Tumgik
processocriativo · 4 years
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Manoel de Barros
Gosto de trabalhar neste meu lugar, no meio dos meus dicionários, dos meus livros, do meu abandono. Preciso me sentir sozinho, quase abandonado, para escrever. Preciso que ninguém me veja sonhando palavras. Se alguém me enxergar sonhando palavras, ele vai verificar que na ponta de mim tem um lápis na mão de um bocó. Neste lugar fechado é que a minha imaginação se solta.
(para Thais | sem data)
Continuo escrevendo a mão em caderninhos que eu mesmo fabrico. Não sei escrever de computador, nem mesmo sei escrever diretamente na minha velha olivetti. Uso máquina só para copiar meus rascunhos. Sou viciado em rascunhos. Não sei escrever nada de primeira mão. Nem telegrama de pesâmes nem bilhetinho pedindo um lápis emprestado. De tudo tenho que fazer rascunho. Minha borracha, aliás, é mais viciada do que eu. Ela acha que tem que apagar pelo menos uma vírgula mal colocada. É um costume que adquirimos no internato. Eu tinha um professor de português chato, perfeccionista. Tirava nota da gente só por uma cedilha não posta. De forma que uso borracha até hoje só para não perder ponto.
(para Maria Claudia Miguel | 1999)
De um modo geral, não havendo transtornos, trabalho quatro horas por dia. Mas o nosso trabalho não é só escrever. É ler, pesquisar linguagem, ouvir música erudita, ver a obra dos pintores, dos escultores, etc. Isso para que nossa imaginação criadora desabroche.
(para Priscila Guimarães | 2008)
Cartas retiradas do catálogo Ocupação Manoel de Barros (Itaú Cultural)
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