeu: hipotermia é morrer de frio. Eu lhe disse que certamente tinha isso. Também estava morrendo de frio. Ele me pediu que parasse de dizer tamanha bobagem.
O sol saiu como uma bala abrindo passagem entre as fibras da carne no peito de um negrinho. E já não era mais inverno. A cidade e o mercado fervilhavam e a vida queimava de novo. Eu nunca mais vi o velho Lorota depois disso. Ainda hoje paro para vê o voo dos siriris, em dias de chuva. Sinto que têm algo importante a me dizer.
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cafetrarecords · 4 years
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Concerto da Maria: adiado!
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Devido à chuva, o concerto da Maria Reis na Casa do Capitão teve de ser reagendado para dia 2 de Outubro! Com a banda (Simão Simões e João Portalegre).
Chove na Sala, Água nos Olhos by Maria Reis
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Foto por Lourenço Crespo no estúdio da Cafetra, Interpress. Novembro 2019.
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darflores · 4 years
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i was tagged by @urs4now (thank u!!!!!!) to post my top 9 albums of 2019  ✨
1. norman fucking rockwell - lana del rey 2. endless - frank ocean 3. varicela - teresa arega (this is actually a podcast) 4. magdalene - fka twigs 5. adoro bolos - conan osíris 6. tommy genesis - tommy genesis 7. emocional - sreya 8. ARIZONA baby - kevin abstract 9. chove na sala, água nos olhos - maria reis
i tag: @00jc7 @s9nya @burrowsofmykeep @scoottheburbs @afternoondream @oushuhiraizumi67bosinn @baseille 
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De volta ao amor de Laura
respiro fundo.
talvez esse seja um dos meus segredos aqui dentro dessa cabana.
o dia chove e talvez seja por isso que eu procurei passar o dia aqui dentro.
uma das coisas q eu amo é o barulho da chuva enquanto eu durmo. é uma pena que essa cabana esteja com um furo. a cada 5 min meu copo de água fica cheio. de noite acabo ficando molhado e acordo com frio. mas muitas vezes nem me dou o trabalho de levantar. fico só com frio deitado, em posição fetal. e me entrego ao frio e a dor.
e é disso que fala a vida. de entrega ao incerto.
os lobos estão vindo.
é momento de eu me despir.
eu estou ouvindo seus passos. ao redor da minha cabeça tem sangue. meu sangue. minha perna está ferida, acabei por escorregar e um galho atravessado em minha panturrilha. não doeu, acredite. não faça cara de dor e nem tente experimentar a minha dor, porque ela não existe.
é por isso que eu vim para cá, caminhando lentamente sem conseguir movimentar a minha perna direita.
agora os lobos estão aqui. eles estão prontos para me carregar para os céus.
eles vão me morder, como instinto. vão perceber que estou indefeso e sangrando. vão me comer vivos por alguns momentos, mas depois que a dor começar a fazer parte de mim, minha mente vai se desligar. e os próximos minutos eu não vou mais sentir nada, não estarei acordado. e nos minutos seguintes vou perder muito sangue… meu batimento vai diminuir, meus órgãos vão parar e eu vou entrar em um estado alterado de consciência.
é isso que está acontecendo nesse exato segundo.
eles estão me devorando.
agora sinto a vida. agora sinto cada mordida. eu grito de dor.
eu URRO DE DOR. eu urro pela vida, eu urro pela vitória.
pode ser que o seu dia final e a sua despedida de vida não seja como a minha, desejo que não seja. pode ser que você simplesmente entre em coma, durma ou receba uma morfina em suas veias e não sinta nada.
o tempo está parando para mim.
minha vista está negra. e eu percebo uma pequena luz. já não estou mais pensando como antes. agora meu pensamento se mistura em dores e confusões. meus sentidos se alteram.
é a transição.
são os segundos finais da vidas. O último suspiro.
a luz se expande e eu vejo minha filha.
pequena, Laura, como sinto sua falta.
Ela foi muito levada. Foi tirada de mim. Sua mãe a levou para longe, sem mais nem menos. Eu cheguei em casa e tinha uma carta em cima da mesa de jantar de madeira. O armário estava aberto. Sobraram poucas roupas de minha esposa e de minha filha. Eu liguei para o celular dela.
Ela não me atendeu.
A minha vista acende. Volto a dor. Urro. Vejo o último lobo. Ele sobe para meu pescoço. Meu instinto grita. Dou um murro com todo restante de força que eu tinha. O seu amigo me prende os braços com seus dentes. Meu ombro se desloca.
Agora não tenho mais forças para lutar.
Minha vista apaga.
Laura, cadê você?
Não me abandone, Laura.
Eu a sinto. Ela está comigo de volta por alguns segundos, mas não. Estou na rua gritando por seu nome e a procurando.
Por que minha esposa fez isso comigo?
Eu já não me aguento e choro.
Abro o armário e saco minha cabana.
Agora Saco meu rifle.
Pego a mochila pesada de histórias.
Vou a procura de respostas.
Jogo-me na floresta densa, no passo rápido. A mochila pesada não me causa dor. Sou forte o suficiente para aguentar por horas de caminhada. Um bom fuzileiro naval.
Os primeiros animais vão surgindo. Ergo meu rifle.
Disparo contra o primeiro cervo.
Não o matei. Ele foge. Corro.
Agora é tarde. O caçador fala mais alto. Eu atiro novamente.
Ele se deita, lentamente. Ele se entrega. Ele chora.
Eu o matei. Minha raiva se permite. Ergo minha faca de 20 cm. Dou em sua cabeça.
Eu o matei. Eu urro de dor. Não é dor física. É dor da perda. Dor do abandono. Dor da incerteza.
Eu o matei. Eu controlei a vida desse animal. Ele podia correr mais. Ele sabia que ia morrer e se entregou. Eu o matei.
Tiro a lâmina afiada de seu couro e faço o recorte da região da bacia. Bom pra comer.
Meu braço treme e minha garganta dói. Não é nem início de resfriado, mas início da minha vontade de chorar.
Se posso controlar a vida desses animais, por que não posso controlar a mente assustada? Por quê?
Ilusão de controle. Eu não controlei a vida desse animal. Ele iria morrer cedo ou tarde. Eu decidi o momento em que ia atirar, é verdade.
Ilusão de controle. Soube tomar a decisão no momento certo, com técnica. Quem controla quem?
Eu nem me controlei, não tinha nem a possibilidade de frear a minha mente gritando para destruir. Para repetir o que fizeram com a minha vida.
Estou o tempo todo sendo destruído, não importa o quão forte eu aguente.
Não bastou me abandonarem na minha infância.
Não bastou morar na rua, não bastou ter fome, não bastou viver a violência que eu não escolhi viver.
Assim como esse cervo, foram autor da minha morte em vida. Mataram minha esperança. Mataram a minha vontade de viver.
Não tem problema, não é mesmo? Agora é a minha vez de acabar com a vida de todos aqueles que eu conheço.
Eu grito na floresta e os pássaros voam.
Eu grito mais forte e não paro de esfaquear o cervo morto. Coloco para fora toda a raiva. É tudo que sinto.
Injusto.
Amigos meus nasceram em boas famílias, nasceram com apoio de todos e tudo. Não faltaram um dia arroz, feijão e uma boa carne. Comigo não, comigo tinha que ser diferente.
Mas eu amei a Laura e não deixei NUNCA nada faltar para ela. Não recusei um colo, não recusei um abraço, não recusei amar minha filha.
Por que tiraram Laura de mim? Eu não sou NADA sem ela.
VAGABUNDA! É isso que você é. - Eu gritava contra minha esposa.
Eu ergui meu rifle. É agora. É a hora da minha morte. Apontei para minha cabeça o cano longo. Carreguei. Meu braço erguido e o outro se aproximando do gatilho.
É só um leve toque que falta.
Mas e se Laura precisar de mim?
Eu miro para longe. Eu jogo minha arma. Eu me jogo ao chão. O sangue escorre. A chuva começa.
A chuva me lava, lava a minha alma, lava o corpo sem alma do cervo. Eu não devia ter matado esse animal indefeso. Ele não tinha nada a ver com minha história, não tinha nada a ver com minha raiva e minha agonia.
Não se passa de um pesadelo. É isso. A visão apaga.
Eu me levanto da cama. Minha esposa, Thaisa, está ao meu lado.
Levanto para o quarto de minha preciosa, Laura. Eu a vejo em sua cama. Minha esposa não se foi. Laura não se foi. São 7:30 da manhã. Vou para a cozinha. Faço o café, faço os ovos. Faço as torradas. Suco de laranja com mamão.
Preparo a mesa, coloco os pratos, copos e minha caneca escrita “melhor pai do mundo”.
No primeiro gole, me vejo sozinho na sala de estar com a TV ligada. Laura em meu colo. A porta se abre. É minha mulher com as compras. Seguro as sacolas e estou no supermercado. Laura no carrinho e eu me vejo ao lado da Thaisa. Ela é magnífica.
Acordo no chão de terra, com moscas, céu azul e um cervo.
Não se passa de um sonho. é isso.
Não me acho. Não sei se é real. Não sei que o existe e o que deixa de existir. Eu me belisco. Dói um pouco. É. Não é sonho.
Encaro a realidade. Armo minha cabana.
Passam-se semanas. Estou a procura do meu coelho para almoçar. Estou mais magro. Tenho um cantil de água gelada. Bebo água e continuo meus passos largos em busca do branco peludo.
Horas se passam. Eu o avisto. Está ali. Estou pronto para matá-lo. Minha mente está focado na sobrevivência durante esse tempo. Minha vida virou isso. Esqueci que eu tinha trabalho. esqueci que eu tinha emprego. Eu só não esqueci e nem esquecerei da Laura.
Laura, meu amor, minha razão de Ser. Estou sem você. Espero que você esteja bem com a sua mãe . Agora eu sei porque ela fez isso. Ela estava certa. Eu sou esse monstro que caça, mata, rosna, atira e dorme.
O coelho me percebe. Estamos a correr. A primeira flecha do arco improvisado eu erro. Continuo a correr. Eu luto contra minha presa.
Estou te vendo, coelho. Não adianta correr para sua toca. Eu vejo seu olho vermelho.
Não me mate, por favor - o coelho diz.
Estou confuso. ele repete.
Senhor caçador, não me mate. Eu só estou atrasado e passando por aqui.
O coelho de Alice?
Não sou. Sou só coelho.
Estou faminto. Vou te matar.
Por favor, não me mate.
Eu rosno para ele.
Eu sou um lobo solitário em busca do meu alimento. Você não pode dizer o que devo fazer e o que não devo. - eu digo a ele.
Por favor, não seja o monstro. Você só está encantado pela raiva. A Laura vai voltar. Pode demorar anos, mas ela vai.
Como você sabe sobre a Laura? - Eu estou indignado com sua fala. meu arco se prepara. Meu tronco está fixo, meu olhar está fixo. Estou pronto, com uma lágrima em meu olho. Mostro os meus dentes de lobo faminto.
Não me mate que eu a te mostro onde ela está!
VOCÊ NÃO SABE DE NADA, COELHO!
Pois bem, essa é a sua oportunidade. Ou você aceita a minha oferta, ou você me mata e nunca mais estará aqui.
Eu me desarmo. Ele me desarma. Eu choro. Meu monstro se vai. Eu me desfaço em choros e lágrimas, eu me apequeno. Eu estou lançado no chão, pronto para ver Laura.
O coelho se transforma. É um mago. Um poderoso mago.
Ele me toca em meu coração e Laura surge em minha mente, viva.
Elá está comendo as torradas, ovo e o suco de laranja que preparei para ela. Minha esposa está ao lado.
Você é linda, mesmo com sono. - Eu provoco Thaisa.
Minha filha sorridente me contagia.
A magia acaba.
Você não entende, né? - Pergunta o mago.
Não entendo o que? Por favor, mago. Eu quero mais.
Isso é só uma droga. Um vício mental. Você não precisa da Laura para viver. Você é independente dela. Você só a fez criatura e deu a possibilidade dela se abrir ao mundo. Mas agora você se fechou. Eu tenho uma proposta para você. Caminha ao meu lado, como coelho. Junte-se a mim e nunca mais verás Laura. Ou fique aqui, em seu chão molhado de lágrimas e esqueça que sou mago. Viro coelho e busque Laura.
Indignado com a oferta, eu me levanto com raiva. Pego meu arco ao lado. Pego minha flecha e aponto ao mago.
Sai da minha frente. Você não sabe de nada sobre mim. Vou buscar Laura até que a morte chegue.
Assim seja. - O mago volta ao coelho e corre como jamais correra.
A chuva emite seu cheiro. Eu sei que está chegando. Voltarei para a minha cabana.
Corro. Com medo da minha resposta ao coelho. Acabo por tropeçar e uma ponta de galho. O galho atravessa minha panturrilha. Não sinto dor física, mas sinto a dor de ter visto Laura e não tê-la.
Chego em minha cabana lentamente.
Respiro fundo.
Talvez esse seja um dos meus segredos aqui dentro dessa cabana.
Meu corpo se desfaz. Minha mente se desfaz. Meu sangue já não existe e nem a forma. A paz chega. Meu sofrimento pela perda de Laura se vai. Já não sei mais quem é Laura, mas sinto o seu amor.
E agora é minha hora de conhecer o vazio negativo de Deus.
Obrigado por trazer aqui, eu digo ao coelho que me recebe.
Bem-vindo ao novo mundo. - Ele retorna a sua forma de mago.
O mago não tem forma. Ele é o que eu posso ver. E nesse momento, eu já não vejo mais. E essa se torna a minha última lembrança de Laura.
Fica bem, minha filha. É minha hora de partir.
A paz surge e o mundo acaba. Agora retorno para dentro. Dentro da minha amada Laura.
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ccbrandao · 5 years
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Deusa deus
O lampião que, solitário, ilumina o porto abana com o vento e luta para manter a fraca luz ainda acesa. Todos os outros, dois ou três, a vários metros de distância já desistiram, sucumbiram às rajadas que fazem os pequenos barcos bater uns contra os outros. Mais uma noite deserta, gélida. Já não chove, o ar sente-se como quem molha até aos ossos, a água corre rua abaixo, desde a lua ao seu reflexo no mar. É como se os gatos tivessem abandonado a ilha e nem os pescadores se atravessam na sorte da corrente.
A voz da La Divina mais forte a cada trovão. A lâmpada quebra-se e a água foge por onde pode, esconde-se em qualquer valeta. Os cães não uivam, tremem de medo.
Suicidio! / In questi fieri momenti / Tu sol mi resti / E il cor mi tenti.
Suicídio! / Nestes momentos terríveis / Só tu me restas / E me tentas o coração.
Artémis rodopia já mal equilibrada nos saltos altos brancos tão gastos. Pelo abuso, mais do que pelas oportunidades. O vestido branco, justo, brilha sob o toque da agora única luz da rua íngreme, a do alpendre. Uma lâmpada no centro, mais forte que os lampiões da aldeia, testemunha de danças e óperas de cristal. Testemunha em silêncio de gritos e choros sufocados nos anos em que ainda lhe chamavam Apolo.
