arte como terapia
como arte pode ser terapia?
talvez você já tenha acesso à arte como um meio para se conhecer melhor, para perceber e sentir que existem formas de expressar tantas sentimentos, pensamentos e situações de formas não-verbais.
hoje eu quero trazer uma breve reflexão sobre isso, começando pela diferença entre arte COMO terapia e arteterapia.
ARTETERAPIA
é um procedimento terapêutico exercido por profissionais qualificades tendo, então, os mesmos objetivos de uma psicoterapia. o que ele traz são técnicas e ferramentas da arte para estabelecer processos de cura e comunicação através de meios não-verbais. arteterapia pode envolver desenho, pintura, modelagem, colagem, etc. para atuar como arteterapeuta, é preciso ter uma formação específica.
ARTE COMO TERAPIA
é algo muito mais “informal” e amplo... qualquer pessoa pode praticar uma postura de produção e/ou observação da arte com objetivo de autoconhecimento. por exemplo, você pode ter o hábito de desenhar em um sketchbook ao invés de escrever em um diário, você pode observar sua relação com o desenho, tanto no fazer (qual é meu ritmo? qual é a intensidade do traço? o desenho flui como?) como na composição final (que cores usei? o que elas representam pra mim nesse momento? com quais emoções posso relacionar? que linhas usei e como elas se relacionam na composição? etc). ou ainda, você pode ter o hábito de ir a museus e galerias, ou observar produções artísticas pensando em aspectos de autoconhecimento, em como você se sente olhando para a obra, do que ela te lembra, se ela provoca uma reflexão sobre quem você é no mundo... enfim, é um olhar de autoconhecimento sem compromissos acadêmicos ou profissionais. é um exercício seu para seu bem-estar.
eu não tenho formação em arteterapia, mas acredito na potência da arte de ser tanto uma comunicação macro (social, cultural, histórica) como micro (autoconhecimento, relações próximas e familiares). quanto mais a gente treina o olhar, mais a gente enxerga possibilidades e camadas. assim como quanto mais a gente lê, melhor a gente lê.
como a arte já te ajudou com autoconhecimento?
no livro Art as Therapy (Arte como terapia), Alain de Botton e John Armstrong abrem reflexões sobre arte e vida, nos campos de amor, trabalho, tempo livre, política, ansiedade e self. cada reflexão parte de uma obra, e decidi compartilhar algumas com você aqui:
autor desconhecide, cálices de vidro veneziano primitivo.
quantas vezes você sentiu que deveria se mostrar mais forte do que se sentia?
ou que deveria camuflar suas fragilidades?
eu já fiz isso várias vezes. o caminho da vulnerabilidade pode ser mais difícil para algumas pessoas, depende da nossa trajetória e das relações que temos. mas é um bom caminho.
você vê como esse vidro veneziano é frágil? ele não pede desculpas por ser assim, porque não é um defeito, não é um engano. na verdade, aí também tem valor e beleza.
os cálices dizem "estou encantado, mas se você me bater eu vou quebrar, e isso não é culpa minha"
não é, também, um dever da sociedade cuidar das peças frágeis? providenciar ambientes seguros?
sentimos esse dever para que a história da família seja preservada, ou ainda a história de povos e culturas. mas, acima de tudo, não devemos ter esse cuidado com nós mesmes? autocuidado como pessoas, e cuidado entre nós nos grupos que vivemos.
de que formas podemos assumir nossas fragilidades e aceitar que nos tratem com mais cuidado?
* * *
Caspar David Friedrich, Rocky Reef on the Sea Shore, c. 1825
o que vemos na obra é uma paisagem com uma formação rochosa marcante e recortada, bem no centro. também há um trecho de costa, o horizonte iluminado, umas poucas nuvens dispersas... há muito azul, não há? você diria que esse azul te traz calma? apesar de muito estabelecido que azul = serenidade/calma, o modo como a parte superior e a inferior da pintura ficam mais escuras, parece que há um fechamento do espaço. é calmo - não há movimentações dramáticas - mas também sombrio.
em que momento do dia poderíamos estar imersos nessa paisagem?
quando você se imagina andando por essa costa, se imagina sozinhe ou acompanhade?
a rocha dentada é convidativa e confortante ou agressiva?
a verdade é que a imagem não É nada disso, apenas PARECE, porque nos espelhamos nas imagens que vemos, vinculamos sensações e memórias, projetamos realidades vividas.
as paisagens de Friedrich não parecem ter intenção de capturar um momento da natureza externa, elas fazem mais que isso: conectam a natureza externa com a natureza interna de tudo que experienciamos e sentimos. essa paisagem não nos remete às tribulações da vida cotidiana. detectamos uma intenção em permitir acesso a um estado de espírito...
