007. SURUGA MACACO
Conto: Suruga Monkey—Bakemonogatari 01
Fonte: Bakemonogatari 02—Vertical
Tradução: Arthur—twitter.com/Juranzab
Entre todas as tralhas que encontrei no quarto de Kanbaru (desde latas de refrigerante, copos de macarrão instantâneo até revistas eróticas), houve algo que chamou minha atenção: uma antiga caixa feita de Kiri. [1] Ela estava um pouco danificada, com algumas arranhaduras—Acredito que devido ao descuido que Kanbaru tinha com ela—E desbotada—Este acredito que era devido à idade. Ela parecia conter algo importante, como um vaso ou alguma peça de arte. Algo nada anormal, principalmente quando levado em consideração o quão glamorosa era a casa japonesa que eu estava.
Mas, quando eu a abri, não vi nada dentro.
Não sabendo o real valor dela, acabei a colocando sobre algumas caixas de papelão e voltei à faxina. Mas quando fomos falar sobre o ocorrido da noite anterior, Kanbaru se levantou, pegou a caixa e a colocou entre nós. Após isso, ela me perguntou o que havia dentro dela. Um vaso? Eu respondi.
“Então até você é capaz de errar... Sinto muito se isso soar rude, mas estou aliviada. Acho que essa foi a primeira vez que vi um semblante de sua humanidade.”
“…Então o que tinha?”
“Uma múmia,” respondeu Kanbaru. “Uma mão esquerda mumificada.”
“......”
A primeira vez que ela a utilizou foi durante o fundamental. Ela a recebeu de sua mãe a oito anos atrás, quando ainda estava na terceira série.
Essa também parece ter sido a última vez que Kanbaru a viu.
Poucos dias depois de receber a caixa, seus pais sofreram um acidente no meio da estrada. Uma coincidência realmente incrível, até parece que a mãe dela sabia que isso ocorreria. Kanbaru me disse que tudo isso aconteceu enquanto ela estava em uma aula de matemática. Eles morreram devido um capotamento, o carro acabou pegando fogo, deixando o corpo dos dois em um estado indescritível.
Depois que isso aconteceu, Kanbaru foi levada para morar junto de seus avós. Levada para casa japonesa que atualmente nos encontrávamos.
Devido ao casamento conturbado entre seus pais—Enquanto seu pai tinha vindo de uma família extremamente tradicional, sua mãe era de um mundo nem um pouco usual, fazendo com que os dois tivessem que se casar sem o consentimento de suas famílias—Kanbaru teve que viver a sós com eles. Eu achava que esse tipo de coisa não ocorria mais, mas ela me disse que isso era mais comum do que eu imaginava.
“Minha mãe sofreu muito por causa disso e meu pai acabou tendo todos os laços com sua família cortados. Tanto que eu só fui conhecer meus avós no enterro dos meus pais. Eu não sabia o nome deles e eles não sabiam o meu. Me lembro que essa foi a primeira coisa que perguntaram.”
“Huh...”
“Mas não precisa se preocupar, esse tipo de coisa acontece...”
Inundado em cima e queima embaixo. [2]
E mesmo seus avós ainda tendo desavenças com sua mãe, Kanbaru ainda era a filha única de seu filho, ou seja, sua neta. Então cuidar dela era a coisa normal a se fazer. E foi assim que Kanbaru saiu da cidade na qual viveu toda sua vida. E, como esperado, também teve que mudar de escola.
Mas ela acabou não conseguindo se adaptar ao seu novo ambiente.
“O jeito que eu falava era diferente. Eu posso falar assim agora, mas naquela época era bem mais puxado para o dialeto de Kyushu [3], talvez como forma de nos afastarmos ainda mais daqui. Eu não diria que sofri bullying..., mas as crianças zombavam da maneira que eu falava, então acabei não conseguindo formar nenhuma amizade.”
“Hum... então você não estudava na mesma escola que a Senjougahara?”
“Isso, só fui conhecer ela durante o fundamental II.”
“Certo.”
Faz sentido. Ela provavelmente não devia conhecer a Hanekawa também.
“Bem, eu também não colaborava muito. É óbvio agora, depois de tanto tempo, mas a morte dos meus pais me abalou tanto que acabei criando um tipo de muralha ao meu redor. E se você não trata os outros com gentileza, é de se esperar que eles te tratem da mesma forma. E mesmo meus avós tendo jogado fora todas as recordações daquele tempo, eu continuava perplexa. Pensando bem, é como se eles quisessem que eu não tivesse nenhuma relação com meus pais.”
“Dito isso,” falou Kanbaru, “eles são ótimas pessoas e eu realmente os respeito. Também sou muito grata por terem cuidado de mim por todo esse tempo, mas eu realmente não consigo entender essa relação que eles têm com meu pai e minha mãe.”
É, tempo demais já se passou para aquilo ser uma mera discordância.
Fazendo com que as únicas lembranças que Kanbaru tinha de seus pais fossem suas memórias e aquela caixa de Kiri.
Ela estava bem fechada, porém ninguém a disse que era proibido abri-la.
Mas havia outra coisa além da mão mumificada—A qual chegava até o pulso naquela época—Uma carta escrita por sua mãe, ou melhor, um manual de instruções. Nele dizia que a múmia era um objeto que realiza desejos, qualquer desejo. Mas que ela pode realizar apenas três deles.
Ela já estava na quarta série e tinha seus nove a dez anos, mas esse não é o ponto que quero chegar, o que realmente importa é algo que ocorre por volta dessa idade. É nessa faixa etária que as crianças começam a duvidar de coisas dessa origem. Assim criando dois grupos: aqueles que dizem acreditar, mas que tem suas dúvidas e aqueles que dizem não acreditar, mas que também tem suas dúvidas; nem mais nem menos. Mas talvez essa seja apenas uma concepção da minha e das antigas gerações... Bem, não me lembro de acreditar em algo como o Papai Noel quando tinha essa idade, mas talvez eu acreditasse nos apetrechos que apareciam nos desenhos.
