Tumgik
jardimkss · 4 years
Text
Da vida ressurreta
Há pouco tempo atrás, compartilhei no IG e no FB o que eu e minha família fizemos em comemoração da Páscoa. Mas acabei não compartilhando nada sobre isso depois do domingo da ressureição.
Nossa comunidade de fé observa o calendário cristão. Então, antes da Semana Santa, a gente já estava mergulhado no tema da morte e da cruz, no lamento pelo pecado e seus efeitos no mundo, no período da quaresma. Desde o domingo da ressurreição, entramos numa nova temporada, num tempo de celebração e profunda alegria, mediante e a ressurreição de Jesus, no triunfo da vida sobre a morte. Este é o período da Páscoa.
Eu sou cristã já faz algum tempo e acreditava na ressurreição. Não numa ressurreição incorpórea, de um monte alma perambulando pelas nuvens, tocando harpa (sabe-se lá como).  Acreditava na ressurreição dos corpos mesmo, mas pensava que a ressurreição tinha seu ponto alto ainda a ser revelado no futuro, com nossos corpos gloriosamente transformados.
É claro que isso é verdade. Mas também é verdade que aqueles que foram crucificados juntamente com Cristo foram também ressuscitados com ele para a vida, para viver em e no poder do Cristo ressurreto. E isso não tem a ver só com a vida futura, mas com a vida no tempo presente, aqui e agora. Significa viver anunciando o reino de Deus, agir em anúncio da obra redentora de Jesus, pois ele não veio só salvar almas, mas restaurar todas as coisas!
Um parêntese (que não é bem um parêntese). Tem mais ou menos uma semana que meu filho passou a notar o lixo na rua e a me imitar quando vê algum pela rua. Ele diz: “mamãe, que dó, lixo sujo”. Neste período de quarentena, saio com ele uma vez ao dia, para dar uma volta no quarteirão. A gente vê flores, borboletas, passarinhos, placas, galhos, pedras e lixo. Impactada pela meditação sobre a ressurreição e pensando sobre como dar testemunho da esperança para o meu filho, hoje saímos com luva e sacolinha na bolsa. Pedi a ajuda dele para encontrar os lixos durante o passeio, e ele se saiu super bem na tarefa. Não deixou passar batido nenhum. Enchemos nossa sacolinha e descartamos depois na cesta de lixo. Enfatizei que a gente estava cuidando da criação de Deus.
Foi um trabalho aparentemente simples (alguém talvez até diga que com impacto quase zero no mundo). Mas quero afirmar que de forma alguma foi banal a um coração que está sendo transformado pelo poder do Espírito e aprendendo a, de fato, viver. A propósito, nenhum trabalho, feito no Senhor, é vão. A vida ressurreta tem sentido não apenas após a morte, mas também antes dela. Somos chamados a ser abundantes em obras sob o poder renovador de Jesus Cristo.
“Se é verdade que o mundo inteiro é a terra santa de Deus, não podemos descansar enquanto assistirmos essa terra sendo explorada e desfigurada. Não se trata de um trabalho “adicional” ou um acréscimo à missão da igreja, mas de uma tarefa fundamental” (N. T. Wright, Surpreendido pela Esperança, p. 280).
2 notes · View notes
jardimkss · 4 years
Text
“... Não teremos onde enterrar nossos mortos”
Eu já fui fortemente ferida pela morte quando a minha irmã morreu. Já perdi outras pessoas queridas pelo caminho. Lido com o luto pessoalmente. Profissionalmente também lidei com o tema da morte. A morte foi tema de meus trabalhos acadêmicos, dos grupos de estudo que já organizei e, recentemente, mesmo temporariamente afastada das atividades como psicóloga, sigo os estudos no campo da Tanatologia e dos Cuidados Paliativos. Além disso, sou casada com um profissional de saúde, que tem a morte como companheira de trabalho.
.
Estou falando tudo isso só para dizer que eu não trato o assunto de forma leviana, irrefletida. Eu levo muito a sério a dor, o sofrimento, a morte e o luto. E sinto muitíssimo quando escuto que “o Brasil não pode parar”. Eu compreendo que os problemas que o Brasil enfrenta são complexos e que, por isso, não temos “a solução”. Entendo que o enfrentamento de nossos problemas carece do comprometimento de vários atores: governo, empresas e outras instituições, sociedade civil, eu e você, como cidadãos.