Ela não se lembra. Rasgou todas as fotos, queimou as roupas. Apagou o dia em que viu o pai pela última vez, o casaco coçado que lhe pesava nas costas já corcundas sob a dimensão da honra enxovalhada nas mesas de sueca. Os próprios peixes pareciam rir-se da sua sorte e tantos dias dançaram fora das suas redes. Artémis não se lembra do dia em que o mar levou a vergonha do pai para aquelas terras que se escondiam atrás do nevoeiro, para lá das ondas maiores. Não se lembra do ar tão frio que a esbofeteou na noite em que entrou pela água adentro atrás do canto da sereia que a levasse para a morte.
Je veux vivre / Dans ce rêve qui m'enivre / Ce jour encore / Douce flamme / Je te garde dans mon âme / Comme un trésor!
Eu quero viver / Neste sonho que me intoxica / Naquele dia, mais uma vez / Chama suave / Eu mantenho-o em minha alma / Como um tesouro!
As vozes que o acordaram e tantos olhares reprovadores. As costas que lhe voltaram quando a aldeia percebeu que afinal não tinha morrido aquele rapaz que se bamboleava nas ruas, dançava de vestidos brilhantes no corpo e batom vermelho nos lábios. Tão estranho que nem o mar o quisera. Apolo, deus da morte súbita, das pragas, das doenças. Aquela doença sem nome que o fazia acreditar ser mulher.
- O diabo no corpo.
- Era melhor que o mar o tivesse engolido.
- Pobres pais.
Depois dos insultos, a aldeia preferiu deixar de lhe falar. Algo naquele rapaz trazia mau agoiro. Filho único de uns pais que lhe deram aquele batismo na capela que ainda hoje se debate com as ondas do mar. Apolo, deus da beleza, da perfeição, da harmonia, do equilíbrio, da razão. Uma rasteira do divino. 
Artémis lembra-se, porém, do dia em que ela própria se batizou. Artémis, irmã gémea de Apolo, deusa da vida selvagem, da caça, da lua e da magia. Uma espécie de Aramis a fazer-se valente entre os pares. Mimi. 
Sì. Mi chiamano Mimì / Son tranquilla e lieta / Ed è mio svago / Far gigli e rose / Mi piaccion quelle cose / Che han sì dolce malìa / Che parlano d'amor, di primavere / Di sogni e di chimere.
Sim. Chamam-me Mimi / Sou tranquila e feliz / E o meu passatempo / É plantar lírios e rosas / Eu gosto das coisas / Que têm um doce feitiço / Que falam de amor, da primavera / Dos sonhos e fantasias. 
Artémis nunca percebeu de redes nem de marés. Em terra de pescadores, o cheiro do mar causava-lhe náuseas e os dias passava-os entre o quarto e a pequena sala da máquina de costura onde cosia as roupas como via nas revistas que chegavam ao café da aldeia. Tinha nove anos quando descobriu a vitrola do pai e a voz da La Divina.
Apolo leu o nome naquele vinil - Maria Callas - com dois l’s, como as estrangeiras. Mas as sobrancelhas, de um preto tão familiar, desenhavam um rosto bicudo, parecia esculpido, e moldavam uns olhos escuros como pérolas negras. María Kekilía Sofía Kalogerópulu. A grega Maria Callas. La Divina, ecoava o mundo e fazia ferver o sangue de Artémis.
O primeiro vestido que coseu, negro, com ramos de árvores brilhantes bordados no veludo que cobrem o tule cinzento, era igual ao de Callas. Artémis prometeu guardá-lo para o dia em que subisse ao palco, em Paris, para interpretar, ela própria, a La Traviata.
Sì, la vita s'addoppia al gioir
Sim, a vida mistura-se com alegria
Tinha a imagem bem definida. Tinha tudo sonhado. Tinha a certeza das luzes da ribalta quando, ainda a manhã não tinha acordado, entrou na camioneta dos madrugadores, a única do dia. Tinha 16 anos, uma mochila com os vestidos que fez entre lágrimas, as feridas pouco saradas, o negro nos braços da mão pesada do pai desonrado, o álbum de Maria Callas.
Dez horas depois, chegava, enfim, a Atenas. O rebuliço da cidade grande, os edifícios, as luzes dos teatros, as mulheres tão bem vestidas, tudo o que os olhos viam fez valer a pena todas as dores. Apolo morria.
Sempre libera degg´io / Folleggiare di gioia in gioia / Vo´che scorra il viver mio / Pei sentieri del piacer
Sempre livre eu quero / voar de alegria em alegria / Quero que minha vida discorra / pelos caminhos do prazer!
Em Atenas, Artémis correu as ruas e as salas de espetáculo. Todos os dias. Todas as noites. Dormiu na soleira dos prédios, nos bancos dos jardins. Meteu conversa com os porteiros, os distribuidores de jornais à procura de uma oportunidade de trabalho. Não levou bagagem para mais maus tratos nem mais insultos. Este era o presente para o qual sabia ter nascido. Dia e noite procurou o palco da sua vida. Bateu a todas as portas.
- O que sabes fazer?
- Sei interpretar.
- Interpretar? Hum...e cantar?
- Sei dar espetáculo.
- Aparece aqui de manhã. Há uma porta nas traseiras.
Artémis subiu ao palco na noite seguinte, os critérios de seleção não tinham a mínima exigência. Uma entre quatro, mais maquilhagem do que sonhou, menos roupa do que desejou. A extravagância em contraste com a vulgaridade dos olhares e dos apupos na plateia. O fumo intenso no ar quase nem deixa perceber as nódoas nas toalhas.
Artémis, a drag queen, sonha todas as noites com as lâmpadas à volta de um enorme espelho. Um camarim para ela, um ramo de flores de um admirador, um copo de vinho. Callas.
Num tempo que deixou de contar, sobreviveu a demasiadas noites falsas, sonos sem teto, o estômago vazio. Artémis, deusa da caça, sem arco e flecha, presa frágil num corpo que não sente, entre corpos bêbados demais, suores pestilentos, hálitos sem decoro.
- Então, príncipe, queres boleia hoje?
- Belas pernas, matulão!
O pior era não ter onde tomar banho. Livrar-se de toques, de cheiros e arrepios. Foi a um balneário público uma única vez. Eles eram três. Ninguém ouviu a sua súplica, o choro abafado pela água que caía do chuveiro. Quando ficou sozinha, a água acumulada virou orquestra e Artémis cantou.
Vissi d'arte, vissi d'amore / E diedi il canto agli astri, al ciel / Che ne ridean più belli / Nell'ora del dolor / Perchè, perchè, signor / Ah, perchè me ne rimuneri così?
Eu vivi para a arte, eu vivi para o amor / Eu dei minha música para as estrelas, para o céu / Que brilharam com mais beleza / E na hora de dor / Porquê, porquê, senhor / Ah, porque me recompensas desta forma?
Numa madrugada cheia de luz, esperavam-na à saída uns olhos cor de amêndoa. Doces. Envergonhados. Pela primeira vez, Artémis não sentiu medo. Sorriu-lhe.
Uma voz de rugido a quebrar o encanto: Loukás! Os olhos alarmaram-se e o seu dono saiu a correr para a rua principal para juntar-se ao grupo, fardado, ébrio e gozão.
- Ei, bonitão, canta para nós.
Artémis não se mexeu e o grupo continuou caminho. Loukás não voltara a olhar para trás. Na noite seguinte, um bilhete no cacifo, uma flor.
“Espero-te no palco onde Callas foi feliz. L.”
L. Loukás.
Caro nome che il mio cor / festi primo palpitar / le delizie dell'amor / mi dêi sempre rammentar!
Caro nome que o meu coração / fez primeiro palpitar / as delícias do amor / Sempre me lembro!
Maria Callas fez o mundo feliz na beleza monumental do Herod Atticus Odeon. Ali, Artémis e Loukás viveram a felicidade dos amantes que o mundo esconde e só as estrelas testemunham. Um anfiteatro a céu aberto, palco de confissões de amor e de sonhos onde falavam em dar as mãos nas ruas de Paris. Artémis cantaria no palco e Loukás seria o primeiro a levantar-se na ovação. Encher-lhe-ia o camarim com flores. Rosas vermelhas, as preferidas das divas.
- Promete-me que, quando chegar o dia, e te tornares a diva do palco, cantarás comigo nos teus lábios. Promete-me que dormirei sempre no teu regaço, Artémis.
- Só saberei cantar assim, meu marinheiro. E tu, a quem um dia o mar me levará também, que as ondas te indiquem o regresso.
O mar devolve apenas o que lhe damos. O mar dá sempre de volta.
Os anos de Artémis em Atenas haviam de ver pouca luz, além das madrugadas que viravam manhãs nos braços de Loukás. No dia em que o destino e o exército levaram Loukás a bordo, Artémis guardou as juras de que voltariam a encontrar-se junto ao colar de diamantes falsos que o pobre marinheiro lhe colocara ao pescoço.
- Brilharás sempre mais do que qualquer jóia. Mas, assim, estarei sempre encostado ao teu peito, a ouvir como canta belo o teu coração.
Artémis cantou baixinho.
Mon cœur s'ouvre à ta voix comme s'ouvrent les fleurs / Aux baisers de l'aurore! / Mais, ô mon bien-aimé, pour mieux sécher mes pleurs / Que ta voix parle encore! / Dis-moi qu'à Dalila tu reviens pour jamais!
Meu coração se abre à tua voz como as flores se abrem / aos beijos da aurora! / Mas, ó bem-amado, para melhor secar minhas lágrimas / Que tua voz fale novamente! / Diz-me que a dalila vais voltar para sempre!
Tudo se tornaria mais escuro para Artémis. A rua onde continuava a deitar-se e o palco de falsas glórias. Anos se passaram e ela definhava sem os braços onde descansar por fim. Conheceu os vícios, deitou-se nos piores lençóis por dois tostões. Às vezes por um vestido, uma pulseira. Artémis lembrava o pai, as nódoas negras doíam. As novas e as dos anos de adolescente. Hás-de aprender a ser homem com uma sova valente.
Estava a levar uma sova valente e nem por isso se sentia mais homem. Porque não podia ser o que sentia? Porque não podia vestir o vestido vermelho e usar os sapatos que as mais elegantes mulheres desfilavam nas ruas? Artémis sabia que a sua alma era tão feminina como todas. Só queria não ter que se esconder, ser vergonha.
No prédio em frente, começavam a ser retirados os andaimes que ali tapavam a fachada há uns dias. Artémis sentiu o coração saltar-lhe fora do peito quando aqueles gigantes olhos negros a olharam de frente.
“Callas vive - audições para sopranos”.
O grande teatro da cidade anunciava o espetáculo de tributo à La Divina e procurava quem interpretasse o principal papel. Artémis percebeu, ali, todas as sovas, todas as humilhações que a perseguiam desde que chegara a Atenas. 
- Honrarei a tua vida, diva. Serei Callas, finalmente. E que se calem todas as demais. 
Artémis seria Maria Callas. Toda a adolescência a ensaiar as poses, os gestos e a praticar cada nota mais aguda teriam, agora, um porquê. Primeiro, Atenas. Depois, Paris. O que diria o pai? Artémis foi à audição, passou. Percebeu que já não chovia lá fora.
Gioia provai che agli angeli / solo è provar concesso!... / Al core, al guardo estatico / la terra un ciel sembrò. 
Eu senti a alegria que os anjos / concedem apenas a provar! … / No centro, para assistir ao êxtase / a terra parecia um paraíso.
Abriu a bolsa à procura de moedas espalhadas. Trinta cêntimos. Trinta cêntimos tinham que ser suficientes. Estava na hora de sentirem orgulho por ela. Caminhou até à cabine do outro lado da rua. Ainda sabia o número de cor. 
- Kalimera… 
Não conhecia a voz, ter-se-ia enganado? E aquele “Kalimera” que não dançava como em todo o sangue grego. A mão tremia mais. 
 - Mitéra…? Mãe…?
- Apolo?
Ouvir aquele nome fez Artémis suar. Não era a voz da mãe do outro lado da linha, mas ao vento conseguia reconhecer como se estivesse ali ao lado. Apeteceu-lhe desligar a chamada. Estava tudo a voltar. Engoliu.
- Sim.
- Apolo, é a Lydia. Onde estás?
- Atenas. Vou cantar.
- Atenas. Apolo vem para casa. A tua mãe precisa de ti.
- Não. A minha mãe nunca precisou de mim. Ela queria o filho que eu não fui. Ela precisa do Apolo. E o Apolo morreu.
- Agapiméni mou (meu querido)...a tua mãe está a morrer.
- O que é que queres dizer com isso?
- A tua mãe tem um cancro, está a morrer. Volta para casa.
- Eu não tenho casa.
- Apolo…
- Não posso. Eu vou ser cantora. Vou ser Maria Callas.
- Como queiras. Tenho que desligar, deixei a sopa para a tua mãe ao lume. Boa sorte, Apolo.
Artémis deixou o telefone pendurado pelo fio. As luzes do teatro desfocadas no vidro embaciado da cabine. Tinha fechado a porta e só agora percebia que ali não se ouvia nada. Nem os carros, nem os passos, nem os cães. Nem o seu coração. Até os olhos de Maria Callas, do alto do prédio, pareciam agora evitá-la. Queria gritar, mas nem uma palavra ganhou forma. Não havia uma palavra nas músicas de Callas que a abraçassem naquele momento.
Quando desceu as escadas da camioneta, Artémis tinha nela os olhos de toda a aldeia. Nas suas roupas de mulher, no casaco de pêlo branco, nos brincos, nas botas, nos lábios vermelhos. Vozes desdenhavam mais alto do que as boas maneiras e a discrição pediriam. Artémis reconheceu tudo. Estava tudo igual, doze anos depois. O mesmo cheiro a peixe, o mesmo frio cortante, as mesmas cores gastas nas portas. Os mesmos gatos sujos por todos os cantos. Encheu o peito, não falou a ninguém, e deixou a praça com a classe que a cidade grande lhe ensinara. A luz do alpendre acesa, os vasos secos.
Em casa, cheirava a doença. Foi ao quarto da mãe, que gemia na cama, enquanto a vizinha espermia mais uma toalha que lhe refrescava a testa. Lydía sentiu a energia da presença de Artémis.
- Apolo!
- Podes ir, Lydía. Eu tomo conta dela. Obrigada.
A mãe abriu os olhos no máximo que as dores lho permitiam.
- Apolo, meu filho.
- O Apolo morreu.
Fühlt nicht durch dich Sarastro / Todesschmerzen / So bist du meine Tochter nimmermehr / Verstossen sei auf ewig / Verlassen sei auf ewig / Zertrümmert sei'n auf ewig / Alle Bande der Natur.
Se Sarastro não sentir as dores da morte / Por suas mãos / Então você não é mais minha filha / Renegada para sempre / Abandonada para sempre / Deixados serão para sempre / Todos os nossos vínculos naturais.
Durante as três semanas em que a doença a consumiu, a mãe chorou todos os dias o filho morto, e aquela personagem estranha que o mundo lhe trazia a casa. A música de Maria Callas engolia toda a aldeia.
E a cabeça de Artémis sucumbiu dentro da realidade que quis criar. Foi tudo rápido demais. Os espelhos partidos, as fotos deles os três rasgadas, o estore do seu quarto sempre fechado. Voltava tudo a invadi-la e ela não se lembra de nada, tudo lhe parece pertencer a outra vida. Na cozinha, há ainda tachos queimados e os álbuns de música ali estão, naquele quarto de costura, na mesma ordem em que os mantinha no dia em deixou a casa para trás.