Mas enfim, Kanbaru estava nessa dicotomia. Em outras palavras, ela tinha dúvida se funcionaria ou não. E assim como você usaria aqueles amuletos que dizem trazer sorte, ela fez, casualmente, um desejo à mão mumificada.
Não importava qual fosse o primeiro
Isso era igual aqueles amuletos.
Ela só estava fazendo por fazer.
“Mas eu já sabia o que pediria se o primeiro fosse realizado.”
É claro que ela sabia, até eu sabia, seria algo envolvendo os pais dela, não é?
Pedindo que eles voltassem à vida ou algo assim, né?
Eu quero ser mais rápida.
Essa foi a primeira coisa que Kanbaru desejou à múmia. Ela aparentemente era bastante lenta... e isso, juntamente com seu modo de falar, contribuía para que ela fosse zombada pelas outras crianças. Talvez alguém daquela idade não considerasse um sotaque diferente como algo digno de chacota, mas ser lento certamente era. E parece que estava perto de haver uma gincana na escola dela, sendo “corrida a pé” uma das modalidades. Pensando que sua reputação poderia mudar se vencesse a corrida, Kanbaru fez seu primeiro desejo.
“Não era questão de ter reflexos lentos ou algo assim, eu chegava a tropeçar enquanto andava.”
“Huh...”
E agora a estrela do nosso time de basquete.
“...Espera, então...”
“Quem dera...” disse Kanbaru. “Na verdade, eu acabei tendo um sonho na mesma noite. Ou melhor, um pesadelo. Nele, vi um monstro encapuzado puxando algumas crianças de suas camas e as atacando com sua mão esquerda.”
“......”
“Tenho certeza que você já deve saber onde quero chegar... Na manhã seguinte, quando fui para o colégio, quatro estudantes tinham faltado, todos eles iriam participar na mesma corrida que eu.”
Segundo a lenda, A Pata do Macaco realiza os desejos de quem a possui.
Mas, segundo a lenda, ela os realiza de uma forma inesperada para o portador.
“Fiquei horrorizada. Em pânico, corri para biblioteca para saber o que aquela mão mumificada era. E foi quando encontrei o livro ‘A Pata do Macaco’, de William Wymark Jacob. Senti um calafrio por todo meu corpo ao pensar o que poderia ter acontecido se eu tivesse pedido o segundo desejo primeiro. Felizmente não houve nada grave, mas eles certamente poderiam ter morrido.”
Kanbaru, então, colocou a múmia de volta na caixa, a selou ainda mais e a colocou no fundo do seu armário. Não haveria um segundo ou terceiro desejo. Ela só queria esquecer de tudo aquilo.
Mas, não importa o que fizesse, ela não conseguia esquecer.
Mesmo com o acidente, a gincana não foi cancelada. Fazendo com que Kanbaru tivesse que ser colocada em outro grupo.
Agora havia cinco pessoas, ela teria que correr contra outras cinco pessoas.
“O que você acha que fiz?”
“......”
“O que você acha que eu deveria ter feito?”
O que quer que eu pensei, se ela sentou e não fez nada, as consequências eram óbvias: aquilo iria se repetir de novo e de novo. Normalmente, para sair dessa situação, seria necessário fazer outro desejo à Pata e pedir que ela anulasse o primeiro. Mas agora que Kanbaru descobriu o que a múmia era, ela estava com medo. A Pata realiza desejos, mas de uma forma inesperada para o portador, e ela não sabia como esse pedido seria realizado.
E é por isso que Kanbaru correu.
Correu, e correu, e correu.
Ela era lenta, então, se esforçou até que ficasse rápida.
“Minha única opção foi realizar meu desejo por conta própria, assim a Pata não teria um motivo para atacar as outras crianças. E felizmente comecei a pegar o jeito da coisa—Não havia nenhuma questão física que me impedia, como ser acima do peso ou ter uma perna ruim—Então apesar de eu não ter ficado rápida da noite para o dia, aquilo certamente me ajudou a conseguir o primeiro lugar na corrida. Demorou um pouco, mas finalmente consegui fazer amizade com meus colegas de classe.”
Assim foi como Kanbaru fez seu primeiro desejo virar realidade. Mas, mesmo depois da gincana, ela não parou de treinar. Dizer que ela é talentosa desde o princípio seria um ultraje. Seu esforço chegou ao ponto de chamar a atenção de vários times de atletismo quando ela entrou na sexta série.
Já que Kanbaru não sabia a “validade” de seu desejo, ela não podia arriscar entrar em algum time, afinal havia a chance de ter alguém mais rápido que ela. Talvez ele tenha “vencido” no momento que ela conseguiu o primeiro lugar na corrida, mas também era possível que ele durasse para sempre. E essa incerteza a enchia de medo.
Kanbaru sabia que não prestava para corridas de longas distâncias. Ela me disse que a gincana foi fácil porque quase ninguém estava competindo seriamente, mas que isso mudaria no fundamental II e ensino médio. Se encontrasse alguém um pouco mais veloz que ela, todo seu esforço teria servido de nada.
Talvez esse tenha sido o motivo dela ter entrado no time de basquete. Enquanto estivesse dentro da quadra, não haveria ninguém mais rápido que ela.
“Bem, desistir de entrar em algum clube e parar de praticar esportes também era uma opção, porém eu não só precisava ficar em boa forma, por questão de precaução, mas o esporte também servia como uma válvula de escape para mim. Eu tinha a sensação de que morreria se não fizesse nada. Algumas pessoas me chamam de esportista, mas a verdade é que não sou motivada por nada além de medo.”
Mas ela acabou gostando, ela descobriu que jogar basquete era divertido.