.
Quero chamar atenção para a frase que abre este texto, que li nos últimos dias: “Não teremos onde enterrar nossos mortos”. Estamos vendo isso acontecer em outros países e, enquanto não considerarmos o isolamento social como a medida mais cabível diante da expansão da contaminação por coronavírus, este é o cenário que nos aguarda. Gente morta, a gente querida de alguém, talvez a sua gente querida, entulhada num caminhão ou em qualquer outro lugar. E essa gente morta não será velada, sequer enterrada – seus enlutados não terão condições mínimas para lidar com o rompimento de um vínculo.
.
Nós acompanhamos o caso recente de Brumadinho. O pranto coletivo de uma cidade inteira marcada pela morte repentina. Gente que ainda gostaria que fosse encontrado qualquer pedaço de resto mortal de sua pessoa amada. Gente que gostaria de, ao menos, fazer um enterro digno. Gente que foi privada do ritual que segue a morte e, agora, sofre sintomas debilitantes e incapacidade funcional, enfrenta dificuldade para seguir adiante. Estão envolvidos num processo que chamamos de “luto complicado”. Você pode olhar para o que aconteceu com o caso de Brumadinho para vislumbrar a severidade dos efeitos da morte por coronavírus, se a gente não conter a sua propagação.
.
O luto mal elaborado já é considerado um problema de saúde pública no Brasil. Não esteja entre aqueles que preferem “pagar pra ver”. Já temos condições (mais que suficientes) para prever os efeitos do luto complicado ou patológico, que estarão indissociáveis da forma da morte, da impossibilidade de chorar os mortos, da interseção de muitos eventos estressantes, da sobrecarga de perdas e da ameaça constante da morte.
.
Reforço o apelo: FIQUE EM CASA!
2 notes · View notes
jardimkss · 4 years
Text
O descanso como prática de fé
A peregrinação do povo de Deus no deserto volta e meia fala comigo. Talvez seja porque os desertos façam parte da vida. É mesmo inevitável na terra dos viventes. Mas, olha, embora eu conheça essa história há mais de 20 anos, tem um aspecto novo. Ler a Palavra de Deus tem dessas coisas. Sempre tem novidade, é uma fonte abundante!
A última novidade, que tem mexido com minhas práticas de fé, é o trabalho para o descanso. Sim, o trabalho para o descanso. Se você conhece a história, deve se lembrar que Deus instituiu o dia do descanso. Deus mandava maná fresco todos os dias e os israelitas deviam colher a porção que lhes cabia. Para o sexto dia da semana, Deus ordenou que o povo colhesse o dobro da medida. O povo devia colher e comer uma parte e guardar outra parte para o dia do descanso, o Sábado do Senhor. E Deus cuidava de preservar o maná fresco até o dia seguinte.
Veja só. Já que na sexta-feira o povo colhia mais maná, isso significa que havia um dia em que o trabalho era maior. Um dia o povo trabalhava mais e, no sábado, descansava, não se ocupava de buscar o alimento, mas se lembrava de que Deus é o Deus que provê, aquele que tudo supre. Perceba que o descanso não era mera ociosidade, mas um lembrete das obras de Deus.
Quando estive em Israel, soube que a tradição de guardar o sábado ainda era preservada por muitas famílias. A comida ficava preparada desde o dia anterior, famílias mais ortodoxas chegavam até a picar o papel higiênico para deixar tudo preparado para o dia do descanso. Olha só mais uma curiosidade: no hotel que ficamos em Jerusalém, no sábado, o elevador ficava programado para parar em todos os andares, para que o Shabat não fosse transgredido.
Sei que isso pode causar muita estranheza na gente, até porque vivemos num contexto de muito ativismo, em que o descanso parece meio descabido. É desafiador tirar um tempo para o descanso, tanto pra quem trabalha fora como pra quem trabalha em casa, pois somos impelidos (por forças internas e externas) à produtividade o tempo inteiro. A gente mal consegue tirar um tempo para um renovo físico e mental, quem dirá lidar com o descanso como algo espiritual, uma prática de fé.