Quando a mãe foi a enterrar e toda a aldeia se fez preto e silêncio, Artémis dançava na mesma rua inclinada. Cantava tão alto que envergonhava os sinos da capela. O vestido, de cetim verde, salientava o colar de diamantes falsos, prenda do marinheiro que nunca mais voltou. Não estava feliz. Estava louca, sentenciaram todos, por fim.
- Que vergonha.
- Um dia, todos nós daremos em loucos.
Naquela noite de tempestade, a lâmpada do alpendre lutava por se manter acesa, por resistir aos trovões que protagonizavam a disputa ensurdecedora com as notas mais altas da soprano, vindas da vitrola do velho pai grego desaparecido. Era a última testemunha do desvario que havia tomado conta da alma desta que já não sonhava ser Maria Callas, a diva, a sacrificada, a morta por amor. Artémis já tinha deixado de lutar por Artémis.
Or piombo esausta / Fra le tenèbre! / Tocco alla mèta / Domando al cielo / Di dormir quieta / Dentro l'avel
Agora, tombo exausta / Na escuridão! / Estou chegando ao fim / Peço ao céus / Para que durma tranquila / Dentro da tumba
As tormentas, no ar e no coração, tornaram-se uma só e a deusa Artémis, de tanto cantar, desfez-se em luar e misturou-se na água que corria rua abaixo. Calou-se a deusa. Calou-se a diva e levou com ela a tempestade e o amor. Dali em diante, o mar haveria de devolver ambos à vila em doses iguais. Um dia, todos dariam em loucos.
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killingff · 5 years
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Cap.9
Lizzy's P.O.V
-Eu vou esperar vocês aqui fora. – a voz de Hyunsik faz com que Lizzy e Shay o encarem, ele tem aquele sorriso perfeito que é só dele.
-Certo, não vamos demorar. – Shay responde sorrindo.
Quando abre a porta, Shay e Lizzy se precipitam para dentro, Sungjae as segue de perto.
-Não mexa em nada. – Lizzy dispara ao encará-lo,  ele faz um gesto positivo com a cabeça, parece uma criança com medo de levar uma bronca.
Os Três entram e quando o fazem ele simplesmente congela de pé no meio da sala.
-O que foi?
Ele olha ao redor com ambos os olhos maiores do que deveriam ser, no instante seguinte ele baixa os olhos encarando o chão.
-O que foi? – Lizzy insiste.
-É a primeira vez. – ele começa e ela o encara visivelmente impaciente.
-É a primeira vez o que?
-Que eu entro sozinho no apartamento de uma mulher.
Por um segundo ela apenas o encara, no instante seguinte começa a rir feito louca, Shay faz o mesmo.
-Ele é tão lindinho. – ela fala com um sorriso, Lizzy lhe dá um pisão no pé.
-Vai se trocar logo!
-Ok, chata.
Shay corre escada acima, Lizzy mais uma vez encara Sungjae que está completamente paralisado sem saber como agir.
-Meu apartamento não vai te engolir, pode ficar sossegado. Eu vou subir para tomar um banho e me aprontar, fique à vontade.
Ela se vira e começa a caminhar escada acima, mas antes de terminar ela para e olha para trás, ele está exatamente no mesmo lugar.
-Hey!
-Oi?
-Você pode se sentar.
-Eu estou bem de pé.
-Não seja idiota, eu vou demorar, senta.
Ele apenas a encara, Lizzy bufa irritada.
-Ok, você que sabe.
Ela segue escada acima e entra rapidamente no banheiro. Fecha a porta e respira fundo, não acredita no que está acontecendo, por um instante não se move, fica apenas ali, encostada na porta encarando o nada a sua frente. É simplesmente fora do normal o que está havendo, nem em seus melhores sonhos ela pensaria que a pessoa que se encontra na sala naquele instante estaria ali.
Shayana's P.O.V
Quando termina de se aprontar Shay desce, ao chegar ao pé da escada ela se detém na imagem que vê. Sungjae está de pé, andando de um lado para o outro da sala visivelmente incomodado.
-Sungjae?
-OI?
-Você pode mesmo sentar.
-Eu estou bem, a Liz vai demorar muito?
-Não sei, mas acho que não. Você pode esperar ela aqui.
-E você?
-Eu vou ali fora rapidinho, já volto.
-Ok.
Shay segue porta afora, sabe que vai ter que esperar Lizzy e Sungjae, mas quer deixa-los um pouco a sós.
Decidi ir até o elevador e espera-los por lá, mas no instante em que está passando pela porta do apartamento dos garotos, ela se abre.
-Ei, você já estava indo? – a voz de Hyunsik faz com que ela o encare. Ele tem um sorriso lindo nos lábios, mas não é apenas isso, ele tem algo em mãos.
-Eu ia esperar por vocês no elevador.
-Por que?
-A Lizzy ainda não está pronta e…
-E você meio que quis deixar ela e Sungjae sozinhos, acertei?
-Um pouco?
Hyunsik ri novamente.
-Bem, então já que vamos esperar por eles aqui, toma.
Ele estende a pequena cesta que tem em mãos em direção a Shay que a pega de forma insegura.
-O que é isso? – ela pergunta e ele sorri retirando o pano quadriculado de cima, quando ele o faz Shay constata que aquilo parece uma cesta de café da manhã.
-A gente arrastou vocês da cafeteria e bem, já é quase hora do almoço, como vamos direto pra produtora, eu pensei que vocês gostariam de comer alguma coisa.
Tem como ele ser mais fofo? Claro que não.
-Hyunsik?
-Sim?
-Obrigada.
Lizzy's P.O.V
Decide parar de pensar bobagem e entra no banheiro, após um banho demorado sai e começa a escolher uma roupa, nunca fora muito de se preocupar com o visual, mas por alguma razão hoje quer estar bonita.
Se arruma e desce, ao fazê-lo nota com um sorriso que ele está sentado no sofá e mexe em um dos livros que ela deixara em cima da mesa de centro, parecendo muito curioso.
Ela fica ali apenas encarando a cena que de certa forma é mais do que encantadora. Ele parece uma criança grande, com olhos curiosos enquanto passa as páginas do livro se demorando em algumas delas. Ela fica admirando a inocência que ele emana, há uma beleza fora do comum em todos os seus gestos e por um segundo ela se sente mergulhada naquilo, naquela energia que para ela é novidade, afinal ela nunca conhecera ninguém como ele em toda a sua vida.
-Eu não acho que você vá conseguir entender. – ela fala e ele dá um pulo do sofá de susto.
-O… O que?
-Está escrito em português. – dispara e começa a rir de imediato ao ver o susto que ele leva.
-Desculpe, eu sei que não deveria mexer em nada, mas a capa do livro chamou minha atenção.
-Eu gosto bastante dele.
-Qual o título?
-Vidas secas. – ela traduz o título, ele parece um tanto quanto confuso. – sempre que estou com saudades de casa eu leio ele.
-Por que algo assim te lembraria sua casa?
Ela sorri se aproximando um pouco mais do sofá.
-Porque conta a história de uma família que deixa um lugar no qual estavam morrendo de fome para tentar a vida em outro lugar, eles são chamados de retirantes.
-Retirantes? – ele tenta pronunciar em português, ela abre um sorriso. - por que não tinha comida onde eles moravam?
-Porque era muito seco.
-Muito seco?
-Isso mesmo.
-Seco como?
-Não chove por lá, por isso a água e os alimentos são escassos.
-Você conheceu algum lugar assim?
-O lugar em que eu morava costumava ser assim antigamente.
-Então você já morou em um lugar sem água?
-Não. – ela fala ainda rindo, afinal a forma com que ele fala sertão é simplesmente encantadora. – foi bem antes de eu nascer, mas a cultura ainda guarda algumas coisas dessa época.
-Entendi.
-Estar em contado com isso é uma forma de me manter mais próxima de casa.
-Você sente muitas saudades de casa?
-De vez em quando.
-Ah…
-Você sentiria no meu lugar?
-O que? Eu?
-Sim.
Ele respira fundo visivelmente se concentrando em uma resposta.
-Acho que sim, eu sou muito apegado aos meus pais, minha irmã e a minha avó que foi quem me criou quando eu era mais jovem, então acho que ficar longe deles seria difícil pra mim.
-Você acha que eu não gosto da minha família, certo?
-Não. -ele fala rápido fazendo gestos negativos com ambas as mãos. – claro que não, é só que, acho que vemos as coisas de formas diferentes.
-Eu gosto deles, amo todos, minha irmã, meu pai e minha mãe, mas chegou um ponto em que o Brasil não era mais pra mim, por isso fui embora.
-Entendo.
-Eu sou adepta de manter pessoas no coração mesmo que elas estejam longe, sabe? A distância não importa se o sentimento é mesmo verdadeiro.
-UAU.
-O que foi?
-Isso foi bonito.
Ela apenas sorri, um sorriso fraco, a verdade é que por um instante se sente triste, sente falta da família e mais ainda, sente que está sozinha no mundo, sem ter alguém em quem se apoiar.
-Te deixei triste? – a pergunta a pega de surpresa, Lizzy o encara, ele tem os pequenos olhos castanhos fixos nela.
-O que?
-Com a pergunta que fiz, te deixei triste?
Ela não responde, não quer mentir pra ele, mas também não pode dizer a verdade.
-E se eu fizer isso? Você sorri? – ele pergunta encarando-a e fazendo a careta mais engraçada que ela já vira na vida.
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Lizzy se mantém firme, afinal quer saber o que ele fará a seguir.
-Parece que não. – é o que ele diz ao ver que ela não sorriu. – e isso?
Então ela não consegue não rir, afinal ele é simplesmente fora do comum.
-Hey.
-Sim? – ele fala enfim voltando a parecer um ser humano normal.
-Obrigada.
Ele apenas sorri, um sorriso reconfortante que faz com que Lizzy se sinta bem, faz com que a tristeza que ela está sentindo simplesmente se dissipe e que ela tenha a certeza de que não está sozinha, pelo menos não agora.
-Então. – ela começa desviando o olhar dele. - acho que já estou pronta, podemos ir. Onde está a Shay?
-Ela já passou por aqui e saiu, não sei porque não quis esperar.
Lizzy sabe.
-Ok então, vamos?
-Sim. – ele fala ficando de pé rapidamente, seu gesto é tão repentino que ele acaba tropeçando da mesinha de centro e caindo sentado no sofá. – ai, ai, ai, ai doeu.
Lizzy corre até ele e o encara, ele segura a perna e ela pode notar que ele batera a canela com muita força.
-Acho que é melhor eu ficar longe de você. – ela dispara e ele a encara, ambos os olhos maiores do que deveriam.
-O que? Por que?
-Você vive se machucando quando estou por perto.
Ele desvia os olhos dela para encarar a mão enfaixada.
-Existem coisas na vida pelas quais vale à pena se machucar. – ele dispara ficando de pé e seguindo em direção a porta como se não tivesse dito nada de mais.
-Hey! – ele chama e ela o encara.
-Que?
-Você vem ou não?
E antes que ela possa responder, com o sorriso mais lindo do mundo, Sungjae segue porta afora.
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revistazunai · 6 years
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Manuscritos de Alexandria 1: Claudio Rodrigues
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Epifanias pela dor
FRANCISCO (1181-1226)
A cruz entalada na garganta. Luz por todos os poros. O corpo são lanças que o transpassam. Uma só ferida. E doer e sangrar. Amanhecer pela dor. O ser todo escâncara.
Eu me libertarei! O todo amor. Tudo todos. Tudo muito. Solidão.
Não dizer o já dito. A língua se agita. A palavra é Tua. E tudo já foi feito.
Amanhece.
Abriram-se chagas em meus pés e mãos como se eu fosse o crucificado. Os ombros doem-me como quem o céu sustém. Abro meus braços em cruz e me entrego aos prazeres da dor. Tuas chagas abertas nos pontos cardeais do meu corpo. No limite do ser. Quando sou pedra, sou raio, sou língua de fogo, sou ninguém. Multidão.
Por que é preciso tanta dor, meu Deus? Por que tanto prazer?
Porque é preciso compreender.
O quê?
O quê. O isso. Francisco!
De braços abertos Cristo somos todos os homens.
TERESA (1515-1582)
O mar encapelado, línguas azuis, verde-douradas, brancas, para cima aos milhares, navios luzem à distância, de quaisquer terras distantes, em uma terceira margem, ao mar adentram. No coração do oceano, como perdidos, à Nova Espanha se dirigem. Meus irmãos, Hernando, Rodrigo, Lourenço, Jerônimo, Pedro e Antônio vão dentro deles, cada qual com sua espada e seu mosquete para levar a palavra de Deus. Não como vigários. Não pregarão. Serão soldados do Divino. É sua ação e exemplo de cristãos que se quer levar às novas terras de além-mar. Para que as descobrimos, meu Deus, se não para semear Tua palavra? Para isso é preciso abrir-lhes um sulco e regar com sangue a semente.
Cascos de navios como cascas de nozes sobre as águas, pequenas e frágeis vistas à distância, aos olhos do cosmos e de Deus, à mercê dos elementos. Para enfrentar os elementos é preciso uma alma intrépida e atrevida que desafie o medo. É necessário vencer a si mesmo. Os elementos somos nós mesmos a gesticular com violência colocando em perigo nossas eternas almas. Mas nossa é a vontade de Deus.
Ao longe o mar cintila. É lá que minha alma está e meu corpo gostaria de estar. No limite. No coração da aventura. Sulcando o oceano, brandindo espadas, cravejando de sangue o peito do inimigo com a explosão do meu mosquete. A lâmina de fogo da língua de um anjo doma as terras de além. O sopro de Deus sobre as coisas. Mas, estou em terra firme, se é que firme a terra é. E entre paredes. Minha missão é de pedra e com ela erguer Tua morada. Foi-me dado fundar conventos, esta é a minha aventura. Agarrar-me às pedras, subir com elas paredes, fazê-las chegar ao céu. Desmesurar-me neste afã. Desafiar a Deus para servi-lo.
O mar, onde meus irmãos estão, e inteira eu gostaria de estar. Em breve, um dia as irmãs em Deus seguirão os caminhos abertos por eles e novos mares e terras se abrirão para nós. Desbravaremos com eles terras mais novas ainda, que desoladas serão reabitadas. Desabitaremos o planeta se for preciso para conquistá-lo. Um país tem que tomar o mundo de assalto. A terra é pouca para um país.
Para levar Tua palavra é preciso antes apossar-se da carne alheia e tomar a alma para domá-la. Como Deus faz conosco. Não teve pena nem de seu filho na cruz e não o livrou da morte infame entre ladrões. Pela ousadia de ter nascido homem, morreu como cão.
Ó, lancetado coração! Eu que tenho pecado tanto e tanto errei nesta vida e tanto te amei com a força de meus pecados e erros. Eu que sou voltada à loucura. Eu, a tua pecadora, sou toda entregue a ti.
Toca meus seios um anjo. Um anjo só asas adeja. Abre meus braços em cruz e penetra certeira uma seta. A carne diante do espanto sacrifical. Um espiral se abre em minha testa em voluta infinita.