Sua velocidade—A qual pensava como apenas uma forma de fugir da Pata—Finalmente podia ser usada de forma positiva. Finalmente usada para um objetivo concreto.
Foi assim que Suruga Kanbaru virou a estrela do time de basquete, e também foi como conheceu Hitagi Senjougahara.
“Ela era a estrela do time de atletismo... e graças a minha reputação de ser bastante rápida, ela foi me ver. Talvez ela já tenha esquecido... e mesmo que se lembre, é bem provável que não pense nada sobre, mas foi ela a primeira a vir falar.”
“Huh...”
Que inesperado. Mesmo que estejamos falando da Senjougahara de antigamente, eu não estava esperando que esse fosse o caso.
“Ela me convidou para uma corrida de cem metros, até disse que não precisava ser algo oficial. Me senti horrível em ter que rejeitar o pedido dela. Ela era mais velha e tão linda. Acho que não foi amor à primeira vista, mas eu já estava apaixonada poucos dias depois de ter começado a conversar com ela. Comecei a querer passar mais tempo com ela. Era terapêutico ficar perto dela.”
“Terapêutico”, essa palavra era tão distante da atual Senjougahara quanto Plutão é do Sol, mas pelo tom que Kanbaru estava falando, parece mesmo que a Senjougahara pôde fazer com que ela esquecesse da caixa, do acidente com seus pais e da múmia.
Kanbaru finalmente conseguiu esquecer o que tanto queria.
“Mas é claro que aquela não foi a última vez que tive vontade de usá-la, a tentação nunca me deixou, ela sempre esteve no meu subconsciente. A maioria das vezes eu sentia em algum momento um pouco desesperador. Como quando tive que jogar contra um time extremamente forte, quando briguei com um dos meus amigos, antes de fazer a prova de entrada do Colégio Particular Naoetsu ou... quando a Senjougahara me rejeitou.”
Mas, todas essas vezes, ela se controlou.
Todas essas vezes, ela realizou sua vontade por conta própria.
Ou, às vezes, desistiu de realizar sua vontade.
Kanbaru já havia compreendido o motivo de ter recebido a caixa de sua mãe, ela queria que sua filha virasse alguém que resolveria seus problemas por conta própria. E diferente do que A Pata do Macaco presente no livro queria ensinar, que as pessoas deveriam simplesmente aceitar os seus destinos, sua mãe queria que ela crescesse em alguém que alterasse o destino com suas próprias mãos. A múmia parece ser um tipo de herança da parte materna de sua família. Essa mesma lição vem sendo passada de geração em geração.
Ela não nasceu com sua inteligência e aptidão atlética, ela os conseguiu por meio de suor e lágrimas. E ela sempre teve plena ciência disso.
Então, mesmo podendo resolver o segredo da Senjougahara se pedisse à Pata, ela, quietamente, se distanciou dela.
Ela desistiu de estar ao seu lado.
Desistiu de segurar sua mão, de beijar os seus lábios.
Se Senjougahara pedisse que ela morresse, ela faria sem pensar duas vezes.
Kanbaru me disse isso com clareza, com firmeza.
Ela tentou esquecer algo que nunca queria esquecer.
Mas, não importa o que fizesse, ela não conseguia abandonar aqueles sentimentos que tinha por Senjougahara.
“E foi por volta de um ano depois que eu ouvi falar sobre você. Descobri que ela agora estava namorando. E foi ao seu lado que a vi fazendo um sorriso que eu nunca tinha visto antes...”
Aquele foi o meu limite... disse Kanbaru.
Ela não se lembra quando abriu o armário, quando retirou a caixa dele, quando a abriu ou sequer quando fez o desejo, ela nem mesmo parou quando viu que, agora, a Pata chegava até o cotovelo. Ela só consegue se lembrar do pavor que sentiu quando percebeu que seu braço tinha virado a de uma fera.
“...Então é por isso que você começou a me seguir. Parando para pensar, você sempre perguntava se algo de estranho tinha ocorrido comigo nos últimos dias.”
Então ela não estava tentando puxar assunto.
Nem tentando espiar o que a Senjougahara estava fazendo. E mesmo provavelmente não querendo sair em público com o braço daquele jeito, ela foi ao colégio por estar preocupada comigo—Alguém que nem conhecia direito...
Mas, quatro dias depois de ter começado a me seguir—Na noite do quarto dia—Ela teve um pesadelo.
Nele, um monstro encapuzado me atacava.
Sendo esse o motivo dela parecer tão calma quando entrei na sala dela.
Ela já sabia de tudo.
A explicação dela não foi exatamente como eu esperava, pensei que havia o envolvimento de outra monstruosidade, mas Kanbaru disse que só foi a Pata.
Segundo a lenda, A Pata do Macaco realiza os desejos de quem a possui.
Mas, segundo a lenda, ela os realiza de uma forma inesperada para o portador.
A maneira mais simples de ficar ao lado de Senjougahara era eliminando o seu atual namorado, pensou a Pata.
Pelo menos é isso que Kanbaru acreditou.
Com medo dessa possibilidade, ela começou a me seguir.
Acertando, assim, no processo.
E se eu não fosse eu... se Koyomi Araragi não fosse Koyomi Araragi—Alguém que teve a experiência de ser um vampiro—Eu certamente teria morrido naquela noite. Dificilmente teria conseguido desviar dos primeiros dois golpes, e mesmo que eu tivesse, o terceiro seria letal. Esse é quão absurdo era a capacidade destrutiva daquele monstro encapuzado. Acredito que aquelas crianças sobreviveram graças a Kanbaru ainda estar na quarta série e ainda não ter um corpo atlético, mas ela não está mais assim. Ironicamente, o corpo que ela cultivou para impedir o primeiro desejo acabou deixando o seu segundo ainda mais perigoso. Eu só fui atacado pelo braço esquerdo, mas aquela velocidade (que tive dificuldade de acompanhar) sem dúvidas pertencia a Suruga Kanbaru.
