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#bóris schneiderman
ninaemsaopaulo · 1 year
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“Praticava a libertinagem solitariamente, de noite, às ocultas, de modo assustado, sujo, imbuído da vergonha que não me deixava nos momentos mais asquerosos e que até chegava, nesses momentos, à maldição. Mesmo assim, eu já trazia na alma o subsolo. Tinha um medo terrível de ser visto, encontrado, reconhecido. Pois frequentava toda a sorte de lugares bem suspeitos.”
- Fiódor Dostoiévski em Memórias do subsolo. Tradução de Bóris Schneiderman.
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ninaemsaopaulo · 1 year
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Eu sou sozinho, e eles são todos.
Fiódor Dostoiévski em Memórias do subsolo. Tradução de Bóris Schneiderman.
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ninaemsaopaulo · 1 year
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"Talvez o homem não ame apenas a prosperidade? Talvez ele ame, na mesma proporção, o sofrimento? Talvez o sofrimento lhe seja exatamente tão vantajoso como a prosperidade? O homem, às vezes, ama terrivelmente o sofrimento, ama-o até a paixão, isto é um fato. No caso, é inútil recorrer à história universal; interrogai a vós mesmos, se sois homens e vivestes um pouco sequer. E, quanto à minha opinião pessoal, creio que amar apenas a prosperidade é, de certo modo, até indecente. Bem ou mal, quebrar às vezes algo é também muito agradável. No caso, não estou propriamente defendendo o sofrimento e tampouco a prosperidade. Defendo... o meu capricho e que ele me seja assegurado, quando necessário. O sofrimento, por exemplo, não é admitido nos vaudevilles, eu sei. No palácio de cristal, ele é simplesmente inconcebível: o sofrimento é dúvida, é negação, e o que vale um palácio de cristal do qual se possa duvidar? E, no entanto, estou certo de que o homem nunca se recusará ao sofrimento autêntico, isto é, à destruição e ao caos. O sofrimento... mas isto constitui a causa única da consciência. Embora tenha afirmado, no início, que a consciência, a meu ver, é a maior infelicidade para o homem, sei que ele a ama e não a trocará por nenhuma outra satisfação. A consciência, por exemplo, está infinitamente acima do dois e dois. Depois do dois e dois, certamente, nada mais restará, não só para fazer, mas também para conhecer. Tudo o que será possível, então, será unicamente calar os cinco sentidos e imergir na contemplação. Bem, com a consciência obtém-se o mesmo resultado, isto é, também não haverá nada a fazer; mas pelo menos poderemos espancar a nós mesmos, de vez em quando, e isto, apesar de tudo, infunde ânimo. Ainda que seja retrógrado, é sempre melhor que nada."
- Fiódor Dostoiévski em Memórias do subsolo. Tradução de Bóris Schneiderman.
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ninaemsaopaulo · 1 year
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Memórias do subsolo
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Nunca tentei literatura russa de verdade. Ia escrever “nunca mais tentei”, porque li Anna Karenina, mas falando assim, pareceria que não gostei de Anna Karenina, e muito pelo contrário. Só que não tentei mais literatura russa por não me sentir pronta, por não sentir que eu aproveitaria ao máximo um tipo de literatura tão diferente da que estou acostumada (ibero-americana). Fora um outro sentimento, pior: o de ser burra, pouco capaz de compreender Dostoiévski, por exemplo.
Memórias do subsolo surgiu em uma das sessões de terapia que faço com o terapeuta-gato. Nenhum de nós lembra o motivo desse livro ter aparecido, mas sei que foi ele quem começou. Quando saí da sessão, corri até uma livraria e comprei. Gente apaixonada pelo terapeuta é emocionada também (óbvio).
É um livro breve (prometo contar, um dia, sobre a minha predileção por livros breves), dividido em duas partes. E, apesar das poucas páginas, não deixa de ser uma das leituras mais angustiantes e avassaladoras que já fiz. Exatamente como eu imaginava que seria ler Dostoiévski.
Acontece que, já nas primeiras páginas, entendi a indicação indireta do meu terapeuta, porque a identificação com o narrador-personagem foi imediata. É um diário, eu adoro diário, meu terapeuta sabe disso; e é um diário escrito por um homem que se odeia e só sabe reclamar da vida. Parece alguém? Pois é. Desconfortável dentro de si, considera-se repulsivo, malvado e doentio. E o subsolo do título não se refere as quatro paredes que lhe cercam, mas sim a profundidade de sua alma e modo de pensar, entremeada pela dúvida sobre se a sociedade o transformou nisso.
Apesar de se odiar, como todos nós, o homem do subsolo também tem suas vaidades. E uma delas é acreditar-se superior, em linha de pensamento e capacidade reflexiva, a todos os outros homens. Aqui vale a máxima de que, às vezes, a ignorância é uma benção. Pois conhecer cada vez mais a si mesmo traz um sofrimento de sabor tão amargo quanto… fazer terapia (e olha que eu gosto, não tenho mais medo em admitir).
O narrador é mais observador do que personagem, visto também que é um grande crítico social que pouco participa de atividades que envolvam socialização. Ele gosta muito de ler, e ler é aprender. A partir daí, o que se desenvolve em sua imaginação parece mais interessante e palpável do que a realidade.
O temperamento do narrador é emocional e explosivo, o que contrapõe a sua tentativa de racionalizar tudo, mas não interfere em suas análises. Talvez muitos dos transtornos mentais que adquirimos sejam alimentados por nossos rituais e paranóias. E o narrador de Dostoiévski tem muito de ambos: um homem em constante frustração, pleno estado de combustão e prestes a queimar quem quer que esteja ao redor. Repulsivo para si — e para os outros.