Talvez não cheguemos a picar o papel higiênico, mas nós precisamos aprender a prática do descanso e preparar o nosso coração para isso. Nossa vida não pode ser orientada apenas pelo ritmo do trabalho, pois o próprio Deus incluiu o descanso nos nossos dias. E o descanso, para nós que cremos no Senhor do Sábado, é uma marca da liberdade para qual fomos chamados. Sim, pois não somos escravos de faraós modernos, na busca por dinheiro, status ou qualquer outra coisa. Somos servos de Jesus, aquele que diz:
“Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e acharei descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mateus 11.28-30).  
Eu ainda estou aprendendo sobre o significado do descanso, sobre como descansar diz respeito à minha fé (ou falta dela). Uma implicação prática nos meus dias tem sido cozinhar e congelar algumas refeições para que, no tempo dedicado ao descanso, eu não me ocupe com o preparo das refeições. É só levar ao forno a comida e pronto. Posso dar testemunho da providência de Deus para que eu consiga me organizar para isso.
Mas, olha, nem sempre consigo deixar tudo organizado, a casa e as tarefas todas em ordem, para, enfim, descansar. Quem tem filho pequeno também pode dizer como é raríssimo ter tudo em ordem e poder dizer “Ufa! Acabei!”. E... Quer saber? Isso tem sido maravilhoso na minha vida! Sim, maravilhoso para me ensinar que o meu descanso não acontece porque eu acabei o trabalho, porque fiz tudo direitinho, mas porque eu confio em Deus e nas palavras de Jesus, na cruz: “Está consumado”. Eu posso descansar porque, como diz o salmo, aquele que me guarda não cochila e nem dorme, e a sua obra é suficiente para me fazer entrar no gozo do Senhor!
4 notes · View notes
jardimkss · 5 years
Text
1 note · View note
jardimkss · 5 years
Text
1 note · View note
jardimkss · 5 years
Text
1 note · View note
jardimkss · 5 years
Text
1 note · View note
jardimkss · 5 years
Text
1 note · View note
jardimkss · 5 years
Text
0 notes
jardimkss · 6 years
Photo
Tumblr media Tumblr media Tumblr media Tumblr media Tumblr media Tumblr media Tumblr media
Chuva, período de férias e bebê em casa. O que fazer? Separei algumas brincadeiras fortemente aliadas ao desenvolvimento das capacidades intelectuais da criança. Vasculhem a casa e encontrem materiais de uso criativo para aprender e divertir!
1 note · View note
jardimkss · 6 years
Photo
Tumblr media
“Se é triste sentir saudade, muita saudade de alguém, maior infelicidade é não tê-la de ninguém”
Há alguns anos, conheci o pequeno poema português nos lábios de Gerson Borges, antes de cantar “Sobretudo quando chove”, no programa Plataforma. Especialmente depois que a minha irmã se foi, as breves palavras ganharam profundidade e passaram a me inspirar.
A saudade é triste, sem dúvida, e tantas vezes dilacera o coração, desfigura o semblante e faz pesar as pálpebras pelo muito chorar. Mas, como o autor, penso que maior é a infelicidade de não ter muita saudade de alguém, pois a saudade é a memória de quem amou. Quem amou pouco não pode sentir muita saudade.
Ainda que a saudade seja triste, ela é também terna. Um cheiro, uma música, um certo tipo de tarde, os risos, a companhia, o abraço, a chegada, um bilhete, uma passagem, um toque, a hora do cochilo, a comida, o encontro no ponto de ônibus. É o tipo de coisa que habita a saudade. Dói. Dói muito, porque houve amor, porque houve partilha. Nisso está a ternura.
Quando há amor, inevitavelmente há a possibilidade da saudade. Não é possível estar a salvo da saudade quando se ama. Só não está para a tristeza da saudade quem não corre os riscos de amar. Mas, esse, eu asseguro, é um risco que vale a pena enquanto estivermos vivos.
2 notes · View notes
jardimkss · 6 years
Photo
Tumblr media
É fim de ano! Época de confraternização com o pessoal do trabalho, de fechamento de ciclos, de celebração com amigos, das típicas reuniões de família, de comilança e bebedeira, de atualizar as redes sociais com fotos festivas! Daqui a pouco vai estar todo mundo posando de branco no Instagram, fazendo um brinde ao novo ano. Vez por outra, também é quando algumas pessoas fazem um balanço do ano que passou.