A capacidade de destruição daquele monstro aumentou.
E já que acabei sobrevivendo, aquela não seria a última vez que eu o veria. Assim que Sol se pusesse e a noite viesse, aquele monstro encapuzado me atacaria de novo e de novo, e Kanbaru continuaria tendo aqueles pesadelos.
De novo e de novo, até que eu morresse.
Até que seu sonho virasse realidade.
Até que ela conseguisse o que pediu.
Ela só queria ficar ao lado de Hitagi Senjougahara, isso é tudo que ela queria...
“‘Neste mundo nosso, as idas e vindas das pessoas podem ser bastante cansativas, mas eu por acaso sinto que, você é a única exceção...’”
“Você disse alguma coisa, Araragi-senpai?” perguntou Kanbaru, assim que terminei de recitar o poema.
“Não... só estava me perguntando se seremos bem-recebidos...”
Isso nos traz ao presente.
Sem trocar de roupa ou almoçar, fomos direto àquele cursinho abandonado onde Meme Oshino e Shinobu Oshino viviam, eu de bicicleta enquanto Kanbaru a pé.
Estávamos, agora, de frente a Oshino. Mesmo dando um resumo do ocorrido, ele não mostrava nenhuma reação, ele nem tentou corrigir alguma coisa que eu disse, só ficou observando uma lâmpada desligada presente na sala e balançando o cigarro que tinha em sua boca. Eu disse tudo que havia para falar, inclusive a relação que a Senjougahara tinha com esse caso.
Um silêncio agonizante preencheu aquela antiga sala de aula.
Oshino normalmente falava mais do que devia, até parecia que ele tinha nascido de uma língua, mas também havia vezes que ele ficava em um silêncio profundo. É horas como essa que eu questionava aquela atitude habitual dele.
“As faixas,” disse, finalmente, Oshino. “Tem como tirá-las para mim?”
“C-Claro...”
Kanbaru tinha um olhar de anseio quando falou. Tentando acalmá-la, eu disse: Vai dar tudo certo. Em seguida, ela começou a desamarrar as faixas com a mão direita.
E, sem ninguém pedir, também levantou a manga de sua camisa. A fera agora podia ser vista com clareza. Kanbaru inclinou seu cotovelo, como se fosse para indicar até onde o braço ainda era de um humano.
Dando um passo à frente, ela perguntou: “Está bom?”
“...Tá sim. É, exatamente como eu tava imaginando,”
“E o que exatamente você pensou?” perguntei. “Oshino, eu até que aturo esse seu jeito, mas teria como você ir direto ao assunto sem bancar a de misterioso pelo menos dessa vez? Isso já deve ter perdido a graça faz tempo.”
“Calma, Araragi-kun. Você tá bastante animado hoje, por acaso algo bom te aconteceu?” Após dizer seu clássico bordão, Oshino cuspiu seu cigarro inaceso—Pensando bem, acho que nunca o vi com um aceso—E virou em minha direção, sem tirar aquele sorriso dele do rosto. “Araragi-kun, e você também, senhorita. Primeiro, tenho uma correçãozinha para fazer: isso não é A Pata do Macaco.”
“Hã?”
Ele acabou de destruir toda premissa que tínhamos criado em uma única frase. Aquilo tinha me pegado de surpresa, e Kanbaru parecia estar na mesma situação.
“Houveram tantas versões desde que o original lançou que chega a ser difícil saber qual conta a história verdadeira, mas do pouco que sei, nunca vi uma versão onde A Pata do Macaco se funde ao braço do seu portador. Um caranguejo para Tsundere-chan e um macaco para nossa senhorita aqui seria igualzinho com Saru Kani Gassen [4], mas é uma pena que o mundo não é um lugar aconchegante assim. Você fez uma pesquisa por conta própria, não foi? Por acaso encontrou alguma história onde A Pata do Macaco se fundia com o portador? Se sim, o bom velhinho que vos fala terá que voltar aos estudos.”
“...Fiz sim, mas eu ainda era muito nova.”
“Como eu pensei. Então como essa ideia fincou na sua cabeça, senhorita? Afinal, tenho certeza que sua mãe disse nada sobre essa ser A Pata do Macaco... Bem, eu não posso cobrar muito, elas são realmente parecidas.”
“Como assim ‘elas’?” Perguntei a Oshino.
“A Pata é um objeto com uma história por trás dela. Segundo a lenda, a Pata faz parte de um par. Segundo a lenda, A Pata do Macaco realiza os desejos de quem a possui. Mas, segundo a lenda, ela os realiza de uma forma inesperada para o portador... tomara que seja isso mesmo, ando meio esquecido.”
Hehe, gargalhou Oshino, com aquele sorriso desagradável no rosto.
Era o sorriso de alguém com uma personalidade horrível.
“Talvez essa tenha sido uma interpretação conveniente para você, ou quem sabe uma confortante, não que isso importe. Ela originalmente estava mumificada, não é? E veio à vida quando se uniu a você, certo? Então acredito que estamos falando de Rainy Devil, o Demônio Chuvoso.”
“Reini Déviu...?” Ainda em dúvida, acabei falando alto o nome da monstruosidade. E sem me deixar fazer uma pergunta e nem dando uma pequena pausa, Oshino continuou.
“Araragi-kun, você já ouviu falar em ‘Fausto’?”
“...Aquele que fez o padre?” [5]
“É, parece que não, não que eu esperasse outro tipo de resposta. Mas sem problema, já estou acostumado com isso vindo de você, Araragi-kun. Mas e você, senhorita? Já ouviu falar em ‘Fausto’?”
“Umm, amm...” Kanbaru parecia estar surpresa em ter sido feita uma pergunta. “Eu não sou muito de ler, então não li o livro. Mas sei o básico da história.”