Memórias do subsolo tem um fluxo narrativo que muito me lembra o fluxo de consciência presente em algumas obras de Virginia Woolf — há algo de “interminável” no homem do subsolo. E as pistas de quem é esse homem, a partir do que ele faz, com quem convive e como vive, são apresentadas aos poucos, mesmo que não diga o seu nome: trabalha em uma repartição pública e mantém um empregado. Amigos? Poucos. Passa dos quarenta, está próximo da meia-idade, mas passou grande parte de sua vida no subsolo. Vejo semelhanças entre esse narrador e Martín Santomé, protagonista de A trégua, do Mario Benedetti (é meu romance favorito e não me surpreenderia uma inspiração direta para Benedetti esse Dostoiévski específico). Também A trégua tem formato de diário, também Martín tem meia-idade e também uma mulher é envolvida na história.
Pois essa é a segunda parte do livro de Dostoiévski. Se na primeira conhecemos o narrador, suas entranhas e cantos mais obscuros e desconfortáveis de maneira filosófica, também é possível considerar essa primeira parte de maneira autoral: é um diário, no fim das contas. A segunda parte é a tentativa de ficção desse narrador. Quem vive em seu próprio mundo adquire a vantagem e habilidade da autoficção. E é aqui, na segunda parte, que conhecemos a juventude e os inimigos imaginários do narrador; sua falta de modos e inconveniência; e sua interação com uma jovem prostituta, Liza, que conhece após uma noite desastrosa; e que chuta, cospe e machuca de todas as formas possíveis, mas é abatido pela passividade e compreensão dela. Apesar de adorar diários, gostei mais da segunda parte do livro, talvez por essa tentativa de romance.
Até o momento, Dostoiévski não vai entrar na minha lista de autores favoritos, preciso de muito mais do que Memórias do subsolo para conhecer o autor e ter uma definição sobre, uma catalogação. Bóris Schneiderman, nascido na Ucrânia, traduziu muitas obras de Dostoiévski direto do russo, assim como outros autores russos conhecidos (e ganhou pr��mio dentro e fora do Brasil por esse trabalho). A edição da 34 é do jeito que eu gosto: páginas amareladas e fonte 14 (enfim, a míope). A escrita de Dostoiévski, pelo menos a partir desse livro, é fria e direta, o que me agradou. Na vida, sou um pouco assim.
Li, em algum lugar, que Freud gostava muito de ler Dostoiévski, e sendo o terapeuta-gato um freudiano que lê literatura russa (e ele tem mesmo cara de quem lê literatura russa), fico feliz que a indicação tenha partido dele.
Inclusive, já nas últimas páginas, há uma cena entre o homem do subsolo e a prostituta Liza, que mais parece uma sessão de terapia pois, momentos após esse trecho, o narrador se atira de bruços justamente contra um divã:
“Acostumara-me a tal ponto a pensar e a imaginar de acordo com os livros, e a representar a mim mesmo tudo no mundo como eu mesmo anteriormente compusera nos meus devaneios, que então nem compreendi imediatamente aquele estranho fato. E eis o que sucedeu: ofendida e esmagada por mim, Liza compreendera muito mais do que eu imaginara. Ela compreendera de tudo aquilo justamente o que a mulher sempre compreende em primeiro lugar, quando ama sinceramente, isto é, compreendera que eu mesmo era infeliz.”
Uma sessão de terapia é um lugar de verdade e entrega. O elefante branco dos temas que fogem ao diálogo pode, no máximo, estar adormecido — mas por tempo limitado. O narrador de Dostoiévski abre as portas de seu subsolo para a mais improvável ouvinte, após anos falando sozinho e adoecido pela incompreensão do mundo quanto as suas questões (nesse ponto, se eu estivesse em terapia, o terapeuta-gato tiraria a seguinte conclusão: “você está falando de você”).
Mas, após a confissão/humilhação do narrador para com Liza, como acontece com todos os amores ou pessoas pelas quais criamos e nutrimos afeto, ela também passa a irritar e se deseja que vá embora. Sobre isso, ele reflete:
“Em primeiro lugar, eu não podia mais apaixonar-me, porque, repito, amar significa para mim tiranizar e dominar moralmente. Durante toda a vida, eu não podia sequer conceber em meu íntimo outro amor, e cheguei a tal ponto que, agora, chego a pensar por vezes que o amor consiste justamente no direito que o objeto amado voluntariamente nos concede de exercer tirania sobre ele. Mesmo nos meus devaneios subterrâneos, nunca pude conceber o amor senão como uma luta: começava sempre pelo ódio e terminava pela subjugação moral; depois não podia sequer imaginar o que fazer com o objeto subjugado. (…) Mas eu mesmo não adivinhara que ela não viera absolutamente para ouvir palavras de piedade, mas para me amar, pois para a mulher é no amor que consiste toda a ressureição; toda a salvação de qualquer desgraça e toda regeneração não podem ser reveladas de outro modo.”
Se Dostoiévski vivesse na era do Twitter e poucos caracteres, é na penúltima página de Memórias do subsolo que melhor descreveria seu livro: “isto não é mais literatura, mas um castigo correcional”. Se eu escrevesse um romance, seria essa frase a epígrafe. Memórias do subsolo caminha rumo ao encontro de alguém que lhe compreenda e, quando enfim acontece, o narrador, talvez confuso por interpretar compreensão como amor, deixa escapar quem se dispôs a ouvi-lo.
Mas o que é a vida se não um jogo fugidio e a vivência de lutos sobre quem ainda está entre nós?
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