Tumgik
alquimiadoverbo · 8 years
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A Confissão do Artista
        Como as tardes de outono são profundas! Ah! profundas até a dor! pois é de certas sensações deliciosas das quais a vaga não exclui a intensidade; e não há ponta mais afiada que a do infinito.
        Grande delícia esta de afogar seu olhar na imensidão do céu e do mar! Solidão, silêncio, incomparável castidade do azul! uma pequena vela treme no horizonte, e que por sua insignificância e seu isolamento imita minha irremediável existência, melodia monótona das ondas, todas essas coisas pensam por mim, ou penso eu por elas (pois na grandeza do devaneio, o eu se perde rápido!); elas pensam, digo eu, mas musicalmente e pitorescamente, sem esquivos, sem silogismos, sem deduções.
        Todavia, estes pensamentos, que saem de mim ou se lançam às coisas, tornam-se logo demasiado intensos. A energia na volúpia cria um mal-estar e um sofrimento positivo. Meus nervos bem tensionados não me dão mais que vibrações estridentes e dolorosas.
        E agora a profundeza do céu me consterna; sua limpidez me exaspera. A insensibilidade do mar, a imutabilidade do espetáculo, me revoltam... Ah! é preciso sofrer eternamente, ou eternamente seguir o belo? Natureza, encantadora sem pena, rival sempre vitoriosa, deixe-me! Cesse de tentar meu desejos e meu orgulho! O estudo do belo é um duelo onde o artista grita de pavor antes de ser vencido!
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alquimiadoverbo · 8 years
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Cabeça de Fauno
Nas folhas verdes, com manchas de cobre, Nas folhas verdes, incertas, floridas De belas flores onde o beijo dorme, Rompendo doce esta peculiar frisa,
Um fauno quedo abre seu olhar, Mordendo flores rubras nos seus dentes, Assim tal qual um vinho a fermentar, Seu lábio ri risos quase inocentes.
E quando se vai- pesaroso e arisco- Seu riso faz tremular cada folha E mesmo que se espante ao ser visto Não há um pássaro que se recolha.
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alquimiadoverbo · 8 years
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Vida Menor
Quando uma ninfa ouve um canto e o segue Até um jardim onde dorme um dragão E cautelosamente fecha a mão Trazendo um fruto sutilmente leve
Na sua mente, subitamente, fia-se A imagem infantil e encantadora De que o canto que ouvira talvez fora De fato o canto de uma velha dríade.
Uma rosa reluz sob o poente, E a menina, encantada, bruscamente Se abaixa, deixando cair o pomo.
Busca colhê-la, mas a rosa fere-a, E no momento desta cena etérea, Um passarinho ergue-se do sono... David Bernat
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alquimiadoverbo · 8 years
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Vós querereis fazer um mundo. - E bem, fizeste-lo! Vosso mundo é lindo e vosso homem tão ético! O morro nivelado, a rua construída; Podastes sabiamente a árvore da vida; Nos vossos trilhos tudo fora bem cautelar; Tudo é grande e belo. - Morremos no vosso ar!