“Entendo, isso é de se esperar de alguém da sua idade. Meu Deus, Araragi-kun, isso é exemplo que se dá pra uma kouhai?”
“Não fale assim dele! Ele só não sabia responder a sua pergunta, nada de mais! Não o julgue só por não saber algo besta como isso! Eu sei muito bem o quão incrível ele realmente é!”
Tendo sido enfurecida pelas palavras de Oshino, Kanbaru começou a gritar com ele. Intrigado pela reação, ele virou seu olhar para mim, como se estivesse esperando uma explicação—Não tive coragem de vê-los.
... Fiquei feliz em saber que ela gostava de mim ao ponto de me defender, nunca pensei que ficaria feliz por algo assim, mas fazer isso logo com o Oshino é basicamente concordar que eu era idiota...
“Kanbaru,” eu disse. “Teria como parar? Eu realmente fico feliz que pense assim de mim, mas nós não vamos chegar a lugar algum se você fizer isso toda vez que o Oshino me zombar...”
“Entendo, Araragi-senpai, não esperava menos de alguém que sempre está de braços abertos para qualquer um. Como alguém sem muitos valores e de pavio curto, tenho dificuldade de compreender sua magnitude, mas se é isso que queres, então me controlarei e perseverarei.” Após dizer isso, ela se dirigiu a Oshino para se desculpar. “Sinto muito por minha atitude,” disse Kanbaru.
“...Sem problema,” desculpou Oshino. “Mas você é mesmo animada, senhorita. Por acaso algo bom te aconteceu? Voltando ao assunto... Johann Wolfgang von Goethe foi um dos principais autores do movimento Sturm und Drang [6], sendo o poema ‘Fausto’ a sua obra mais famosa e aclamada. Essa é a histó... pensando bem, senhorita, teria como você contá-la para ele? Não se preocupe, só diga o que sabe.”
“T-Tá bom.”
Kanbaru me olhou com hesitação, quase arrependida de ter que explicar.
Ela ficou do mesmo jeito quando resumiu “A Pata do Macaco” para mim, Suruga Kanbaru é o tipo de pessoa que precisa ser o mais presunçosa possível para explicar algo para alguém mais velho que ela.
“Como Oshino-san disse, ela é a obra-prima de Goethe, e... bem, ela tem algumas características marcantes. Sendo uma delas o fato de ser uma história contada em duas partes: Urfaust e Faust, ein Fragment, esses dois esboços levaram à criação de Fausto parte 1 e Fausto parte 2. Ela é uma obra-prima extremamente longa que só foi acabada depois de sessenta anos, chega me dá vontade de tirar o chapéu. Goethe também é conhecido por ter escrito Os Sofrimentos do Jovem Werther e As Afinidades Eletivas, mas se tivéssemos que escolher um dos seus trabalhos para representá-lo, a maioria das pessoas escolheria Fausto. Essa é a história de como o protagonista, Doutor Fausto, vendeu sua alma ao demônio Mefistófeles para adquirir todo o conhecimento do mundo. Acredito que essa seja uma introdução boa o bastante. Eu não vou entrar em mais detalhes, porque não quero dar muitos spoilers, mas a parte um é sobre o seu romance com uma plebéia chamada Margarida enquanto a parte dois descreve o estabelecimento de uma nação ideal. Ela geralmente é lida como um tipo filosófica ou, eu deveria dizer, uma narrativa sobre a busca de conhecimento. No seu caso, Araragi-senpai, tenho certeza que já saiba disso, mas ela até deu origem à expressão impulso faustiano, a qual descreve o desejo de conhecer e experimentar tudo que se pode.”
“......”
Me pergunto o motivo pra ela acreditar que eu, alguém que nem mesmo sabia o que era “Fausto”, conhecia esse tal de “impulso faustiano”.
Oshino continuou: “Em resumo, a história é sobre o Doutor Fausto tentando adquirir todo o conhecimento do mundo, mas, para isso, teve que vender sua alma para o Diabo..., mas caso queira saber o que acontece com mais detalhes e como ela termina, recomendo que vá à livraria mais próxima a você. O que a senhorita aqui acabou de falar é o considerado senso comum, mas isso já me ajuda bastante. Estou impressionado que você conseguiu dar uma explicação tão eloquente mesmo não tendo lido o livro antes. A única coisa que eu adicionaria seria algo que surpreendentemente poucas pessoas sabem, é possível encontrar essa informação em basicamente todos os documentários sobre Goethe, mas as pessoas de hoje em dia não têm mais interesse em ler os clássicos. Eu não estou falando de você, senhorita, mas ultimamente as pessoas criaram o hábito de não ler os famosos contos porque acham que já sabem de tudo que acontece neles. Então não se pode culpar muito por não saberem disso, mas ‘Fausto’ foi baseado em alguém que realmente existiu.”
“Quê!? Sério!?” disse Kanbaru, surpresa pela informação.
Tendo nenhum conhecimento sobre o assunto, acabei não entendendo o motivo dela ter ficado pasma.
“Johaan Faust. Dizem que ele esteve vivo durante a famosa era renascentista. Mesmo eu tendo dito que ele existiu, há várias teorias sobre a veracidade dessa afirmação... Sendo isso verdade ou não, tudo sobre aquele homem acabou virando folclore. Ele viveu sua vida como um doutor e alquimista errante que, realmente, vendeu a alma para Mefistófeles. E em troca de todo tipo de conhecimento e experiência, prometeu agir como inimigo da igreja cristã, por vinte quatro anos ele viveu segundo esse ‘impulso faustiano’..., mas no momento que o contrato expirou, ele teve um trágico fim. Você pode procurar por Doutor Faustus para mais detalhes.”
“Huh... eu não sabia disso.”