Suave martírio de teus laços. O fogo de teu abraço docemente fere-me a alma. As bodas contigo já começaram.
FRIDA KAHLO (1907-1954)
Tudo pela causa. O amor pela causa. A dor. Torturada constante. Como se amada por um deus. Toda entregue à causa. Só ela existe. E o amor. Ah, o amor! É tudo o que existe. O amor é a própria causa.
Fecundada de cores. Represento a história do meu corpo.
Eu te amo. Meus lábios fecham esta palavra. Cada gesto cria uma aurora. É sempre manhã. Amanhã tudo luz.
A causa é o amor. O amor da carne. A carne ama como se alma existisse. A humanidade é um deus.
O corpo ama a vida. A vida precisa de um corpo. Anima um corpo a vida. Mistério. A arte e o amor irão algum dia deslindá-lo? Mas para quê? Não bastaria vivê-lo?
No ar um verso há que um poeta resgata. A pintura é um grito a custo revelado. Procuro a paisagem no retrato. Sou todos os seres que me pintam diante do espelho. Não há Deus. Não há alma. Só há arte. E o amor. Sem amor não há arte ou causa alguma. Só o amor importa.
A causa é o povo redivivo. A sociedade renovada. Os direitos que se igualam. Deveres e haveres distribuídos entre todos. E tudo é de todos e todos são um. Mesmo que custe mais de um milênio de lutas para que se realize. O homem pequeno, diante da vida se engrandece. Um grão frente ao mar esconde o universo. O coração no peito aberto. Um dia seremos isso. Mas é preciso lutar.
Amar não crendo em alma ou deuses é um desafio. Amar por amar. Ser corpo. Alma não precisa. Não precisamos de deuses. Precisamos acreditar em nós mesmos. Se Deus ou deuses houvesse é isso que esperariam de nós.
Perder a vida assim tão cedo. Perder a morte na velhice. Perder a experiência de ser velho. Por mais dura e seca e só. Perder um pedaço de mim mesma que seria. A experiência de outro eu. O meu próprio envelhecer. O ver um mundo novo nascer de novo das cinzas do antigo.
Ao morrer perdemos a fração de eternidade que nos cabe do universo? O universo morre conosco? Nós nos entregaremos novamente ao nada de onde viemos? Mas por que deixamos por algum momento de ser nada? Por que fomos compelidos a ser? Por que este esforço da natureza por nos tirar para depois nos devolver ao nada? Que somos nós desabalados de volta rumo ao abismo do qual saímos?
Amo um pintor de paredes. Eu, uma pintora de telas. Ele pinta murais. Eu pinto a mim mesma, a mesma paisagem que sempre se renova. Um umbigo a girar. Faço o filme de uma vida. No meu corpo habita a humanidade e um panteão de deuses ilimitado. Um lúcido delírio. Línguas de sol sobre nossas cabeças.
Coroada de flores. Eu toda flores. Como um arranjo. Eterna noiva. Leio um livro. Pinto um quadro. Sorrio meus lamentos. O corpo floresce. Primavera-se enquanto eu morro.
Dilacerada.
O mural de meu marido. Meu homem. O meu povo. A sua carne e o seu sangue. Um prédio se ergue sobre nós. Entre nós. Por nós. De dentro de nós. Feito por nossas mãos. Mas não o habitamos. No mural, sobre o prédio, uma antena dita suas regras. Pedra a pedra nós trouxemos. Tijolo a tijolo o erguemos. O espaço da parede é constelado. O aqui e o ali. O antes e o depois. O agora e o outrora. O mais próximo e o mais ao fundo. Um ponto de mistério. O ponto de fuga submetido ao delírio de uma elipse. O outro revelado. A câmara-clara no quarto escuro. O espaço se desvela múltiplo. A página em branco preenchida por lacunas.
Só a dúvida fecunda.
A mão do pintor na parede nua. Carrega uma tocha a figura da pintura. A chama das tintas. De dentro do mural a mão arranha a realidade. Arranca dela marcas de tinta. Meu coração estremece. A espátula na mão do pintor aponta a ferir-me. Abre uma exceção em meu peito. Como um espelho.
O pintor tem uma canção assobiada. De lado mastiga um talo de capim. Cospe nas mãos para masturbar-se. E ardem seus olhos como os de um tarado. As meninas-dos-olhos excitadas.
Cada cor me fere. O vento venta. A chuva chove. O luar escorre. O suor e o sangue.
As meninas-dos-olhos, agora exaustas, cochilam. Bocejam burocráticas à lembrança das velhas aventuras. As pálpebras caem. Os cílios se encontram assustados. Minhas mãos se soltam distraídas. A pose se desfaz.
Ele morde a maçã de meu rosto e me oferece um pedaço.
Da dor escapa um sorriso. Delírio doce a flor escarlate. A rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa de Gertrude e o verde que se quer é o de Lorca. As mãos tintas das tentações. Ou vender-se a alma ao demônio ao entregar a arte ao mercado? Do lado de cá da pintura. O lado de dentro do espelho. O sonho de névoa.
A causa é a arte. A arte pela arte. Ou a arte pela causa. O que, no fundo (e na forma), dá no mesmo. A arte é a causa. E a causa é o povo. Mas, o que mesmo importa é o amor.
MISHIMA (1925-1970)
Sob a luz da janela, em uma sala em penumbra ��� dentro do filme – o menino de coxas grossas dedilha um livro de capa dura com representações das pinturas dos mestres do Ocidente. Abre uma página ao acaso e se depara com o santo.
Sebastião crivado de flechas – os flancos do jovem forte sangram – coxas de homem furadas – o corpo cravejado de estrelas vermelhas – o sexo pulsa – a virilha – homens armados – homens de flechas – homens de lanças – línguas de fogo, ardentes anjos terríveis – flores de sangue exalam aromas excitantes – martírio, martírio, martírio – o corpo jogado às feras – homem e homem em luta sobre a cama como anjos que se enfrentam pelo amor divino, cheios do Espírito, cheios de espanto, cravados punhais. O menino bate uma punheta.
O corpo mudo escreve o homem. O corpo nu se escreve. Um livro. A saga de um corpo. Um conjunto de corpos. Corpos feitos de palavras. Signos. O corpo significa. O homem. Maduro o livro se publica. O corpo do livro nu aberto.
Amadurece o corpo. Abre-se e fecha-se a obturadora rapidamente. A imagem é capturada. A cópia da cópia é perfeita. É um original. E será reproduzida a imagem do corpo em quantas outras cópias forem necessárias.
Representa um samurai de flanco ardente. A sunga de pano branco. A braguilha aberta como se preparado para o coito, enquanto as mãos seguras empunham o sabre para a autoexecução.
A outra foto é o santo. O flanco nu. Cravejado de flechas. Os olhos esgazeados ardem de desejo pela dor do próprio corpo exposto.
O sabre penetra o corpo. Fura o fígado. Rasga os intestinos na direção do umbigo. Da boca sai um urro e uma flor de sangue.
Um amigo o degola.
É um fim honrado. Antes de tudo, uma decisão. O sabre, a mente, as mãos, o corte, o âmago estrelado, a luz no centro do crânio. Tudo centelha, tudo lâmina de luz, tudo luz. Uma noz.
O abismo e a vida por um fio.
CHE (1928-1967)
Ao Lula da Silva
“Se o principal instrumento do Governo popular em tempos de paz é a virtude, em momentos de revolução devem ser a virtude e o terror: a virtude, sem a qual o terror é funesto; o terror, sem o qual a virtude é impotente.”
Maximilien Robespierre
  “Trabalho, estudo e fuzil.”
Ernesto Che Guevara
Olhos abertos. Estrelas opacas. Cintilam.
As sombras. Sobras de luzes. Os olhos opacos abertos cintilam.
A imagem de um homem se destaca e se aproxima. Olha nos olhos do outro homem. Aponta a arma. Uma rajada de tiros. A queda. Outra rajada. E está morto.
A morte exemplar. O Cristo redivivo. O corpo em uma urna de vidro. Sangram as feridas do deus martirizado. Os olhos estatelados. Estrelas opacas cintilam.
A morte eloqüente. A morte que se diz. A morte propaganda. Propaga a morte ela mesma. A morte símbolo. A morte metáfora. A morte mais que a morte, que é a vida.
Uma leva de homens. Uma salva de tiros. Um magote de corpos. Outra salva de tiros. As mãos amarradas às costas. É preciso que estejam rendidos e não possam se defender. Homens encostados às paredes. Homens encostados às árvores. Homens desamparados e sós sem nada a poder se encostar. Apenas o abismo em que caem.
Uma salva de tiros. Um raio de Iansã. Cai um homem em si mesmo. Um santo em desmesura.
(Tudo está suspenso. Tempo e espaço não são mais enquanto os deuses curiosos observam o que acontece. Deuses arrastam seus móveis. Resmungam, sussurram. Pigarros de deuses ecoam no alto das serras. Deuses são antigos e têm costumes antigos. Usam esporas dentro de casa. Adentram salões de palácios alheios com seus cavalos alados empunhando suas armas ou instrumentos de trabalho. Precisam dessas coisas ou não seriam deuses. E fazem e desfazem de nossas idas e vindas, chamadas vidas.)
Cabeça de santo. Raios de luz iridescentes incidem por todos os poros. Barbas de Cristo. Longos cabelos de um nazireu. Vários tiros no corpo. Abertos olhos vidrados de peixe-morto.
Olhos obcecados pelos sonhos que os corpos inventam.
A morte triunfa sobre o corpo. A humildade de um morto. O corpo cego. O corpo surdo. O corpo mudo. Todos os sentidos nulos. Mas significa. A vida do morto em seu corpo, como o morto o viveu. E dobra-se e desdobra-se esta imagem de palavras. O morto e o seu corpo.
Assombram-lhes as sombras. São corpos. Foram homens. E tombam. Um a um. Dois a dois. Quantos forem necessários. Já não enxergam. Nada sentem. Opacos olhos brilham ao sol da madrugada. Os olhos do corpo morto. Os olhos mortos do corpo. Globos arregalados diante da morte. De olhos abertos eles morrem. Espantados. Os corpos tombam. Um a um. Dois a dois. Tantos quantos forem necessários. A fuzilaria recomeça. Feridas do tamanho de um punho. Corações e outras vísceras.
Os globos dos olhos se enchem de sombras. São corpos. São homens. Tombam. Em suas retinas. Nos globos de vidro de seus mortos olhos de santo. Corpos sem nome. São números. São homens. Mãos amarradas às costas. A fuzilaria recomeça. Sacos vazios os corpos dos homens. São vidas. E sombras. E tombam. Não se pode desperdiçar uma bala. Um fuzil para cada homem e um tiro em cada corpo. Dentro dos olhos abertos do morto. À superfície dos olhos mortos do corpo. Os globos vidrados.
Grita o animal degolado sobre a pedra da ara. Ele quer viver. Contorce-se. Corcoveia. O fio da lâmina o degola. O corpo tomba. A fuzilaria recomeça. Um tiro em cada peito. A rosa vermelha no centro do corpo. Sobre a superfície dos olhos baços do homem. Deitado como santo. Inocente como santo. Inofensivo como santo. Velado como à santa efígie de Jesus Cristo morto.
Olhos abertos focados no nada. Os olhos de santo só veem o deserto. De cada poro sai um raio irisado de luz. A sua aura. Os milagres de suas mãos com o fuzil. O corpo sangra. Tomba. Dedos de fogo penetram-lhe as entranhas. Há uma dor que é de todos. A humanidade nos corpos que tombam.
Ele sabe que é preciso. (Dói escrever isso.) A fuzilaria recomeça. Corpos são jogados em valas comuns. Apagar aqueles nomes. Apagar aqueles homens e mulheres. Dizer não ao que representam. Definitivamente não! E o limite é um tiro de fuzil. Um só. É preciso economizar. A fuzilaria recomeça. Os corpos tombam. Um a um. Dois a dois. Aos magotes. É necessário para a Revolução. A revolução definitiva. A revolução constante. Para que não haja mais necessidade de revoluções.
Os olhos vazios diante do espanto. Vazios diante do mundo. Seus olhos de santo. Não veem mais. Opacos, brilham. Diante deles, mais uma vez tombam os corpos dos homens. Um coração para cada tiro. À superfície dos olhos baços. Claros lagos de águas mortas.
Um tiro é uma palavra. Um tiro é um poema. Um tiro é um coração furado. Um tiro é um dente lascado. Um tiro é um pai. Um tiro é uma mãe. Um tiro é um filho. Um tiro é um santo. Um tiro é uma boca. Um tiro é um nariz. Um tiro são dois olhos. Um tiro são duas pernas. Um tiro são dois pés. Um tiro são dois braços. Um tiro são duas mãos. Um tiro é o sexo. Um tiro é o ânus. Um tiro é o umbigo. Um tiro é o cérebro. Um tiro é uma bala a menos. É preciso economizar. A fuzilaria recomeça.
Quando se começa a morrer?
Os olhos captam o homem. À sua imagem e semelhança. A última cena começa. O cenário é uma sala de aula de uma escola pública onde está encarcerado. O homem entra com a manhã. É pela manhã que se executa uma pessoa. É dada a quem vai morrer uma última noite de insônia.
O homem é um índio. Olhares se cruzam. O deus que preside os encontros está presente. Olhos nos olhos. O homem e o homem. O que vai matar e o que vai morrer.
_Você veio me matar, jovem?
_Sim!
E o outro se engrandeceu diante do homem. Muito grande para ele era ele. A vertigem diante do outro. Diante do ato que vai cometer. O outro poderia com um movimento rápido tomar-lhe a arma, mas não o faz. Pacientemente espera.
O homem que vai matar se apequena diante do homem que vai morrer. Sente-se envergonhado pelo que vai fazer. O homem que vai morrer o observa. Parece ter pena. O todo vitória e de arma em punho treme diante do homem desarmado que ele executará. O espanto diante da morte do outro. Respirar é difícil. Seu corpo sua. As mãos que seguram a arma tremem. Os olhos se esgazeiam. O homem diante do mito.
_Por favor, fique calmo! – Ele disse. – Você vai apenas matar um homem, não vencer uma guerra.
O homem concentrou-se, deu um passo atrás, postou-se à soleira da porta, engatilhou a arma e soltou a primeira rajada. O outro caiu com as pernas destroçadas, se contorcendo em um jorro de sangue. Uma segunda rajada atingiu-lhe um dos braços, o ombro e o coração.
O que seus olhos não viram:
_Suas mãos cortadas a pedido de seu amigo Juan Coronel Quiroga e mantidas em formol durante décadas.
_Seu corpo levado para o hospital de Vallegrande.
_Seu corpo exposto como um santo morto. E as sombras dos camponeses passando em fila para o assistirem. (Eis, um cão! – Era a mensagem aos camponeses – É assim que acabarão se o seguirem! É assim que acabam os que o seguem. Continuem a ser o que são e se contentem com o que têm! Só o trabalho liberta! Não ousem levantar a cabeça acima de suas cervizes curvadas! Jamais serás além do que és!)
_Um tratorista ser acordado de madrugada pelos militares para abrir uma cova na pista do aeroporto da cidade e depois ser por eles ameaçado para que não revelasse o paradeiro do corpo e apagar-se o seu nome e a sua memória.