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alquimiadoverbo · 8 years
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O Tiro
O quão inútil e insignificante nos é o mundo à volta quando estamos atrasados? É como se o tiro da largado fora dado e apenas conseguimos ouvir o cair da bala no chão. Lembra-te de tal tiro... Num dia desses, lá estava eu na estação central esperando o metrô, meu segundo toda manhã, tentando não pensar em nada além de chegar na Nova América e pegar meu ônibus, paz esteja. Assim prossegui; entrei no trem e direcionei-me a um canto, aonde termina o vagão. Afinal, quem não acorda cedo não merece sentar, devo ter pensado. Às vezes somos duros com nós mesmos; na maioria é realmente preciso. Alguns instantes depois, ouço um cântico a ser entoado pela composição. Perdoe-me, talvez esteja sendo prudente... cânticos são ao menos belos. Este em questão, primeiro começou fundo, distante, quase nem podia isolá-lo do barulhos dos trilhos. Se não levas na memória, ou quiçá nas solas, devo lembra-te que os trens da segunda linha são como grandes corredores. Não há separação entre os vagões. Conforme o cântico ficava mais próximo, pude eu finalmente o entender: "Irmãos, quem pode dar esmola? Até cinto centavos aceito!" Logo pude ver a fonte: um senhor, dito de meia-idade, levando no magro semblante um terno escuro, paletó e calça, hasteando, tal uma flâmula nacional, uma bíblia. Ele andava em pleno trem em movimento, às vezes tremulando, porém dando cada passo com seus sapatos pretos polidos sem o temor de vir ao chão. Mal olhava o rosto de quem o ouvia, parecia estar numa espécie de transe. Andava arrastando os pés como se andasse sobre a água... Parava às vezes, levantava o livro de borda dourada, ficando ereto e silente; então continuava sua peregrinação. - A Nova Solima não há de estar longe! - Perdi-o de vista depois de um tempo... Chegou então a minha estação, à sombra da velha fábrica inglesa, quase Vitoriana. Esperei o trem parar e me dirigi para a porta que se abrira. Enquanto subia a estação, vi por uma última vez o meu messias do trem, sentado no último banco antes da escada que leva às roletas. Confesso que fiquei aflito, sua expressão me causou certo espanto. Estava ele, bíblia ainda em mãos, a olhar para o nada com o mais vazio dos olhares. Era como se a vertigem lhe tivesse finalmente afetado; o medo de tombar no vazio se manifestara. Não é de todo mal; até o mais coerente dos pregadores teme ser desacreditado. Deve ser instintivo... a morte rasga o véu. - O véu cobria o corpo!... Assim que passei por ele, juro ter entendido... fora o tiro. É melhor não ouvi-lo do que levá-lo na carne, fazendo a própria humanidade perecer! David Bernat
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alquimiadoverbo · 8 years
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Nossos festins terminaram . Estes nossos atores, Como eu vos previ, eram todos espíritos, e Foram dissolvidos em ar, num espesso ar: E como o infundado tecido desta visão, As torres cobertas de nuvens, os majestosos palácios, Os templos solenes, o grande globo ele mesmo, Sim, tudo o que se herda, há de dissolver, E, assim como este pálido cortejo insubstancial, Deixando nenhum resquício. Somos tal matéria Sobre a qual sonhos são feitos; e a nossa reles vida É rodeada pelo sono.
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alquimiadoverbo · 8 years
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A estrela chorou rosa ao centro das tuas orelhas O infinito rolou branco da tua nuca aos teus quadris O mar perolou rubro às tuas mamas vermelhas E o Homem sangrou escuro no teu flanco de imperatriz.
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alquimiadoverbo · 8 years
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A Alma do Vinho
Uma tarde, a alma do vinho cantava nas botelhas: “Homem, contra tu forço, minha cara crueldade, Sob minha prisão de vidro e minhas ceras vermelhas, Um canto repleto de luz e de fraternidade! Sei quanto é que falta, longe na colina em chama, De pena, de suor e de sol escaldante Para gerar minha vida e me doar a alma; Mas não serei ingrata nem maltratante, Pois provoco imensa alegria quando me deito Na garganta de um homem fatigado do dia-a-dia, E seu peito morno é para mim um doce leito Que acomoda muito mais que minha garrafa fria. Podes ouvir ressoar os hinos de domingo E a esperança que corre em meu seio ardente? Tomes cuidado, não percas um respingo, Tu me glorificarás e tu serás contente: Acenderei os olhos da tua querida; À teu filho trarei sua força e as cores E para esse louco atleta da vida O oléo nos músculos dos lutadores. Em tu cairei, vegetal ambrosia, Grão precioso do eterno semeador, Pois é do nosso amor que nasce a poesia Que acertará Deus feito fina flor!” David Bernat
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alquimiadoverbo · 8 years
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A Casa de Deus