Kanbaru parecia impressionada pela curiosidade que Oshino deu. Bem, a história tinha a ver com folclore, que é a especialidade dele, então era de se esperar que ele soubesse de algo assim, mas será que ela vai começar a elogiá-lo também? Sendo sincero, realmente não entendo o critério que Kanbaru usava para começar a bombardear alguém de elogios, não é como se ela fizesse isso com todo mundo...
“Eu tinha certeza que era uma história completamente original,” disse ela “Nunca pensei que poderia ser baseada em uma lenda.”
“Você não está completamente errada, boa parte dela é original mesmo. Tanto que a edição feita por Goethe é apenas uma das encarnações do conto do Doutor Faustus. É o mesmo caso de ‘Hashire Melos’ [7], de Osamu Dazai, e ‘Yabu no Naka’ [8], de Ryunosuke Akutagawa. O conto que Akutagawa escreveu toca nesse assunto, não é? A lenda de Faustus foi escrita por várias outras pessoas, exemplo disso seria o dramaturgo inglês Marlowe. Já ouviu falar dele? Não o Phillip Marlowe [9], o qual estou falando é o Christopher Marlowe [10]. Aliás, alguns o consideram o precursor de Shakespeare.”
“É bem interessante saber que Fausto era o doutor,” apontou Kanbaru, com um pouco de timidez.
Huh? Oshino inclinou a cabeça, sem entender o motivo da timidez dela.
Temendo que estávamos saindo das rédeas, falei: “Tá, Oshino..., mas e daí? Eu não tenho muito problema com seus lenga-lenga, mas não consigo entender a relação que tudo isso que você disse tem com a situação da Kanbaru. Aquela parte de ‘se você vender a sua alma para um demônio, seu desejo será realizado’ é realmente parecida com A Pata do Macaco, mas não é como se o braço dela fosse, na verdade, o braço de um demônio, como aquele Mefistófeles, né?”
“É exatamente o que você disse, Araragi-kun. Até que você tá bastante astuto hoje,” disse Oshino, apontando com seu dedo indicador para mim.
“O braço da senhorita com o kanji de ‘Deus’ aqui se alinha perfeitamente até demais, mas não é tão ruim quanto o caso da luta entre o caranguejo e o macaco ou daquela garotinha perdida. Dessa vez, tudo que eu disse só serve como uma pequena dica. Apesar de sua fama como aliado de Lúcifer e em certos lugares ser visto como o próprio Diabo, Mefistófeles, na verdade se encontra entre os rankings mais baixos do mundo demoníaco, fazendo com que alguns demonólogos vejam ele mais como um familiar [11] do que um demônio. Isso normalmente faria ser extremamente difícil determinar sua exata categoria, mas um demônio que usa um capuz de chuva e que tem o braço de um macaco realmente ajuda a filtrar o resultado, e se ele funde com seu portador, então só pode ser um Rainy Devil.”
Rainy Devil
“Não é A Pata do Macaco, mas sim a mão de um demônio. Hahaha, as coisas ficam bem mais fáceis quando se pensa dessa maneira, não é? Pensem bem, por que um macaco realizaria o desejo de alguns humanos sem receber nada em troca? Dizem que a Pata realiza desejos por causa de um mago indiano ter dado poderes mágicos a ela, mas você não precisa de uma explicação ou história se for um demônio. Receber uma alma para realizar três desejos? Que tipo de demônio perderia uma oportunidade dessas, hein?” Oshino estava rindo pelo nariz enquanto dizia isso
“Uma alma...”
Depois de um tempo, ele disse: “Sem contar que a Pata é uma mão direita, e não uma esquerda.”
“...Sério?”
“Ela é um objeto que você segura com a mão direita, então presumo que também seja uma. Mas estou impressionado em ver o braço de um demônio, mesmo que, taxonomicamente falando, não pareça com um. Já que se encontrou com um vampiro, talvez você não esteja mais surpreso, Araragi-kun..., mas encontrar algo assim aqui no Japão é extremamente raro. E mesmo havendo centenas de youkais que fazem quase a mesma coisa, isso não tira seu valor. Tantos ocorridos em tão pouco tempo... essa é mesmo uma cidade bem esquisita. Me pergunto como tudo irá acabar, será que alguém vai invocar o rei do Inferno em pessoa aqui? …Senhorita, foi a sua mãe que te deu a Pata, correto? Kanbaru deve ser o sobrenome do seu pai. Você sabe qual era o sobrenome da sua mãe?”
“É um nome um pouco estranho...” Kanbaru falou lentamente, como se estivesse tentando lembrar. “Se não me engano, era Gaen. Sendo o Ga (臥) de ‘deitar-se’ e o en (煙) de ‘fumaça’. Tooe Gaen (臥煙 遠江), esse era o nome completo dela.”
“...Huh. E Tooe deve ser escrito com os kanjis de ‘longe’ (遠) e ‘baía’ (江), o mesmo presente em Yangtze (长江) [12] e Totomi (遠江国) [13], correto? Certo, então é daí que vem o seu nome. Nada mal.”
“E após ela ter se casado, seu nome mudou para Tooe Kanbaru. Mas isso é de alguma importância, Oshino-san?”
“Não, não, só estava enchendo linguiça mesmo. Esse tipo de informação, nesse caso, não importa muito. Mas enfim, agora que sabem com quem estão lidando, qual serão seus planos daqui em diante?”
“Como assim?”
“Veja só, Araragi-kun, eu meio que sou um expert nessa área. E como uma figura de autoridade nesse âmbito, não vejo nenhum problema em ajudar.”
“Você...” Kanbaru inclinou seu corpo para frente, “vai me salvar?”
“Nada disso, só irei dar uma mãozinha. É você mesma que irá se salvar, senhorita. Veio ao lugar errado se é isso que queria, além de que essa não é a minha especialidade. Mas considerando a situação, o que eu devo fazer?” perguntou Oshino, com um tom debochado, mas logo depois ficou em silêncio, como se realmente estivesse esperando pela minha resposta. Mas... não é óbvio o que ele teria que fazer?