após um longo período de predominância de artes de narrativas (bíblicas e míticas, principalmente), alguns artistas passaram a diminuir as figuras humanas e ampliar a paisagem, evidenciando nossa pequenez no mundo. mas também, em alguns momentos, as figuras humanas deixaram de aparecer nas paisagens. como se a natureza sozinha tivesse um tipo de narrativa. ou como a natureza sozinha tivesse a potência de nos colocar em sintonia com um tipo de estado de espírito.
esse tipo de obra parece dizer: tudo bem você sentir o que sente. você pode acolher esse sentimento. e depois deixe ir, como essas nuvens que logo vão sumir. a rocha vai ficar, mas depois de muito tempo e muito movimento da água, ela vai mudar. o céu vai passar pelo dia e pela noite centenas de vezes.
“ficamos, como tantas vezes acontece com as obras de arte, mais bem equipados para lidar com as lágrimas intensas, intratáveis e particulares que se apresentam diante de nós. As tensões em meu casamento ou as frustrações de meu trabalho não são problema meu apenas, fazem parte da estrutura do universo...”
o que mais a paisagem de Friedrich te fez notar e sentir?
* * *
Ruth Hollick, Janet Armstrong, Woodbury Estate, c 1939
por que tiramos tantas fotos?
por que temos esse desejo constante de tornar estático o movimento?
quanto mais fácil e acessível é tirar fotos, mais o fazemos. nunca na história houve TANTA produção e compartilhamento de imagens.
talvez o desejo de capturar imagens persista porque sabemos que não podemos contar com “nossas fraquezas cognitivas em relação à passagem do tempo”. nos frustramos quando viajamos e perdemos as fotos (ou quando nem câmera temos por perto). eu já sonhei diveeeersas vezes que viajava ou conhecia uma celebridade e ficava muito frustrada porque não conseguia tirar uma foto para ver quando eu acordasse (risos). esquecemos coisas grandiosas e coisas pequenas.
queremos registrar prédios, encontros, passeios, flores e momentos, como uma pequena garotinha alimentando um pequeno canguruzinho com tanta atenção.
queremos preservar.
e dentre tantas finalidades da fotografia, o olhar estético, além do registro para memória, persiste. na fotografia, talvez mais do que escolher o que evidenciar, escolhemos o que não incluir. estamos no controle.
já pensou que o poder que temos como fotógrafes/artistas nem chega perto do poder que temos com a realidade que criamos todos os dias?
* * *
Vincent Van Gogh, Almond Blossom, 1890
por que celebrar algo se tudo está indo tão mal?
eu já ouvi constatações assim várias vezes, imagino que tu também. talvez a gente mesme tenha dito algo nesse sentido.
se ainda existe tanta desigualdade, pobreza, fome, PANDEMIAS, desmatamento e sofrimento, devemos focar somente em resolver isso tudo, certo?
errado.
ninguém consegue levantar e passar o dia todo, todo dia, resolvendo problemas. ninguém funciona assim. ninguém AGUENTA viver focando só em problemas, revoluções, conflitos... perdemos as forças se fizermos isso. portanto, temos muitos posicionamentos políticos e ativismos na arte, mas o campo não se sustenta só disso, porque humanos são muito mais que isso.
você já deve ter visto essa pintura né?
Vincent Van Gogh pintou "flores de amendoeira" em 1890, um dos piores anos de sua vida. já havia sido internado, estava muito doente, e faleceu. e o que a gente vê é uma das obras mais belas dele, uma árvore linda florescendo sobre um fundo azul vibrante, praticamente mais vibrante que o próprio céu.
criar coisas tão belas e agradáveis mesmo em períodos difíceis é realmente um desafio. imagino que ele só tenha conseguido porque praticava arduamente, com frequência, com muita, MUITA paixão e o desejo de semear bons sentimentos entre as pessoas através das pinturas.
existem pessoas que se incomodam que a arte OUSE ser doce e adorável, que ela seja alegre e delicada. especialmente quando tanta coisa horrível acontece. não seria uma forma de desviar a atenção? de negar os problemas?
Vincent sabia muito sobre sofrimento humano, inclusive através da própria vivência. flores bonitas não são uma forma de evitar os fatos mais difíceis, elas são um consolo, uma lente de óculos diferente. precisamos de beleza para manter nosso espírito elevado e para refrescar nosso apetite pela vida. a alegria não é uma negação dos problemas do mundo, na verdade ela nos torna um pouco mais capazes de lidar com eles.
a cura mais impactante, mais relevante, mais intensa que a arte pode provocar é a cura de SI. simplesmente não existe transformação SOCIAL se individualmente as pessoas não são transformadas.
cada ato de autocuidado importa.
cada flor importa.
você importa.
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