_A sua ossada sem mãos encontrada 30 anos depois.
_E a foto de seu corpo emoldurado por seus algozes, como os olhos de Jesus Cristo morto.
Em março de 1967, chegou à Bolívia com um grupo de 44 homens para organizar um levante como o de Cuba e impulsionar a Revolução na América Latina. Acamparam na fazenda de um militante comunista, mas foram delatados por desertores e o exército boliviano os atacou, mas em uma emboscada o grupo os venceu, sem sofrer nenhuma baixa. Um segundo ataque do exército chegou ao mês de abril, quando os guerrilheiros os venceram mais uma vez. Mas foram novamente traídos, agora por um camponês que cooperava com eles, de nome Honorato Rojas, que lhes armou uma emboscada no Vale Del Leso, onde toda a retaguarda do grupo foi morta. Vendendo-se pelos US$4.200 que a CIA oferecia em recompensa por seu paradeiro, outro camponês, de nome Pedro Pena os traiu, levando-os a uma ravina chamada Quebrada Del Churo, onde o grupo foi cercado por uma companhia do exército dirigida pelo general Gary Prado. No dia 8 de outubro, em combate, foi atingido em uma perna e perdeu sua arma. Seu companheiro Willy (Simon Cuba) conseguiu retirá-lo da linha de fogo, mas os dois foram capturados por um jovem de nome Félix Rodríguez, treinado pela CIA para caçá-lo, e levados para o povoado de La Higuera onde ficaram presos, cada qual em uma sala de uma escola pública. No dia seguinte, um rapaz de 24 anos, de nome Mário Terán, também treinado pelos norte-americanos, a mando do coronel Joaquin Zenteno Anaya e do vice-presidente da Bolívia, o ultra-direitista René Barrientos Ortuño, os executou.
No povoado de La Higuera, departamento de Santa Cruz, na Bolívia, há quase dois mil metros acima do nível do mar sobre a cordilheira dos Andes, em pleno coração do século XX nasceu um santo novo. O santo vermelho. O santo marxista. O santo do povo. O povo que não sabe o que é direita ou o que é esquerda, mas sabe que é povo. E assim como todo povo, sabe que pode erigir um santo novo assim que os velhos se desgastam. E a imagem de um santo é sobreposta à de outro. Cabelos e barbas longas, uma história de ideais, paixões, viagens, lutas, privações e de martírio. E está pronto o novo santo, à imagem e semelhança do próprio povo: San Ernesto de La Higuera.
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vivendonomade · 3 years
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mais uma manhã de céu azul e sol brilhando quando abri os olhos. agradeci pela leveza do tempo. levantei em seguida e preparei um café da manhã bem gostoso. aipim com queijo minas e shoyu.
as horas passaram rápido e logo era hora de dar aula a clara. hoje conversamos bastante. foi bem agradável conversar com ela. falamos de assuntos relacionados à aprendizagem. me sinto mais leve quando ela diz: avant de commencer... daí sei que tem história pela frente.
logo depois da aula, fui preparar o meu almoço. o que preparei ficou gostoso e me sustentou bem, porém tenho que confessar que foi uma mistura muito inusitada. misturei macarrão lámen com moqueca, cenoura e gengibre.
quando trouxe o prato para o meu quarto recebi a notícia boa que a minha recisão já estava disponível na minha conta. recebi uma grande quantia e mais do que esperava. senti uma felicidade e gratidão infinita. agradeci a Deus com muita intensidade.
como foi um prato leve, poucos minutos depois já estava me preparando para sair. enviei uma mensagem a mon frère, cortei as unhas e desci as escadas.
olhei para o céu e já avistava algumas nuvens, mas não senti a necessidade de l
Levar sombrinha. cheguei cedo ao metrô e consequentemente ao iguatemi. o meu objetivo era comprar um hd externo. isso foi a primeira coisa que pesquisei na internet depois de ter acordado. passei por algumas lojas antes de finalmente encontrar o produto perfeito. caminhei afirmando que estava em direção ao produto ideal. na papel&cia comprei o produto com um pouco de desconto à vista. saí contente.
depois fui ao consultório e fazia muito sol. comecei a sentir dor de cabeça provavelmente causada porque andei bastante e ainda tenho os pontos na boca. quando cheguei ao prédio, agradeci aliviado.
pela primeira vez cheguei muito antes da hora marcada. como havia um casal na sala de espera, tive que aguardar no lado de fora e aproveitei para assistir um vídeo sobre como abrir uma conta corrente nos estados unidos. pouco depois cris me chamou para ser atendido.
planejamos fazer dois procedimentos, mas o primeiro levou quase três horas e preferi deixar o outro para um outro dia. hoje não doeu nada de nada. foi realmente um momento de relaxamento, exceto quando ela utilizava uma broca que tremia todo o meu crânio. nada muito exagerado.
num intervalo antes de terminar a sessão, recebi uma mensagem que me deixou perplexo sobre lanna.
na volta para casa andei me sentindo mais reflexivo e ao mesmo tempo resignado pelo fato acontecido. não posso e não é necessário julgar qual é o sentimento que emergiu. eu agradeci a Deus por tudo e me confiei à certeza que a vida é justa a todo instante.
tive que esperar a chuva passar debaixo da passarela, ao lado do ponto de ônibus da avenida tancredo neves. começou a chuviscar mais fraco e aproveitei para seguir o caminho.
tomei o metrô até brotas e quando saí da estação senti pingos que minutos depois formaram uma tempestade. talvez não seja o termo correto mas chovia muito. esperei de frente a uma loja de roupas chamada grif do gueto. ao meu lado estava um senhor que esperava como eu e repetia alguns movimentos que fazia para não me molhar.
assim quando cheguei ali, soava a canção de ave maria. me lembrou das seis horas em cruz das almas quando dou bença aos meus pais e avó.
quando a chuva caia menos forte tentei andar o mais rápido para chegar em casa mas na esquina começou novamente o temporal. dessa vez esperei de frente de uma barbearia e ao meu lado esperava um homem adulto com uma sombrinha enorme. me perguntava por que ele estava ali se tinha uma proteção contra a água. a própria chuva me respondeu jogando muito mais água. ali fiquei um bom tempo. na verdade o tempo passava devagar, sentia frio e cansaço. queria e queria voltar para casa.
quando a chuva parou um pouco mais, nesse momento já mais molhado do que seco, decidi que caminharia para casa. a princípio não chovia tanto mas as calçadas estavam alagadas e depois começou mais chuva. agora percebi que quando me molho involuntariamente na chuva me sinto resignado e decepcionado. estava tão decepcionado que me irritei com a própria chuva. pensava que ela poderia para um pouco pelo menos já que chovia há vários minutos. quando cheguei no condomínio todo molhado eu disse: chove! a irritação era tamanha que já não me importava estar molhado. era uma decepção. ao mesmo tempo sabia que nada havia contra a chuva e sim emoções que dizem respeito à mim.
entrei em casa molhado e ninguém estava além de luna. soltei ela da coleira e fui ao banheiro. tomei um banho quente e lavei o cabelo.
preparei um mingau de aveia com banana em rodelas e quando me sentei para tomar, chegaram talita e jaume.
à noite decidi deixar tempo a entender e pesquisar sobre abertura de contas de banco nos estados unidos, como obter um social security number e outras questões financeiras.
felizmente graças a fexrî que respondeu prontamente as minhas mensagens, for esclarecidas muitas dúvidas que tinha. também senti um pouco de decepção quanto a dio que não parece querer me ajudar.
esse tema do que preciso fazer quando chegar lá me deixou animado e acabei pesquisando também sobre os serviços odontológicas de lá. acabei encontrando vídeos sobre dentistas em tijuana, méxico. sinto que tenho um novo destino de viagem para dezembro.
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vagnada · 4 years
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Dubai
Um dos sete emirados e a cidade mais populosa dos Emirados Árabes Unidos (EAU) com aproximadamente 2 262 000 habitantes, recebe 4,7 milhões de visitantes por ano, comparado ao nosso Brasil com apenas 4 milhões.
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As Ilhas Artificiais do Mapa Mundi
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Dubai
Os sete emirados árabes  são Abu Dhabi  (capital), Dubai, Sharjah, Ajman, Umm al-Quwain, Ras al-Khaimah e Fujairah.
Investir em Turismo,
O grande investimento  em turismo começou  há dezesseis anos, tendo um crescimento de turistas de 700%,numa federação dos emirados onde Dubai tem a menor reserva de petróleo ,mas já se prepara para o futuro, investindo em turismo.
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  O “Dubai Frame”,  inaugurado em 16 de janeiro de 2018 ,é um gigantesco porta-retratos, foi projetado em aço , concreto armado , fechamento em pano de vidros laminados , numa verdadeira obra de arte ,com as extremidades num visual em 360 graus, dando aos turistas uma visão do Emirado Árabe – Dubai . As fotos em qualquer ângulo possibilita ao turista do lado externo emoldurar vários ângulos de Dubai ….. Fantástico !!!
História da prosperidade
Em 2 de dezembro de 1971 Dubai, juntamente com Abu Dhabi e outros cinco emirados, formaram os Emirados Árabes Unidos após o ex-protetorado-britânico saiu do Golfo Pérsico em 1971
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Opinião Eng. Urb. Vagner Landi
De onde vem a água num deserto total, para abastecer Dubai,
– 90% da água vem da dessalinização da água do mar, que é um processo físico-químico de retirada de sais da água, tornando-a doce e própria para o consumo ,num lugar que chove durante quatro dias no ano  e as árvores e os gramados são mantidos por um rigoroso processo de irrigação por aspersão. Se falhar por uma única semana, tudo se transformará em deserto, como era há apenas 30 anos.
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Assim como uma versão oriental de Las Vegas, o maior desafio de Dubai é a obtenção de água – que é encontrada em toda parte, mas, no Golfo, só é própria para consumo com a ajuda de grandes usinas de dessalinização. São elas que produzem as emissões de dióxido de carbono que tornaram os Emirados Árabes Unidos um dos países que mais emitem carbono do mundo. As usinas geram ainda uma enorme quantidade de sedimentos que são bombeados de volta ao oceano.
Os níveis de de salinidade do golfo aumentaram de 32.000 para 47.000 partes por milhão em 30 anos.
No limite – Para saciar a sede, os Emirados Árabes dessalinizam o equivalente a 4 bilhões de garrafas de água por dia.
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Mar de Dubai
Mas sua fonte é escassa: a região tem em média um suprimento de água estimado para apenas quatro dias. Essa margem de escassez é ainda mais reduzida pelo consumo notório de ícones da construção civil.
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Burj Khalifa
A exemplo do Burj Khalifa, considerado o prédio mais alto do mundo, e que sozinho consome o equivalente a quantidade de água em 20 piscinas olímpicas por dia para manter-se com temperatura amena em meio ao deserto.
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Economia,
O combustível que alimenta essa economia fascinante é a fartura de petróleo. Num país cuja superfície equivale a pouco mais de um terço do território do Estado de São Paulo, jazem 8,5% das reservas mundiais provadas de petróleo – 97,8 bilhões de barris – e 3,3% das reservas de gás natural (213,5 trilhões de m3). Quase todo ele concentrado no litoral de Abu Dhabi, o óleo dos EAU não se esgotará em menos de um século.
  As mulheres usam a Burqa ou Niqab nas ruas quando saem de suas casas e os homens a tradicional vestimenta árabe com aquele turbante e o tradicional chinelo aberto,mas respeitam muito os turistas e também querem ser respeitados,pois as leis são muito severa para quem aprontar,
Conhecer Dubai e não conhecer Abu Dhabi ,sua viagem não será completa ,pois o ideal é ficar o mínimo seis noites em Dubai e quantos dias quiser em Abu Dhabi(Mínimo dois dias)
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  A Grande Mesquita Sheik Zayed  em Abu Dhabi, a capital do Emirados Árabes Unidos foi construída pelo falecido Presidente dos Emirados Árabes Unidos (EAU), HH Sheikh Zayed bin Sultan Al Nahyan. Seu lugar de descanso final é localizada no terreno ao lado da mesma mesquita.
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Como grande mesquita do país, é o lugar essencial do culto de sexta-feira recolha e orações do Eid. É a maior mesquita nos Emirados Árabes Unidos e números durante Eid pode ser mais de quarenta mil pessoas.
Dimensões e estatísticas da Mesquita
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A mesquita  acomoda mais de 40.000 adoradores. O salão principal de oração pode acomodar mais de 7.000 fiéis. Existem duas salas pequenas de oração, com uma capacidade de 1.500, cada, um dos quais é o salão de orações do sexo feminino.
Existem quatro minaretes sobre os quatro cantos do pátio que se erguem cerca de 107 m  de altura. O pátio, com o seu design floral, mede cerca de 17.000 m2 , e é considerado o maior exemplo de mosaico de mármore do mundo. Sivec de Prilep, Macedónia foi usado no revestimento externo (115,119 metros quadrados de revestimento foi usado na mesquita, incluindo os minaretes) Lasa de Itália foi utilizado nas elevações internas Makrana da Índia foi utilizado nos anexos e escritórios Aquabiana e Biano da Itália Oriente Branco e Verde Ming da China
A Torre Burj Khalifa Bin Zayid  ,
O Burj Khalifa Bin Zayid  em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, é, o maior arranha-céu já construído pelo homem, com 828 metros de altura e visto  de cima, o Burj Khalifa forma uma flor-de-lótus, sagrada no Oriente.
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Finalmente inaugurado no dia 4 de janeiro de 2010,consumindo o equivalente ao gasto de 500 mil lâmpadas de 100 watts ao mesmo tempo de energia elétrica e necessita de 1 000 000 litros de água por dia.
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Foi rebatizada devido ao empréstimo feito por Khalifa bin Zayed Al Nahyan, xeique do emirado de Abu Dhabi, depois que este emprestou US$ 10 bilhões para evitar que Dubai desse um calote em investidores de uma de suas principais companhias, a Dubai World
O edifício faz parte de uma área de 2 km² em desenvolvimento, chamada “Downtown Burj Dubai”, sinceramente um dos lugares mais lindos do muno que já vi,construído pelo homem,localizado no “First Interchange”, ao lado das duas principais avenidas da cidade, a Sheikh Zayed Roade a Financial Centre Road (anteriormente conhecida como Doha Street). O arquiteto do edifício é Adrian Smith, que trabalhou com a Skidmore, Owings and Merrill  até 2006. A empresa de arquitetura e engenharia sediada na cidade de Chicago ficou encarregada do projeto. As primeiras empreiteiras são a Samsung Engineering & Construction, a Besix e a Arabtec. A Turner Construction Company foi escolhida para comandar o projeto.
No dia 17 de janeiro de 2009 o Burj Dubai alcançou sua altura final de 828 metros. O Burj Khalifa possui um posto de observação a 442 metros de altura,no 142º andar.
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Vista do 142º andar
Vista do 142º andar,onde se vê o complexo dos lagos artificiais da fonte das águas dançantes,um show a parte no Downtown Dubai.
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Vista Burj Khalifa
O orçamento total do projeto do Burj Khalifa girou em torno de 4,1 bilhões de dólares e para toda a nova “Downtown Dubai”, 20 000 milhões de dólares.Mohamed Ali Alabbar, o presidente da Emaar Propertiers falou no 8º Congresso Mundial do Council on Tall Buildings and Urban Habitat, que o preço do metro quadrado de sala de escritório é de US$ 43 000 dólares, e a Armani Residences, imobiliária encarregada das vendas dos apartamentos, comercializava o metro quadrado das salas por 37 500 dólares.