“Oshino...”
“Araragi-kun, quero saber exatamente como devo ajudar. Devo ajudar o segundo desejo da senhorita virar realidade? Ou devo tentar anulá-lo? Ou talvez só fazer o braço dela voltar ao normal? Ou por acaso você quer que eu faça todas as opções anteriores? Não posso prometer muito nesse. Bem, também posso fazer nada, esse eu prometo que consigo fazer com facilidade.”
“Huh...”
Tenho certeza que ele diria que “todas as anteriores”, seria impossível. Mas...
“Por ora, há duas maneiras de resolver esse caso. A primeira é deixando o Rainy Devil te matar. Isso fará com que o braço da senhorita volte ao normal e provavelmente realizará seu desejo. E a segunda seria pegar o braço que se transformou e separá-lo do resto do corpo.”
“C-Como assim ‘separá-lo’?” Fiquei inquieto ao ouvir a proposta feita por Oshino. “Huh... não tem como só tirar a parte do macac... quero dizer, a do demônio? E outra pergunta, o braço dela cresceria de novo... né?”
“Não estamos falando sobre o rabo de uma lagartixa, Araragi-kun. Então, infelizmente, não vai ser conveniente assim. Mas até que perder um braço pra resolver toda essa bagunça é um preço bem camarada, não acham?” disse ele, casualmente.
“A-Ah,” interveio Kanbaru. “I-Isso seria um pouco problemático, não teria...”
“Você sabe que tentou matar alguém, não sabe? Não acha que esse é um preço justo, senhorita?” Oshino interrompeu Kanbaru assim que ela mostrou sinais de oposição àquela ideia. Ele agiu da mesma forma com Hanekawa e Senjougahara.
“Mas não há dúvidas de que deixar o Araragi-kun morrer é a solução mais fácil.”
“Oshino, eu entendo o que você quer dizer, mas vamos com calma. Esse ‘alguém’ que ela tentou matar... sou eu, não é? Mas não é isso que ela pediu. Ela só queria ficar ao lado da Senjougahara...”
“Só queria ficar ao lado dela? Ah, não me venha com essa,” ele continuou a falar com o mesmo tom sério de antes, mas dessa vez direcionado a mim. “Quanta gentileza, Araragi-kun. Ouso dizer que nunca vi alguém tão gentil e ingênuo quanto você. Mas quantas pessoas planeja machucar com essa sua gentileza até que fique satisfeito, hein? Por acaso quer repetir a mesma coisa que fez com a Shinobu-chan? E seja sincero comigo, você realmente acreditou nessas palavras dela?”
“...E por que ela mentiria?” Depois que perguntei isso, me virei em direção a Kanbaru, ela estava em silêncio. “Ei, Kanbaru...”
“Araragi-kun, você não acha a história dela um pouco estranha? Por exemplo, por que o braço esquerdo não só a deixou mais rápida em vez de bater naquelas crianças?”
“...Porque A Pata do Macaco realiza desejos de uma forma inesperada para o portador...”
“Mas não estamos falando sobre ela, Araragi-kun.” declarou Oshino. “Isso foi um acordo em troca de uma alma. O desejo deveria ter sido realizado assim como foi pedido. O Rainy Devil pode até ser fraco e ter o hábito de partir para violência, mas um contrato é um contrato. Se você pedisse para ficar mais rápido, seria exatamente isso que receberia. Como que bater nos seus colegas de classe a deixaria mais rápida? Não concorda que tem algo de estranho nessa história? Mas é claro que ela seria colocada em outro grupo se fizesse isso.”
“......” Colocando desse jeito, realmente não tinha como refutá-lo. “Então por quê? Por que aquilo aconteceu com aquelas...”
“Porque era exatamente isso que ela queria. Tendo dificuldade em se adaptar ao seu novo ambiente, a senhorita aqui começou a ser caçoada pelas outras crianças. Ela pode ter dito que não sofreu bullying, mas é exatamente isso que alguém que teve essa experiência falaria. Pense nisso normalmente, seus pais tinham acabado de morrer e agora ela estava em um lugar que ninguém a levava a sério, querer se vingar era de se esperar. Na verdade, seria estranho se ela não quisesse.”
“Eu...” Kanbaru começou a falar, mas não terminou o que iria dizer.
Como ela se explicaria?
Por que ela parou?
O que ela tinha notado?
Oshino continuou: “Dito isso, tenho certeza que não foi uma escolha consciente. Eu realmente acredito que foi algo inconsciente. Se fosse intencional, ela saberia. No ponto de vista dela, seu desejo certamente era ficar mais rápida. Mas não podemos dizer o mesmo sobre a parte traseira de sua mente. Por trás de seu pedido havia uma vontade de se vingar dos seus colegas de classe. O demônio percebeu essa vontade e a fez virar realidade. Pode ter sido inconsciente, mas esses são seus verdadeiros sentimentos. E não querendo aceitar isso, ela buscou por uma interpretação diferente do ocorrido... assim chegando no livro ‘A Pata do Macaco’. A parte importante não foi de que ela realiza desejos, mas sim como ela os realiza de uma maneira inesperada. Esse foi o ponto principal, não foi? Em uma tentativa de não se culpar pelo acidente, ela começou a acreditar que não tinha intenção nenhuma de ter feito aquilo.”
Intenção.
Uma questão de interpretação.
“Isso não é exclusivo à Pata do Macaco, maioria dos casos envolvendo monstruosidades que realizam desejos acabam mal para o protagonista. Então quando a senhorita fez sua pesquisa durante a quarta série, ela poderia ter facilmente encontrado outra história. Ela só acabou encontrando o livro feito por William Jacobs, simples assim. Mas o que você diria se tudo desse errado com ela? Você diria que sua vida é miserável pelo fato do desejo dela ter sido concedido? Você realmente diria que a senhorita é miserável por ter se vingado daqueles ‘colegas’ de classe que a importunavam? Araragi-kun, normalmente esse tipo de coisa não se resolveria com um simples: ‘eles mereceram’?”