O curioso é que nesta mesma época de festividade as tentativas de suicídio aumentam, especialmente entre jovens adultos. Uma explicação precipitada pode sugerir que a causa seja justamente o período festivo, que escancara o abismo entre o clima de festa e o caos interior. Mas isso é só a gota d’água.  
A tentativa de suicídio nunca é decorrente apenas do momento atual; está relacionada à história de vida e aos aspectos biológicos, psicológicos, sociais e espirituais. Os pensamentos suicidas são habitados pela desesperança, sensação de abandono, por vínculos afetivos pobres e frustrantes, pela sensação de vazio e pela falta de sentido. O ponto central é a dor, dor tão intensa de viver que turva os olhos para a vida. A morte ganha uma face sedutora e o seu beijo é a promessa de acabar, de uma vez por todas, com o sofrimento insuportável.
Muita gente, em algum momento da vida, chegou a pensar que o melhor seria desaparecer, sumir do mapa. Sem esperanças, desanimados, cambaleantes, com o semblante transtornado, muitos de nós pensamos em morrer. Ainda assim, qual de nós não viveu alguma experiência em que valeu a pena estar vivo? Depois de passadas as calamidades ou até em meio a elas, qual de nós não pôde se regozijar, ainda que brevemente, com o nascimento de um bebê, um encontro com um amigo, uma ligação, um bilhete, uma paisagem bonita, a conclusão de um curso?
Não sabemos exatamente o quanto ainda nos resta para viver, como serão os dias por vir, os encontros que ainda podemos ter, os lugares para conhecer, as causas para se dedicar, as lutas pelas quais lutar, as pessoas para amar. Não sabemos quase nada sobre o dia de amanhã, sobre o que o dia de hoje vai declarar ao dia que ainda vai amanhecer. Por isso, talvez, seja sempre precipitado fazer do suicídio um julgamento final sobre a vida. Eu acredito que sempre há vida querendo viver!
2 notes · View notes
jardimkss · 6 years
Photo
Tumblr media
Quando estamos expostos a pressões internas e externas, muitas vezes agimos automaticamente, sem pensar ou refletir, cedendo aos impulsos emocionais. A isso chamamos de reatividade emocional.
Pessoas com alta reatividade emocional tendem a não equilibrar pensamento e sentimento; a não se conter; a agir impetuosamente, submetendo-se ou desafiando os outros; a não considerar e analisar sua responsabilidade como participante ativo nos sistemas de relacionamentos.
A reatividade emocional frequentemente torna penosa a convivência com as pessoas ao redor. São emitidas mensagens conflitantes (as palavras não condizem com que se transmite); há dificuldade para adaptar as interpretações ao contexto presente; os significados das mensagens não são checados; há uma ideia de que tudo emocionalmente é endereçado a ela; o outro não é legitimado na convivência; todos são culpados, exceto ela mesma, pelos problemas.
Quando somos capazes de ver o papel que desempenhamos nos processos interpessoais, ampliamos nossa capacidade para manejar as confusões emocionais. Nesse caminho, é preciso aprender a falar com clareza; demonstrar congruência entre as informações nos níveis verbal e não-verbal; ver e ouvir, distinguindo o que é seu e o que é do outro ou do grupo; verificar se o que entendeu condiz com o que a pessoa pretendia veicular e se o que quis dizer foi o que o outro entendeu; dizer o que sente e pensa, em vez de dizer o que os outros estão fazendo (por exemplo, em vez de dizer “você não me dá atenção”, dizer: “eu gostaria de passar mais tempo com você”; ou, em vez de dizer “você é muito bagunceira”, dizer: “eu gostaria que você me ajudasse a manter a casa organizada”).
Desenvolver essas capacidades não é um exercício banal. Assumir uma posição pessoal em vez de acusar, refletir em vez de agir impetuosamente, assumir responsabilidades em vez de culpar só os outros, aprender a conversar, são formas de romper com o ciclo de reatividade emocional, de criar espaço para diálogo, de cultivar encontros mais nutridores, de crescer em sabedoria e prudência. É aprender a viver.