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Com o aço que foi preciso para construir o Burj Khalifa, daria para construir uma estrada percorrendo 1/4 da circunferência terrestre (dos Estados Unidos ao Oriente Médio).
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Burj Al Arab
A construção do Burj Al Arab tem início em 1994. Localizado no Golfo pérsico, ele foi construído sobre uma ilha artificial de areia, que levou dois anos para sua formação contendo estrutura de concreto e três níveis no subsolo. Ele foi construído para assemelhar-se com a vela de um dhow, um tipo de barco Árabe. Duas colunas partindo do chão até o topo originaram um “V” formando um imenso “mastro”, enquanto que o espaço entre elas foi erguido os andares. O arquiteto Tom Wright disse: “O cliente queria um edifício que se tornasse um ícone ou simbolo declarado de Dubai, que seja espantosamente lindo e semelhante a Ópera de Sydney, ou como a parisiense Torre Eiffel. Ele precisava de ser um edifício que iria tornar-se sinônimo do Nome daquele país.
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Burj Al Arab
O jantar neste hotel custa AED 500/Pessoa com direito a consumação ou ir somente no Bar por AED 225 com direito a consumação,tendo de confirmar presença fornecendo o numero do cartão de crédito e se não comparecer será descontado do seu cartão,caso você não cancele com antecedência. Este.Este lugar é imperdível!..(Veja no detalhe onde fica o Restaurante/Bar)  e o Heli ponto.
O arquiteto e consultor de engenharia para o projeto foi Atkins, a maior consultoria multidisciplinar do Reino Unido. O hotel foi construído pelo grupo Sul-Africano de construção Murray & Roberts.A construção do hotel custou $ 650 milhões.
A Arquitetura fascinante em Ilhas Artificiais
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Ilhas em Dubai
Edifícios Inteligentes
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Fascinante andar pelas avenidas de Dubai e observar o retorno que o governo proporciona em qualidade de vida.Os canteiros e praças ao entorno de avenidas,ruas ou até mesmo nas estradas,são irrigados diariamente para manter o verde e o coloridos das flores naturais,com um sistema de drenagem onde as mangueiras são visíveis a olho nu. Dubai,hoje,é a cidade que mais consome água no mundo para cuidar de seus jardins,equivalente a 250 milhões de litros de água por dia,dessalinizada da água do mar num sistema astronomicamente produtivo,pois a cidade foi criada em cima do deserto e chuvas só quatro dias por ano na média.
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Resort’s Particulares
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Resort Particular
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Ilhas Particulares
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Ilha Particular
Condomínios criados em ilhas artificiais
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Palm Jumeirah
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Palm Jumeirah – Projeto da Ilha
De acordo com o material desenvolvedor publicidade , a Palm Jumeirah ilha terá hotéis temáticos, três tipos de villas (moradias assinatura, Casas Jardim e Casas Canal Cove cidade), prédios de apartamentos, praias, marinas, restaurantes.
http://www.youtube.com/watch?v=aDQQ3FHJqbc&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=7eUcRjo9Yv4
Taxis aquáticos
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Saiba um pouco mais sobre a dessalinização da água do mar , tecnologia de primeiro mundo em Dubai, no Blog da Política Urbana,
https://engvagnerlandi.com/2015/02/08/dubai-dessalinizacao-da-agua-do-mar-%e8%bf%aa%e6%8b%9c-%e6%b5%b7%e6%b0%b4%e6%b7%a1%e5%8c%96-dubai-seawater-desalination-%e3%83%89%e3%83%90%e3%82%a4-%e6%b5%b7%e6%b0%b4%e6%b7%a1/
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DUBAI – CIDADE JARDIM no DESERTO -Emirados Árabes – Sea water desilinization in Dubai Um dos sete emirados e a cidade mais populosa dos Emirados Árabes Unidos (EAU) com aproximadamente 2 262 000 habitantes, recebe 4,7 milhões de visitantes por ano, comparado ao nosso Brasil com apenas 4 milhões.
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swonkie-developing · 4 years
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Maria Reis, “Chove na Sala, Água nos Olhos”
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jpcortinhas · 4 years
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O disco de estreia a solo, depois das Pega Monstro, é um dos melhores de 2019 na produção nacional. A 1ª apresentação ao vivo é dia 12 de fevereiro na Culturgest em Lisboa. 
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headlinerportugal · 4 years
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Os Melhores Álbuns Nacionais 2019 | HeadLiner
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Chegamos ao final do ano, e com ele começam-se a fazer as previsões para o ano de 2020 mas também começasse a recordar o que ficou para trás. A equipa do HeadLiner compactou em 15 álbuns o melhor que se fez em solo nacional. Não fixamo-nos em géneros musicais, não fixamo-nos em sexos, não fixamo-nos em dialetos ou idiomas, apenas fixamo-nos no melhor que as bandas portuguesas nos trouxeram em 2019. Tivemos a oportunidade de ouvir ao vivo a maioria da apresentação destes álbuns, pelo que, a escolha nestes trabalhos discográficos sai ainda mais reforçada. Com uma convicção extra, pois claro. Acrescentamos à frente de cada escolha a respetiva reportagem dos concertos que fomos presenciando no decorrer deste ano de 2019.
1º - 'NU’ dos First Breath After Coma                                   ~[report link] 2º - ‘Lighting One’ dos Solar Corona                                 ~[report link] 3º - ‘Aurora’ dos Sensible Soccers                                        ~[report link] 4º - ‘Vida Nova’ do Manel Cruz 5º - ‘O Sol Voltou’ do Luís Severo                                         ~[report link]
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6º - ‘Kompromat’ dos 10 000 Russos 7º -  ‘Suburbs Of Joy’ dos El Señor                                       ~[report link] 8º - ‘Black Acid, Pink Rain’ dos Jesus The Snake        ~[report link] 9º - ‘Chove na Sala, Água nos Olhos’ da Maria Reis 10º - ‘Plástico’ dos Glockenwise                                           ~[report link]
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11º - ‘Cabo da Boa Esperança’ dos Galo Cant'Às Duas 12º -  ‘Miramar Confidencial’ de David Bruno  13º - ‘Mais Um’ do S. Pedro                                                      ~[report link] 14º - ‘A Ver o Que Acontece’ da Sallim 15º - ‘~’ da Marinho
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cafetrarecords · 4 years
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19 de Setembro: Maria Reis na Casa do Capitão
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No próximo dia 19 de Setembro há concerto da Maria com a banda reunida (Simão Simões e João Portalegre) no novo espaço Casa do Capitão às 18h30.
Bilhetes disponíveis aqui.
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CAPÍTULO 1
((É OFICIAL! PM vazou antes da hora! Então pessoal, estou entrando em um avião e resolvi deixar esse capitulo fresquinho por aqui. Quando conseguir wi-fi outra vez, quero ver um monte de asks com os comentários de vocês da história, tá bom? A opinião de todo mundo é muito importante! Espero que gostem ❤))
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Olhei para o céu coberto por nuvens cinzentas, franzindo as sobrancelhas. Normalmente, não chove na Flórida nessa época do ano.
Exceto pela tempestade fora de época que armava, era para ser um dia perfeitamente normal. Eu estava sentada no meio fio, observando de relance meu irmão gêmeo segurando a mão da namorada, Samantha. Ela sorria para ele com os lábios pequenos do rosto pequeno sobre o corpo pequeno que tinha e, não pela primeira vez, passei os dedos pelos meus cabelos sentindo inveja. Ele a abraçou e eu desviei o olhar, mirando o estacionamento quase vazio do colégio. Mordi o lábio inferior com força, impaciente.
Não se via mais quase ninguém no estacionamento, visto que o sinal que marca o fim da última aula já havia tocado há meia hora. Restavam apenas duas vagas ocupadas. A mais próxima abrigava o jipe que eu e Caribe havíamos ganhado em nosso aniversário de dezesseis anos.
Espiei o celular ao meu lado. Se minha mãe se atrasasse, seria um desastre.
Mais ou menos quando entrei no Ensino Médio, meu pai deu um ultimato a ela: passaria no mínimo duas horas comigo e com Caribe depois do colégio, duas vezes por semana, ou não passaria mais nem dois minuto. Nunca mais.
Minha mãe era advogada criminal e costumava trabalhar até tarde. Bem, ela trabalhava até as oito, e depois saía para beber com os colegas do escritório.
Exceto nas terças e quinta-feiras. As tortuosas terças e quintas sempre aconteciam do mesmo jeito.
No fim da aula, enquanto eu abraçava os joelhos no estacionamento e esperava como uma criança espera por brócolis verdes e nojentos em uma colher de plástico cor de rosa, Caribe esperava como uma criança espera pela Fada do Dente. O que para mim era uma sentença de morte, para ele sempre foi um ato de amor ou qualquer coisa assim.
Mamãe aparecia sempre com olhos opacos, um sorriso afetado, um rabo de cavalo mal feito e tênis de corrida que colocou dentro da máquina de lavar algumas vezes para que parecessem gastos e usados. A maquiagem sempre borrada, na tentativa frustrada de apagá-la do rosto com água suja da pia de algum bar. Não sei bem como ela chegava lá. Talvez pegasse um ônibus, um táxi ou simplesmente caminhasse até o colégio para dar uma aparência realista ao traje esportivo.
Ela tirava da bolsa, grande o suficiente para caber os saltos finos que usou na noite anterior, uma cópia da chave do nosso carro, enquanto Caribe ia ao seu encontro e eu me jogava no banco traseiro, a têmpora direita contra a janela. Afivelávamos os cintos de segurança e ela me lançava um meio sorriso pelo espelho retrovisor. Eu desviava o olhar e meu irmão narrava, em detalhes, tudo o que havia acontecido a ele nas últimas quinze horas. Era como se ele se esquecesse que nós três morávamos juntos. Mas eu o ouvia com atenção, e mamãe também. Como poderíamos culpá-lo? Na maior parte do tempo, eu me esquecia também.
O caminho era sempre o mesmo. A mesma sequência de casas baixas, pequenos restaurantes, uma ou outra loja de conveniências, uma drogaria perto da Clínica St. Lawrence e árvores de porte mediano. Eu fitava a areia da praia, cada vez mais pálida à medida que o sol deixava de aquecer os grãos finos e o outono se instalava na região. Mas era bom. O frio era bom, e a visão não deixava de ser boa, também.
Ela nunca se dava ao trabalho de nos levar a um lugar diferente, nem para variar. Era sempre o mesmo estabelecimento frio e pequeno com os mesmos sabores de sorvete e as mesmas cadeiras laranja berrante de plástico estragado na varanda estreita de azulejos coloridos da mesma sorveteria. Cheirava a carne vermelha queimando, uma vez que a churrascaria adjacente era muito mais movimentada que a loja de sorvete e muita fumaça de costelas sendo assadas invadia o local.
Era sempre o mesmo ciclo vicioso que começava a desenvolver em meu corpo uma aversão alérgico-psicológica a lactose e cobertura de chocolate.
Naquele dia, esperando que minha mãe aparecesse, encarei os cabelos negros de Samantha, torcendo o nariz e agradecendo por não estar perto o suficiente para vê-la enfiar a língua na boca do meu irmão. A garota jantava em nossa casa com frequência. Com mais frequência do que a minha mãe e, hoje, Caribe pretendia apresentar as duas.
Fiquei imaginando como a coisa toda seria processada na cabeça de Samantha. Ela perceberia a artificialidade acadêmica nas feições da minha mãe? Encararia suas respostas vazias como uma sentença de morte ou um ato de amor? Meu pai a idolatrava. Ele jamais gostou de qualquer cara que ousei levar em casa. Acho que era por isso que ele não sabia bem como agir diante dela. Era como se pensasse que nós duas havíamos sido trocadas na maternidade e, na verdade, eu devesse ser a namorada frustrante de Caribe para que ele pudesse me odiar e as coisas pudessem voltar ao normal.
Eu me sentiria desconfortável por ter de sentar no assento de carona desta vez. Caribe disse que queria ficar perto de Samantha, mas eu sabia que era apenas uma nova tentativa frustrada dele de me aproximar do extraordinário indivíduo que me colocou no mundo. Mas eu não era como ele.
Por fim, soltei um suspiro. Ela estava bem atrasada.
À medida que os minutos se passavam, Caribe diminuía a frequência de beijos em Samantha, rugas se formando acima das sobrancelhas finas. Ele me lançou um olhar preocupado, do qual fiz questão de me esquivar, voltando a encarar o chão e me peguei desejando, pela primeira vez, que ela aparecesse logo. Que ela aparecesse.
“Allie!” Escutei o som do meu nome na voz grossa de Donovan, meu adorável ex-namorado.
Olhei em sua direção, mas o sol me impediu de ver seu rosto. Eu vinha evitando-o há quase três semanas. Rezando para que estivesse longe, me levantei em um salto e caminhei até a pilastra onde Caribe e Samantha conversavam preguiçosamente, decidindo que era hora de dar o fora daquele estacionamento.
“Eu vou embora.” Eu disse. O nervosismo se acentuou ainda mais em sua face, e os olhos amendoados encantadores reluziram. A nossa relação com a minha mãe sempre foi muito importante para ele.
“Não. Você prometeu.”
“Vem comigo. Ela encontra a gente em casa.” Implorei, buscando em minha cabeça os melhores argumentos possíveis.
“É por causa dele?” Caribe olhou em direção a Done, que caminhava até nós. “Está irritando você?”
E, naquele momento, o odiei por se importar tanto.
“Não, Caribe, não é por causa dele.” Disparei, irritada. “Eu posso cuidar de mim mesma, ok?”
Percebendo que era tarde demais para fugir, respirei fundo e fui até Done antes que ele nos alcançasse. Não gostava que os meus amigos se aproximassem muito de Caribe. A maioria deles sequer sabiam de sua existência. Não que eu tenha vergonha do meu irmão. Nós fazemos parte de grupos sociais diferentes e frequento lugares com os quais Caribe não está acostumado. E eu simplesmente nunca me perdoaria se algo ruim acontecesse a ele.
“Allie” Ele sorriu o sorriso que sorria para as garotas. Soltei um suspiro. A ideia de conversar com ele depois de tudo não me agradava, mas eu não parecia ter escolha.
“Oi, Done.”
“Allie” Repetiu. “Você desapareceu.”
“Estou bem aqui.” Falei, sorrindo um sorriso forçado de volta.
“É, está.” O sorriso cresceu, expondo uma cadeia de dentes infinitos “E isso é ótimo! Eu queria falar com você, não a vejo há tempos. Gostaria de apresentá-la à Kely.”
“Sua nova namorada?” Questionei, com uma esperança cínica.
“Não é tão fácil esquecer você, Allie.” Sua cabeça caiu um pouco para a esquerda, e ele afastou o seu cabelo preto do rosto sem muita pressa. Aguardei o espetáculo, entediada. Eu conhecia todos aqueles truques.
“Exceto por Jennifer.” Lembrei, quando ele terminou de colocar a franja no lugar.