“Normalmente..., mas, Oshino...”
“Hahaha, aposto que você quer saber o porquê de eu ter tanta certeza disso. Bem, era só ter prestado um pouco mais de atenção na história dela. Teria como me lembrar o estado que braço dela se encontrava durante o fundamental?”
“...........”
Agora que ele falou, como aquela mão mumificada—Que chegava até o pulso—Estava mesmo?
“Não me lembro dela ter falado sobre ter tido que enfaixar o braço...” destacou Oshino, “E só foi na manhã seguinte, quando notou que aquelas quatro crianças tinham faltado, que ela percebeu o que aconteceu, correto? Se o seu braço tivesse ficado do mesmo jeito do de agora, ela sem dúvidas teria percebido antes. E o que isso quer dizer? Em resumo, o desejo dela se realizou no momento em que seus colegas de classe foram espancados. Sem ela notar, a monstruosidade se fundiu ao seu braço durante a noite e, assim que fez seu trabalho, se separou do braço dela, levando consigo uma parte equivalente de sua alma—Sendo esse o motivo do braço ter aumentado de tamanho.”
“...Então...”
O argumento dele fazia sentido, mas então...
“Você esteve certo desde o princípio, Araragi-kun. Eu até disse que você estava bem astuto hoje, não disse? Não havia nada para se confundir, senso comum era a chave desse mistério. Não faço ideia se irá seguir essa carreira, mas sei que você seria um péssimo juiz. Você roubou a amada senpai dela para si mesmo. E ao saber disso, ela sentiu tanta raiva ao ponto de querer matá-lo. Então a intenção dela tinha, sim, algo a ver com o ocorrido, tudo foi segundo sua intenção. Afinal de contas, um braço esquerdo não tem algo assim.”
Disse Meme Oshino.
[1] Kiri, também conhecida como Paulownia tomentosa ou árvore-da-imperatriz, é uma árvore originária do norte da China e Coreia. Também pode ser encontrada no Japão e, em 1834, foi introduzida na Europa. Devido sua madeira muito maleável e por ser um excelente isolante, ela é usada para fazer móveis, persianas, instrumentos musicais, plataformas de barco etc.
[2] No capítulo 3 de Suruga Monkey, Senjougahara pergunta a Araragi “o que é inundado em cima e queima embaixo”, a mesma responde que esse lugar é a casa de Kanbaru. Essa charada também pode ser relacionada com o kanji 災い (wazawai)—O qual tem o kanji de “rio” em cima e o de “fogo” embaixo—Que significa “desastre”, principalmente de origem divina; ou seja, algo “inevitável”.
[3] O Dialeto de Kyushu (東北弁—Kyushu-ben) abrange o sudoeste de Honshu e as regiões de Shikoku e Kyushu. Ela pode ser dividida em três classificações: Dialetos Hichiku, Hōnichi e Satsugu. Alguns desses dialetos são ininteligíveis pelos japoneses de outras regiões.
[4] Saru Kani Gassen, também conhecida como ‘A Batalha do Caranguejo e do Macaco’, é um conto popular japonês. Para saber mais sobre ele, visite: quiabodoido.com/cultura/saru-kani-gassen
[5] No mangá (especificamente na página 17 do capítulo 35/ página 99 do volume 5), na versão original em japonês, Araragi fala de um Faust (Fausto, em inglês) que lava roupas. Essa é uma referência ao livro “Betty´s Book of Laundry Secrets” (O livro de segredos de lavar roupa da Betty, em tradução literal.), de Betty Faust e Maria Rodale.
[6] Sturm und Drang foi um movimento literário alemão que ocorreu no século XVIII. Ele é marcado pelo combate da influência francesa na cultura alemã.
[7] Hashire Melos ou Corra, Melos! é um conto japonês escrito por Osamu Dazai. Publicado em 1949, Hashire Melos é uma reimaginação de Die Burgschaft, uma trova de Friendrinch Schillers. O conto também foi adaptado em forma de filme, anime e dorama.
[8] Yabu no Naka, Dentro do Bosque/No Matagal, é um conto do escritor Ryunosuke Akutagawa que foi publicado em 1922 na revista Shincho. Ela conta sete diferentes versões do mesmo acontecimento, o assassinato do samurai Kanazawa no Takehiro. O conto serviu de inspiração para o filme “Rashomon”, de Akira Kurosawa.
[9] Philip Marlowe é um personagem de uma série de histórias de detetive escrita por Raymond Chandler, um romancista e roteirista dos Estados Unidos.
[10] Christoper Marlowe foi um dramaturgo, poeta e tradutor inglês que viveu no Período Elisabetano. É considerado um precursor de Shakespeare devido à introdução dos versos brancos para o teatro, uma estrutura que Shakespeare empregaria em suas obras. Também há teorias de que ele é um pseudônimo do próprio “Bardo do Avon”.
[11] Tendo origem no folclore europeu durante a idade média e começo da moderna, os familiars são espíritos, normalmente com forma de animal, que ajudam bruxas e aqueles que os invocam. Há diferentes maneiras de conseguir um familiar, desde fazer um pacto, recebê-lo de outra pessoa (normalmente de um parente) até simplesmente o encontrá-lo por aí. Devido ao modo que eram utilizados, alguns ficaram conhecidos como demônios, enquanto outros como fadas.
[12] Yang-Tsé-kiang ou Yangtze é o maior rio da Ásia. Ele vai do monte Kunlun até ao mar da China Oriental.
[13] Totomi era uma antiga província do Japão, ela ficava onde a parte oeste da prefeitura de Shizuoka atualmente se encontra.
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