3 notes · View notes
jardimkss · 6 years
Photo
Tumblr media
Eu não quero dar trabalho!
Embora muita gente diga “eu não quero dar trabalho” ou “eu não quero ser um fardo pra ninguém”, essa não é exatamente uma escolha. Há uma estimativa que 9 de 10 pessoas vão dar trabalho antes de morrer. Isso significa que apenas 1 pessoa em 10 vai morrer de morte súbita ou dormindo (que é o tipo de morte mais idealizado atualmente) e que 9 vão morrer depois de um processo de adoecimento por uma doença incurável.
Só não dá trabalho quem morre cedo. Aliás, nem a juventude é garantia de não dar trabalho, afinal, viver envolve o risco de adoecer.
Já que viver nos coloca sob o risco de adoecer, podemos afetar o curso do adoecimento de alguma maneira? Se estamos todos sujeitos ao adoecimento, mesmo aqueles que vão ao médico e fazem exames periodicamente, que diferença faz o modo como vamos viver? Se a maioria de nós vai dar trabalho, que tipo de pessoa cuidada queremos ser?
Ainda que o adoecimento tenha algo de incontrolável, há maneiras de afetar a evolução da doença, através de uma vida de alimentação saudável, exercício físico, práticas de fortalecimento mental, meditação e contemplação. Esses são recursos disponíveis que preparam o corpo e a mente para enfrentar as adversidades.
Se dar ou não trabalho não é uma escolha, se tornar uma pessoa agradável de ser cuidada é. Para caminhar nessa direção, é preciso desde já aprender a oferecer e receber afeto dos outros, ser vulnerável para amar e ser amado, ser generoso com as palavras e cuidar de seus relacionamentos. Cultivar cada uma dessas coisas traz um ganho incalculável, que é ter uma pessoa por perto e exercendo cuidado, não por obrigação, mas por amor e por escolha.
2 notes · View notes
jardimkss · 6 years
Text
O paciente oculto
Muita coisa muda quando uma pessoa enfrenta o processo de adoecimento. Atividades que antes exigiam pouco esforço passam a ser cansativas; o corpo sofre limitações; a vida profissional é alterada ou interrompida; em alguns casos, a pessoa experimenta dificuldade de comunicação, locomoção, de realizar cuidados de higiene; a necessidade de hospitalização reduz ou quebra relações sociais, familiares e de trabalho; a pessoa pode ficar exposta a tratamentos dolorosos e invasivos; e muito mais.
Todas essas mudanças nunca afetam somente a pessoa enferma, elas exigem novas formas de adaptação da família. No caso de doenças graves e crônicas, aqueles que estão sempre presentes têm suas vidas transformadas e organizadas pela nova condição e abrem mão de muitas coisas para acompanhar o doente. Eles são constantemente demandados; têm   a rotina alterada; seus projetos são reestruturados; precisam arcar com despesas fora do orçamento; são responsáveis por tomar decisões difíceis; lidam com o sentimento de impotência e frustração; percebem a proximidade da morte do ente querido.
É evidente que os cuidadores também precisam de cuidado, de relação de cooperação e ajuda. No entanto, é muito comum que o cuidador principal tenha dificuldade de expressar o seu sofrimento, por acreditar que estaria “desviando” o cuidado de quem mais precisa. Muitas vezes, a proximidade com o doente o faz acreditar que não há quem possa substituí-lo e, ainda, o envolve num sentimento de culpa, caso não esteja o tempo todo ao lado. Além disso, pode assumir tão intensamente o papel de cuidador, que se sente ameaçado pela possibilidade de não poder desempenhar suas funções e por não saber onde investir sua energia e quais são seus interesses.
A sobrecarga dos cuidadores, especialmente do cuidador principal, pode levar ao adoecimento e colapso físico, psíquico e espiritual. É por isso que os chamo de “paciente oculto”. Insisto em dizer: quem cuida também precisa de cuidado (inclusive, para continuar cuidando). Isso requer o revezamento dos cuidados com outros membros da família ou amigos, e também o reconhecimento dos sentimentos; a possibilidade para poder falar sobre as expectativas em relação ao tratamento, sobre as angústias e ansiedades que passam; legitimar o sofrimento; permitir o riso na intermitência das lágrimas; momentos de quietude; um passeio em comunhão com a natureza; ver novos cenários, outros rostos; descanso.