O dia em que descobri sobre Done e Jennifer foi horrível. Foi também o dia em que minha mãe estragou tudo.
Era uma terça-feira e Caribe mal podia esperar para que ela aparecesse no estacionamento deserto. Eu não o deixaria na mão. Jamais deixei, mesmo após fins de semana frustrantes em que ela não ousou dar as caras em casa para dormir.
Mas, afinal, aquela terça era especial. Era o nosso aniversário. E, por mais que houvesse repetido para mim mesma por semanas que não me importava se minha mãe se lembraria ou não que nos colocou no mundo há exatos dezessete anos, eu me importava.
Era o meu aniversário mas, mais importante, era aniversário do meu irmão. E ela se atrasou um pouco mas chegou. Caribe sorriu. Até mesmo eu permaneci petrificada, esperando uma ação diferente. Um “feliz aniversário”, quem sabe até mesmo um presente comprado em uma loja de departamentos ou ao menos um cartão.
Então ela olhou para nós e disse “Oi.”. Como ninguém respondeu, soltou uma risada nervosa. “O gato comeu a língua de vocês?” Meu irmão deu de ombros.
Ele acreditou que ela se lembraria até o último minuto. E eu, bem, acho que eu surtei. Deixei que a raiva pela negligência me consumisse. Em algum momento do trajeto até a sorveteria, enquanto ele dizia algo sobre a guerra do Iraque, pedi que parasse o carro. Disse que me jogaria do veículo em movimento se não parasse a droga do carro. Então ela encostou diante de uma placa “Pare” e eu saí, batendo a porta atrás de mim.
Andei por dez minutos até a casa de Shelby, a única garota de nosso grupo de amigos além de mim. Me lembro do cheiro forte de esmalte e acetona que preenchiam a sala de estar quando a encontrei pintando as unhas do pé. Mais tarde, iríamos a uma festa na casa de Done. Era onde aconteciam as melhores festas. Eu havia dito ao meu namorado naquela manhã que não conseguiria aparecer, uma vez que Caribe estava me forçando a passar nosso aniversário com a minha mãe. Eu me lembro do discreto sorriso nos lábios de Done, quase que confortável demais com a ideia de não estar comigo no dia do meu aniversário, antes de beijarem minha testa rapidamente de maneira gentil.
Shelby deixou que eu usasse um de seus vestidos decotados e me levou de carro até a festa, alegando que queria chegar cedo para ficar com Noah ou ficar bêbada mais rápido ou algo assim.
Mas era cedo e, pela linha de raciocínio óbvia, derivada de pensamentos estrategistas que invadiriam minha mente durante toda aquela noite, Done havia mandado mensagens de texto para que os garotos chegassem mais tarde. Faz sentido, porque ele costumava fazer isso comigo antes de começarmos a namorar, marcava cedo comigo e tarde com todos os outros convidados. Usei a minha cópia da chave.
Encontrei Done e Jennifer dando uns amassos no sofá de sua casa, nas preliminares de mais uma de suas festas, durante mais uma das viagens de seus pais. Isso havia acontecido há um mês.
Expulsei a cena nojenta de minha cabeça e sua voz me trouxe de volta ao presente.
“Jennifer foi um erro.” Ele disse, após algum tempo.
“E Kely…?”
“É meu carro.” Afirmou, esperançoso. “E está louco para conhecê-la.” .
“Acabou de personificar um carro que se chama… Kely?” O sorriso do tamanho do mundo murchou.
“Não gosta do nome?” Dei de ombros.
“Soa um pouco vulgar, não acha? Para um carro.” Ele pensou por um instante, buscando em seu pequeno cérebro o significado de “vulgar”.
“O que você sugere?”
“Bom, seguindo o raciocínio de quatro letras, por que não Pene?” O sorriso se estendeu mais uma vez, repuxando covinhas irresistíveis dos dois lados do rosto.
“Eu adorei!”
Segurei o riso. Provavelmente era errado zombar de alguém cuja estrutura encefálica funcionava com tamanha raridade, mas eu não era uma boa pessoa. Tanto faz.
“Não tenho visto você na aula da Sra. Patterson.” Comentei, as risadas implorando para explodir pelos meus lábios. Quando estávamos juntos, um dos nossos passatempos favoritos era não fazer absolutamente nada na aula de italiano, rindo do sotaque exagerado da pobre Sra. Patterson.
“Estive fazendo francês.” Suas bochechas coraram levemente, e a compreensão me atingiu como um tapa.
“Por que? Jennifer estuda francês?”
“É. Mas…”
“…Jennifer foi um erro.”
“Exato! Deus, Allie, você me conhece tão bem!” Exclama. “Como eu dizia, você deve ter escutado; todos estão comentando. Meus pais estão viajando de novo e esta noite eu darei uma festa. Tipo, uma grande festa. Mas eu esqueci de arrumar as coisas e não sei se estará pronta até o horário. Estava imaginando se você não gostaria de conhecer… Pene.”
“O carro?” Ele riu. “Sim, o carro. Nós poderíamos arrumar a casa. A gente acaba tudo bem rápido, nós somos um time, não somos?”
Costumávamos ser, Donovan. Antes de você me trair com a vaca da Jennifer, pensei. E ele continuou.
“E então poderíamos ir para o meu quarto esperar a galera. Você sabe como os garotos são; estão sempre atrasados.”
Estudei suas palavras por alguns segundos. Toda essa baboseira poderia ser traduzida para “Ei, Allie, Jennifer me deu um fora. Como estou carente e devastado, vou dar uma festa, mas posso mandar mensagens para os caras chegarem tarde para ficarmos pelados no meu carro e depois na minha casa. O que acha?”
Mesmo sendo eu, Australia, a pior pessoa do mundo, a ideia me repugnava um pouco.
“Done.” Falei, tocando seu ombro de maneira amigável. “Eu e você terminamos.”
“Você não acha que essa decisão foi tomada de maneira precipitada?”
Soltei uma risada.
“Você estava agarrando outra garota na frente da sua namorada! Não acha que essa decisão foi tomada de maneira precipitada?”
“Não foi uma decisão. Foi um erro.” Ele abre um sorrisinho, como se isso fosse bobagem. “Vamos, me dê outra chance. Ainda somos um time.”
Eu deveria dizer não, porque:
A) Done era um babaca.
B) Done me traiu.
C) Done acabou de fazer a idiotice de nomear o seu carro de “pênis”, em italiano.
‘Não’ seria a primeira opção de qualquer pessoa no mundo por motivos óbvios.
Mas eu me acostumara com o penteado exagerado do cabelo, com o gosto musical horrível e o literário inexistente, com o cérebro pequeno, com o corpo ridiculamente atraente, com a forma patética com que ignorava meu irmão quando ia em minha casa, com o modo como olhava para os lábios de outras garotas. E, ainda que sua quantidade de qualidades fosse menor que a possibilidade de o garoto se formar este ano, eu havia acabado gostando dele.
Olhei por trás do ombro. Mesmo que eu houvesse sido grosseira com meu irmão, ele mordia o lábio e me encarava com receio. Estava preocupado comigo, porque eu estava conversando com um idiota com potencial para partir o meu coração novamente. Estava preocupado com Samantha, porque não queria ferir seus sentimentos. Estava preocupado com mamãe, que poderia ter sofrido um acidente. Merda, Caribe estava preocupado com a Princesa Kate e com o fato de que ela podia estar esperando mais uma criança, além do fato de ela ainda estar amamentando a Princesa Charlotte e estava preocupado com o Príncipe George, que talvez não recebesse tanta atenção dos pais por causa das múltiplas gravidezes da mulher ou com todos eles que talvez não recebam atenção dos pais porque eles serão o rei e a rainha da Inglaterra ou com uma bomba terrorista iraniana que poderia arruinar toda a vida terrestre.
Respirei fundo, devido ao monólogo interior. Era assim que as coisas funcionavam. Caribe era uma boa pessoa que se preocupava com os outros. E eu não.
“Vai na frente.” Eu disse a Done, por fim. “Preciso dizer algo a alguém; encontro você no carro.”
Muito embora isso parecesse impossível, seu sorriso aumentou ainda mais.
Gostaria que eu houvesse mentido e apenas quisesse que Done me deixasse em paz. Mas eu não mentia. Eu era uma péssima-irmã-gêmea-que-quebrava-promessas-e-era-uma-grande-vaca-nojenta. É, eu era. E Caribe me odiaria para sempre e eu estava prestes a ir para a casa vazia de um cara que era um babaca, me traiu e tinha um carro que se chamava “pênis” em italiano.
Já era suficiente para ferrar com o meu dia, não era?
Bem, o universo disse que não.
Done se afastou, olhando para trás como se eu pudesse literalmente sumir antes de conhecer Pene e, Deus, essa é a frase mais nojenta que eu jamais direi em voz alta; enquanto caminhei nos passos tênues de uma péssima-irmã-gêmea-que-quebrava-promessas-e-era-uma-grande-vaca-nojenta em direção ao meu irmão, pronta para dizer a ele que não esperaria a mamãe nem mais um minuto.
Entretanto, antes que eu pudesse acabar com o seu dia oficialmente, um par de faróis amarelos iluminou o espaço sob espessas nuvens de chuva. O Opala era de um tom azul turquesa meio escurecido e meio brilhante. Meu conhecimento em relação a automóveis era escasso e minha memória não muito boa, mas eu tinha certeza de que este não era um carro conhecido.
No entanto, estreitei os olhos e, em frente a um volante decadente, distingui a figura exausta do meu pai.
Ele saiu do Opala passando a mão pelos cabelos escuros, completamente opostos aos meus.
“Ela levou meu carro.”
Foi tudo o que disse. E tudo o que disse foi suficiente. Ele poderia ter telefonado, mas veio até aqui. Porque esta não é uma notícia que se dá pelo outro lado da linha. Apertei os lábios, sacudindo a cabeça de leve, como se não pudesse acreditar. Mas a verdade é que eu podia. Esse é exatamente o tipo de coisa que a minha mãe faria.
Me dirigi até o Opala, o vento agora forte cortando meu rosto, secando minhas lágrimas antes que elas sequer fossem capazes de cair.
Deixei meu corpo desabar no banco traseiro como eu teria feito se ela tivesse vindo e coloquei a cabeça entre os joelhos. Eu não ligo, repetia para mim mesma. Talvez eu sentisse mais raiva do que decepção.
“Do que está falando?” Soou a voz quase extinta de Caribe.
“Eu sinto muito. Ela…” Tentou responder meu pai.
Bati a porta. Eu não podia ouvir aquilo, não podia, não podia, mas, ainda assim, os ruídos eram audíveis de forma abafada.
“Ela faz isso sempre, não faz? Ela vai e volta na semana seguinte. Não é? Ela sempre volta.”
“Caribe.” Piscando rápido, vi que meu pai massageava as têmporas, cansado, e segurava um pedaço de papel na mão. “Ela levou tudo.”
Meu irmão tomou o papel dos dedos do papai e cobri os ouvidos com as mãos para não ouvir sua reação. Eu meio que sempre soube que ela iria embora um dia. Do nada. Eu sabia que ficaria bem porque ela havia me perdido há muito tempo. Mesmo assim, eu só queria acordar e perceber que fora tudo um sonho ruim.
Não por mim ou por meu pai ou por minha mãe ou pela sorveteria às terças e quintas feiras. Por Caribe. Porque ele se importava demais com as pessoas e esquecia de se importar com ele mesmo. E se preocupava com minha mãe e se esquecia de que ela o machucaria. Ela sempre o machucava. Quanto tempo ele aguentaria enchendo a ferida de band-aids, até que ela resolvesse ir embora para sempre?
É o que eu me perguntava quando ele entrou no carro desconhecido, ao meu lado, no banco de trás. Ergui a cabeça. Papai empurrava a chave pela ignição devagar, como se esperasse, com relutância, que eu saísse do carro e corresse em direção ao Pene ou algo assim. Quando percebeu que eu ficaria, ligou o motor. Antes tivesse saído…
Meus olhos encontraram os de Samantha, embaçados e nebulosos como o céu. Ainda parada na calçada, ela olhou para as próprias sapatilhas pretas salpicadas de pintas vermelhas como se fossem joaninhas ao contrário e, de repente, o humor alegre habitual havia se esvaído de seu corpo como se estivesse doente.
“Vai deixá-la sozinha?” Perguntei, perplexa. Caribe permaneceu imóvel. Sua expressão era um furacão que eu não podia entender ou ao menos acompanhar. “Ela não tem como voltar para casa a pé!” Completei
Quis estrangular meu irmão. Olhei para meu pai, mas ele apenas balançou a cabeça.
“Vamos para casa.” Disse.
E nós fomos. Trovões ressoaram no céu acinzentado, mas não caiu água alguma. Caribe se trancou no quarto e não falou nada comigo ou com o papai. O telefone tocou a tarde inteira. Eu não ligo, continuava a repetir em minha cabeça a cada vez que dizia a Samantha que Caribe estava no chuveiro ou dormindo ou “incapaz de conversar agora”. Vovó ligou, mas a maior parte do telefonema se baseou em um silêncio estranho no qual, de alguma forma, consegui demonstrar indiferença. Depois de alguns segundos, ela começou a chorar e entreguei o aparelho para meu pai.
Em algum momento, as desculpas esfarrapadas acabaram e eu meio que bati na porta de Caribe. A porta, na verdade, não era dele, mas um pedaço de madeira atado às dobradiças parafusadas em um buraco na parede fina que separava o seu lado do quarto do meu. Pela primeira vez na história, na geografia e na biologia teórica do Big Bang, o Caribe fazia fronteira com a Australia.
Ela foi construída logo quando nós mudamos e era tão fina quanto papelão. Tudo o que era dito do lado de lá era ouvido aqui. Era nojento quando Samantha o visitava e irritante quando Caribe resolvia assistir filmes barulhentos nos quais Tom Cruise explode aviões e coisas do gênero. Ainda assim, fora útil por anos de infância para mensagens secretas por meio de batidas com os nós dos dedos logo acima do rodapé. Foi o que eu fiz, ao me aproximar da porta.
Ele não respondeu e como, teoricamente, o seu chão ainda era o meu chão, me senti no direito de empurrar a porta e entrar. Metade de seu corpo estava para fora da cama. A imagem era digna de compaixão, uma metáfora jamais revelada que pairava no ar. Em direção ao piso laminado, o pulmão esquerdo, uma dúzia de costelas, o baço, um pé, uma mão, dez dedos, o pâncreas, dezesseis dentes, um olho castanho, o hemisfério ocidental de seu cérebro, a narina esquerda, cerca de 65 mil fios de cabelo e um coração ferido.
“Ei.” Eu chamei, com cautela. “Sam está ligando. Pela décima sexta vez. Ela quer saber de você.”
Ele suspirou com o rosto escondido no travesseiro e com a mão que tocava o chão, balançou debilmente um objeto metálico que logo percebi ser a bateria do celular, cujos restos se viam em um canto do quarto. Em ruínas. Entendendi o recado, pedi a Samantha que lhe desse um tempo e desliguei.
Tomei a liberdade de me sentar perto de seu pé descalço. O quarto estava uma bagunça completa. Livros haviam sido tirados das estantes e roupas das gavetas, tudo largado no chão, como se Caribe esperasse que mamãe lhe deixasse uma carta, um objeto, qualquer coisa. Em segredo, eu mesma havia dado uma olhada por entre os meus sapatos. O aposento exalava um perfume masculino enjoativo. Torço o nariz, localizando o frasco virado de cabeça para baixo sobre uma poça de colônia encharcando o carpete.