- "Ouçam, irmãos!" ele grita cuspindo, Assim como num ato de exorcismo, Disfarçando o seu riso de cinismo; Amontoam-se assim todo domingo... Vem do primeiro à doar o exemplo, Abandonando os bens materiais, Comprando os bilhetes celestiais: É muito pecado para pouco templo! E o Pastor, trajando seda, não linho, Criando sofismos na sua prática, Faz da cega fé sua numismática, Como o Messias da água fez o vinho; E assim os acostuma ao suplício, Mandando-os vinte vezes repetir, Em suas orações, que o existir Não passa de um enorme sacrifício. Lembro que Lutero disse uma vez, "O próprio Deus não poderia ser Vero sem sábios homens para ver," Mas creio que é preciso insensatez; Acusam-nos de pecados horríveis, Lembram o destino de irmos queimar, Senão estas iriam se chamar As verdadeiras missões impossíveis! Trata-se de um sacrilégio diário; Diz-se que a chave de Pedro fundida Abre à alma o céu na mesma medida De quanto em ouro pesa o relicário; Eis que todas as riquezas do clero, Não vem da compaixão ou da bondade, Vem do medo, do choro de piedade; Foi isso o que não disse o bom Lutero! Então o crente berra os seus cantos, Numa rara ilusão digna de um mágico, Para, num estado efêmero e trágico, Ver nas ruas o cortejo dos santos. Não é de se espantar que o Sábio veja, Não haver um Santo Espírito, mas Este Santo Fantasma que aqui jaz Neste vil mausoléu chamado Igreja... David Bernat
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alquimiadoverbo · 10 years
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O Peão
Golpe após golpe, - precisa-se de força, - Ou será que é preciso vocação? Ele treme, trajando a suja estopa, Pois das suas luvas nasce a armação. Golpe após golpe, - sua até chorar, - Mas pense, será mesmo vocação? Para comer, ele tem de trabalhar: Não seria mais fácil ser ladrão? Golpe após golpe, - não pensava nisso, - O cimento serve-lhe de colchão, A argamassa solidifica o riso, "Trabalhe mais e mais!", grita o patrão. Golpe após golpe, - único na rua, - Urra contra a maldita vocação, De erguer casas mais belas do que a sua, Senta-se e chora o valente peão!
por David Bernat no Alquimia do Verbo
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alquimiadoverbo · 10 years
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As Irmãs de Castidade
À tarde, perto da Igreja, duas Mulheres caminhavam, até que uma Avistando uma reles criatura, Envia-a para o inferno em juras. As suas longas saias de denim Escondem o olhar eterno da virgem, E para servirem contra a vertigem, São lavadas num mormaço sem fim. Depois cruzam homens solteiros, lindos, E então elas, apertando seus cintos Dizem: "Como os demônios são astutos!" E elas continuam no seu passeio, Até que seus narizes, num anseio, Escarnam em seus bigodes peludos.
por David Bernat no Alquimia do Verbo
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alquimiadoverbo · 10 years
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O Açoite Moderno
O maior dos problemas auriverdes É o povo exilado nos morros, lúgubre; Alguns se esqueceram da corte fúnebre Que eles, forçados, levavam em redes.
Hoje, esta corte se tornou senado Mas na batida envolvente de um choro, Sem educação ou chance, este povo Foi, de qualquer maneira, libertado.
Eles têm, - precisa-se ver para crer, - Uns filhos que choram até morrer, De falta d'água ou de muita fome.
Este país segue assim, maculado, E o açoite que açoitava o escravo Ainda vive! Só mudou de nome...
por David Bernat no Alquimia do Verbo
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alquimiadoverbo · 10 years
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Inferno Interno
- Este colégio já teve de tudo! Parte das nossas mais belas instâncias, Misturavam-se às ternas fragrâncias Nestes corredores agora mudos... Mas hoje, as vozes deste instituto E as árvores que viram minha infância, Foram esmagadas pela ganância E banhadas em ácido sulfúrico. As poucas árvores que restaram, Em suas existências fecundaram Pesadelos com o súbito corte; Esta escola jamais será a mesma, Repugnante tal como uma lesma Fede... ao pútrido fedor da morte!
por David Bernat no Alquimia do Verbo
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alquimiadoverbo · 10 years
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O Dormente do Vale
Num campo verde, um riacho sai de um rochedo Pregado nitidamente à relva do orvalho De prata; onde o sol, da montanha soberbo, Reluz: é um pequeno vale brilhante e calmo. Um soldado jovem, boca aberta, cabeça nua, A nuca deitada na margem da água mansa, Dorme: deitado sobre a grama, sob a chuva, Pálido no leito verde, onde a luz descansa. Os pés na grama, ele dorme. Sorrindo como Sorriria uma criança doente. Imersa no sono: A natureza nina-o mornamente: ele tem frio. Os perfumes ao seu nariz não causam resposta; Ele dorme ao sol, a mão sobre seu peito posta Tranquilo. Há buracos rubros de caráter sombrio.
Traduzido por D. Bernat no Alquimia do Verbo
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