1 note · View note
jardimkss · 6 years
Text
Ser amado é ser sempre vulnerável
Desde que li Os quatro amores de C. S. Lewis, uma frase ressoa em mim: “Amar é ser sempre vulnerável”. Enquanto os dias avançam, minha compreensão sobre os riscos e perturbações do amor vai se aprofundando, fazendo reverberar novos sentidos.
Recentemente, a luz que penetrou o meu coração me fez enxergar que ser amado também é ser sempre vulnerável. Isso aconteceu em meio a situações tempestuosas e desorganizadoras. Familiares e amigos descobriram problemas de saúde, nosso carro foi batido duas vezes, tivemos grande parte do nosso material de trabalho furtado, nosso banheiro ficou encharcado por uma infiltração, o disjuntor da nossa casa deu problema, caí num golpe de ligação e até nossa máquina de lavar estragou. Tudo isso em menos de um mês.
Quando nossa máquina estragou, compartilhei com alguns amigos sobre o que tinha acontecido (aliás, sobre o que estava acontecendo) e sobre como nós estávamos desgastados. Nossos amigos se dispuseram a lavar as nossas roupas e combinamos um dia para deixar nossas trouxas por lá. Quando fomos buscar, ficamos surpreendidos pela generosidade de nossos amigos. Nossas roupas não estavam somente lavadas; cada peça estava passada. Como fui inundada de gratidão naquele dia!
Sei que não poderíamos desfrutar da benevolência de nossos queridos, se não fizéssemos conhecida a nossa necessidade. Não poderíamos receber aquela expressão de amor se estivéssemos supridos. Ampliando o olhar a partir dessa experiência, percebo que a possibilidade de ser amado se apresenta quando estamos, de algum modo, vulneráveis. Quando tornamos conhecidas as nossas faltas, privações e fraquezas, corremos o risco de sermos amados, cuidados e de conhecer as riquezas dos outros.
2 notes · View notes
jardimkss · 7 years
Text
Uma linguagem para os aflitos
Já repararam que nas biografias de artistas as perturbações da mente são muito comuns? Que boa parte deles preferia a companhia das palavras de poetas mortos do que de gente? O que tornava a presença de versos e prosa, romance e canções mais desejáveis do que as pessoas? A partir disso, o que podemos aprender sobre a lida com as aflições da alma?
Quem já teve a alma afligida sabe que palavras precisas, definições cruas ajudam muito pouco o coração aflito. Além disso, quase nada dizem sobre como cada pessoa experimenta o sofrimento. Descrever, por exemplo, sintomas físicos, como taquicardia, sensação de sufocamento, suor excessivo, não diz do mistério e do que há de incalculável numa crise de ansiedade. O lugar-comum, estereotipado, só faz desnudar a ignorância perante as aflições.
Há um tipo de linguagem mais sensível para os aflitos, a linguagem metafórica. Ela não atua como uma pintura realista ou uma câmera fotográfica, não tem a pretensão de oferecer uma cópia fiel daquilo que os aflitos experimentam com todo o seu ser. As figuras de linguagem tampouco funcionam como explicações; são como janelas, abertas para nuances, que convidam um olhar atento e uma postura reflexiva.
           No livro “A depressão de Spurgeon”, Zack Eswine escreve:
“Sem isso [sem a metáfora], oferecemos band-aids para ossos quebrados e loção tópica para hemorragia interna. Descrevemos em tons pastéis a chocante respiração cinza de uma ofegante ansiedade” (p. 99).
           Se queremos encontrar uma linguagem adequada às nossas angústias, penso que devemos reconhecer o dom das metáforas. Se pudermos caminhar ao lado de um sofredor, devemos aprender a apreciar expressões metafóricas. Não pressupor saber sobre as aflições do outro, mas, talvez, perguntar “o que essas palavras significam para você?”. Esteja interessado em conhecer o universo do outro. Deixe que a linguagem para os aflitos te ensine a caminhar.
2 notes · View notes