“Ela está furiosa.” Murmurou, o resmungo abafado pela pressão de seu rosto contra o edredom desarrumado. Ele se referia à Samantha. Eu estaria, pensei.
“Não está não. Ela pegou um táxi.” Foi o que eu disse, no entanto. “Ela está preocupada. E eu também estou.”
Segurei sua mão em meio a uma montanha de roupas íntimas nas quais preferia não ter tocado e ele se virou para mim. O cabelo, geralmente bem penteado, transformado em um emaranhado de fios loiros. Seus olhos estavam inchados, marcas vermelhas os rodeando.
Ele não precisava dizer nada. Eu lia sua mente naquele momento.
Abandonar um filho lúcido e suficientemente maduro é a pior coisa que uma pessoa pode fazer. Não é como se fôssemos crianças deixadas para a adoção quatro meses após o nascimento. Ela nos conhecia. Passou dezessete anos junto de nós para, enfim, decidir por conta própria que não nos queria. Que não era essa família a família que queria para si. Isso machucava.
E eu não era uma completa insensível. Bem, talvez eu fosse. Mas não a isso. A questão é que eu havia sido abandonada há anos. Desde o dia em que me perdi no supermercado porque ela soltou minha mão para comprar bebida e não conseguia achar a garrafa certa, foi o que disse. Não conseguia achar o certo e eu chorava, confusa em uma floresta de pernas. Nossa relação se quebrou naquele dia. Quando ela soltou a minha mão.
Mas Caribe se importava demais com as pessoas. E ele tentava fazer dar certo. Em sua cabeça, talvez em seu coração, ele conseguia. Mas mamãe não.
Pela cortina esverdeada, pude ver a noite que caíra de repente por entre as nuvens escuras do mau tempo lá fora. Por entre elas, a lua sorria de lado para nós, um sorriso fino e desafiador, embora chorássemos para ela.
“Você quer encher a cara?”
Caribe piscou.
Eu ergui as sobrancelhas.
Parece estranho que a minha primeira reação a ser abandonada pela minha mãe alcoólatra seja procurar por bebida. Acredite, na maioria das vezes, eu sou contra ficar embriagada. Mas ninguém é de ferro.
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neige23 · 7 years
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Ninguém Tem Culpa Se Chove
    Era um dia normal como todo outro qualquer em minha complicada vida, um destes dias onde um velho amigo vinha me visitar e ficava horas a fio dentro da minha cabeça como um maníaco, causando o máximo de estrago que ele conseguisse, às vezes eu pensava em simplesmente desistir e deixá-lo me destruir, uma vez me disseram: “Do jeito que sua mente vagueia você provavelmente está ficando louco.” Acho que isso pode ser verdade, talvez tudo melhorasse se eu simplesmente aceitasse tudo isso. Eu sou um desperdício de vida mas acho que cortar meus pulsos não seria muito útil, não resolveria meus problemas e muito menos mudaria minha cabeça deturpada ou as das outras pessoas que me odeiam. Esse meu tal amigo não tinha um nome, mas de uma coisa eu tinha certeza: Ele adorava me ver sofrer, me fazer enlouquecer de tanto procurar um motivo pra continuar vivendo.
    Era um dia obscuro. Aparentemente uma nevasca atingiu a cidade e eu nem percebi. Saí de casa e comecei a longa e torturante caminhada em direção ao lugar que as pessoas costumam chamar de escola. Chegando no portão tudo foi totalmente preenchido com um vazio angustiante que sempre me devora quando chego neste mesmo lugar. Entrei na escola e fui em direção a minha sala como o de costume. Sentei na última cadeira, como todos os dias, e lá abaixei a cabeça e acabei adormecendo até o final do terceiro tempo de aula. Se não fosse por alguém me acordando talvez eu tivesse dormido até o final do dia. Eu não sabia quem tinha me acordado. Vi seu rosto, ouvi sua voz, mas não me recordava de ninguém daquele jeito na turma. Era uma voz tão doce que parecia ser a mais bela música que eu já havia outrora escutado; um olhar tão terno que eu até me senti tranquilo, calmo como nunca antes. Ela me disse que era uma aluna transferida, e que como eu era o único que tinha sobrado na sala, ela me pediu pra mostrar o colégio durante o recreio. Ela pergunta meu nome e eu pergunto o dela. Durante o tour pela escola, eu ficava cada vez mais encantado por essa garota, e mesmo tendo a certeza de que ela seria a minha ruína, eu não conseguia parar de olhar pra ela.
    No fim do dia, eu andava por uma rua ligeiramente vazia. Apenas eu, minha sombra e uns pensamentos escrotos. Chego em casa e ela novamente está vazia. Eu ainda acho que meus pais não querem ver o maior fracasso de suas vidas. Fui direto para o meu quarto e deitei, não escutava nenhum barulho dentro ou fora da casa. Sabe, as vezes o silêncio é violento e machuca bastante. Tentei dormir mas acabei apenas rolando na cama por horas.    
    No dia seguinte, levantei cansado. Queria apenas que o horário de ir para a escola chegasse para que eu pudesse vê-la, até que percebi que era sábado, e como de praxe seria um dia longo e o próximo mais ainda. Enquanto o tempo não passava eu continuava pensando em seu rosto, sua voz, seu sorriso. Até que caí no sono e só acordei no final do dia. Tive um sonho incrível com ela. Depois de comer algo eu voltei a dormir, queria que o dia acabasse logo. Nunca fiquei tão ansioso pra ir pra escola. Foi meio frustante ter que esperar, e o domingo foi mais frustante ainda. O tempo não passava de jeito nenhum então, resolvi dormir e acabei sonhando com ela mais uma vez. Acho que vou sonhar com ela todos os dias, pelo menos até o final da semana.
    Finalmente segunda-feira. Acordei meio bem. É um sentimento estranho, mas pra quem sempre acorda chorando, era até bom. Acho que eu podia culpar os sonhos que eu tive nos últimos dias por isso. Fui para escola para vê-la mais uma vez, e quando cheguei ela estava lá parada no portão. Linda, muito linda mesmo. No final do dia, após conversar com ela durante basicamente toda a aula, fomos embora. E sabe de uma coisa? Vê-la partir dói. Era uma sensação excruciante, eu sentia como se faltasse algo quando ela ia embora. Um buraco gigantesco que sempre existiu, mas que era preenchido por pouco tempo quando ela estava perto, assim como a chuva preenche os buracos da rua, mas em algum momento o sol se livrava dessa água. E ela era como a chuva pra mim, preenchia esse enorme buraco no meu peito. Quando ela estava por perto, eu não me sentia tão patético, e a vida não parecia tão ruim.   
    Manhãs passavam como minutos, noites pareciam eras. Às vezes era sufocante ficar deitado olhando pro teto. Nem mesmo meus pensamentos fluíam. Tudo parecia tão complicado e agonizante, mas ao mesmo tempo tão bom, eu não sabia o que fazer com aquilo. Seria isso amor? Claro que eu já tinha amado antes, mas não tanto quanto agora. Uma vez li que amor é apenas um defeito elétrico no circuito neural, mas acho que seja algo pior que isso. Apenas um defeito não causaria tanto estrago, não traria uma angustia deste tamanho, não tornaria uma pessoa tão diferente.
    Algumas semanas passaram e nossa amizade só ficava mais forte, parecia que éramos amigos de infância. Não nos desgrudávamos por nada e eu adorava aquilo. A sensação de ter sempre alguém por perto, alguém que você possa sempre contar, é muito foda. E como eu sou imbecil, resolvi estragar aquilo tudo. Comprei rosas e marquei um encontro com ela no meu lugar preferido na cidade, o topo de uma colina. Onde dava pra ver a cidade inteira e bem lá em cima tinha uma cerejeira, com flores rosas em certa época do ano, mas eu simplesmente amava aquele lugar quando estava chovendo, não sei o porquê. Chegando lá eu simplesmente sentei e fiquei esperando, apreciando a vista até o momento em que ela chegou. Sua expressão era muito diferente do comum, não era alegre e nem um pouco gentil. Quando fui entregar as flores, ela simplesmente recusou, olhou nos meus olhos e me disse a seguinte frase: “Por favor não diga que me ama, porque eu não vou dizer de volta” e então subitamente foi embora sem dizer mais nada, e quando eu achei que voltaria, ela disse: “Quando nos virmos de novo, não diga nada nem mesmo um oi”, palavras com peso são difíceis de ouvir, e naquele momento, uma lágrima desceu lentamente do meu rosto enquanto que, pra mim, o mundo estava em câmera lenta. Começou uma chuva fina, as gotas caíam devagar. Parecia a cena de um filme. Eu fiquei lá parado, olhando ela ir embora. Depois andei e andei, por horas no vazio do meu ser, e quando estava exausto fui pra casa e sentei na minha cama até amanhecer.
    Fiquei sem ir pra escola por uns dias pra ver se conseguia superar aquilo. Acho meio idiota fugir dos problemas, mas talvez seja melhor assim. Quando resolvo ir, percebo que ela está sentada na primeira fileira, no lugar mais longe possível do meu lugar habitual. Ela está me evitando, sem nenhuma dúvida. Se bem que depois do que ela me disse, não esperava diferente. É sempre assim. Eu amo, eu amo e eu perco, e isso tudo dói. Dói como um fogo negro que queima como mil infernos, com uma inextinguível chama que me destrói completamente.   
     Algumas semanas passaram e eu ainda não melhorei nada. Eu apenas olhava pra ela através da janela, ficava pensando em quanto tempo havia passado. Pra mim parecia uma eternidade, e cada segundo era torturante. Eu queria só trocar meu coração por outro cérebro mas creio que isso não seja possível. Dizem que algumas pessoas ficam viciadas em alguns tipos de tristeza. Eu devo ser assim também, aí faria sentido o fato de eu tratar meu coração tão mal.    
    Resolvi voltar pra casa pelo caminho mais longo desta vez. Peguei um ônibus sentei no fundo, ao lado da janela, e lá fiquei olhando através do vidro, vendo o mundo passar. Depois de meia hora, me dei conta de que era o ônibus errado e eu estava voltando pra escola. Resolvi descer lá e ir andando, mas quando desço, algo me afronta como um tiro na cara.
    Eu estava lá parado, as gotas de chuva caíam no chão. Ela estava falando com aquele otário, aquele mesmo cara que ela tinha me dito que era um babaca, aquele mesmo cara que estava tratando umas garotas como se fossem um pedaço de carne no mesmo dia horas antes. Eu conseguia escutar o que ele estava falando já que gritava igual um troglodita, ele dizia: “eu nunca vi uma menina tão baixa com peitos tão grandes, você tem silicone, só pode”. Por que uma menina assim falaria com um babaca desses? e ainda ficava toda vermelha enquanto admirava ele com aqueles olhos que pareciam brilhar. Eu sou melhor sem ela, ela  não é boa para mim, pelo menos não mais, eu dizia pra mim mesmo tendo certeza de que era uma mentira descarada. Enquanto isso eles ainda conversavam, ele nem sequer olhava nos olhos dela. Nem deve saber que tipo de garota ela é, nem deve saber que se esforça pra caralho só pra orgulhar os pais, ele nem deve saber quais são seus sonhos, o que ela quer pro futuro. Provavelmente só notou ela agora depois de ter pegado todo mundo e queria uma garota diferente. De qualquer forma quem está lá falando com ela e recebendo aquele olhar cheio de amor não sou eu, se bem que isso não seria novidade, ele é melhor que eu em tudo, inclusive em ser um babaca, é bonito, mais alto, forte, rico e inteligente. Como que eu vou competir com isso? a vida é muito injusta as vezes, eu só estou tão exausto disso, exausto de sempre ter tudo roubado. E essa chuva, eu sempre amei chuva mas agora ela não ta ajudando em nada. Eu aqui parado vendo eles se beijando e em seguida indo embora de mãos dadas. Aquele beijo doeu muito, foi um beijo bem longo, o coração dela provavelmente acelerou acho que tanto quanto o meu. Ela talvez não conseguiu pensar em nada além daquele momento. Enquanto eu só pensava nos pingos ao meu redor, cada um que caía era como um prego sendo cravado no meu coração que rasgava a minha alma, mas não posso fazer nada quanto a isso. Afinal a chuva não é culpa de ninguém não é mesmo?. Logo depois eles foram embora, e naquele momento eu senti uma pontada no meu peito. Era óbvio que estavam indo pra casa dele. Eu sussurrava baixo: “me ame, me ame”, isso é tudo que eu peço: “me ame, me ame”. acho que é tarde demais pra isso. Enquanto andam ele tira a jaqueta e coloca sobre ela pra protegê-la da chuva. No mesmo instante ela olha pra trás, nossos olhares se cruzam por um segundo, ela simplesmente me ignora e olha pra frente de novo. Espero que ela não tenha notado o fato de meu rosto não estar encharcado apenas pela chuva. O pior é que não precisa ser muito esperto pra saber o que eles vão fazer pelo resto do dia. Ela provavelmente vai lembrar daquilo pro resto da vida, enquanto ele esqueceria em algumas semanas; enquanto isso eu pensava no que estaria acontecendo: o barulho da chuva batendo na janela do quarto dele, que não é nada em comparação aos gemidos dela. O corpo dela coberto de suor e o cheiro de seu perfume misturado com o de cigarro que ele provavelmente acendeu. Ela ficando incomodada com a fumaça  já que odeia cigarros. Eu podia imaginar quase tudo, eu não acredito que achava que ela era boa. Ela não é boa, tá longe pra caralho de ser boa. No caminho pra casa eu gritava pro nada que não estava triste por ver ela partir, quando na verdade estava triste pra caralho.
   É muito difícil superar isso. Talvez eu lembre pra sempre desta merda. Vou ficar um tempo sem sair, eu não quero encontrar ela. Ainda tenho pesadelos com aquele momento. Qual é o problema dela? cadê a coragem que ela teve pra ir pra cama com aquele cara? Ela me mostra o quão destruidor o amor pode ser e depois foge de mim? Vadia você é a porra da razão de ninguém me ver por aí, pessoas como você que dão essa má reputação ao amor. Pelo menos não tente esquecer a desgraça que você causou de uma maneira tão imbecil. Acho que agora só me resta dormir, por favor só me acordem quando isso estiver acabado.
-“Se todos são especiais, talvez você não terá quem deseja ter”
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altamontpt · 4 years
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Maria Reis - Chove na Sala, Água nos Olhos (2019)
Maria Reis lança o seu primeiro disco e em 18 minutos dá a coisa por terminada. O texto devia ter demorado esse tempo a escrever mas obrigou a audições repetidas.
Maria Reis lança o seu primeiro disco e em 18 minutos dá a coisa por terminada. O texto devia ter demorado esse tempo a escrever mas obrigou a audições repetidas.
Em 1968, nos Estados Unidos, um pai obrigou as suas filhas a formar uma banda, intitulada Shaggs. Estas norte-americanas editaram um disco, “Philosophy Of The World”. Indiscutivelmente uma das piores coisas que apareceu musicalmente e…
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