Tumgik
wen-junling · 3 years
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Mau Começo
Ele carregava coisas demais se comparado a um fugitivo normal. Aí é que está. Não havia nada normal na vida de Junling. Quem mais vinha transferido de Antananarivo? Ah, é, o órfão.  — Obrigado, obrigado. Pode deixar que eu retiro.... Não, de verdade, não precisa. O senhor já me ajudou muito me deixando na porta do dormitório. O taxista o ignorava, descendo mala após mala, caixa após caixa. O loiro desistiu de tentar argumentar ao abrir as portas do banco de trás, descarregando o que havia lá. Uma ruga na testa se formou ao contemplar, com culpa, que suas coisas tinham lotado o pequeno foyer na entrada. — Tenha um bom período letivo, moça. Dê o seu melhor!
O taxista despediu-se com uma reverência e entrou no carro, dando um último tchauzinho pelo espelho retrovisor. Então deu a partida e deixou Junling colado ao chão. Não mais consciente do que uma de suas malas. Duas folhas cor de ferrugem se soltaram da copa da árvore, valsando ao som de risadas distantes trazidas pelo vento até pousar nos all-stars brancos de Junling. "Moça?" O intercambista franziu o cenho e olhou para as folhas, agitando os pés para afastá-las dali. — Deveria ter deixado ele carregar tudo sozinho. Espiou o hall do dormitório através da porta envidraçada. Gente passava de um lado para o outro, ouvia o burburinho de conversas animadas e uma risada mais alta ecoou pelo local, deixando-o com vontade de perguntar que piada era aquela. Seu coração se contorceu de forma gostosa ao pensar nos próximos dias. Prendeu o cabelo em um rabo de cavalo alto e arregaçou as mangas. "Bom, ao menos o quarto era no primeiro andar", pensou ao arrastar suas coisas entusiasmadamente pelo corredor. Junling passaria um longo final de semana desencaixotando e fazendo tudo caber quase como mágica nos espaços disponíveis. Ele descobriria depois, da pior forma possível, que as aulas só começariam na semana seguinte. Deixando-o com fama de distraído e o pior: uma semana inteira sem nada produtivo para ocupar seus dias. Definitivamente só havia uma sorte pior do que a de um fugitivo: A sorte de um fugitivo desocupado.
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wen-junling · 3 years
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wen-junling · 3 years
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Se você odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que faz parte de você. O que não faz parte de nós não nos perturba.
Herman Hesse, Demian. 
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wen-junling · 3 years
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Powerful Ally
Segunda-feira, 23 de agosto de 2021.
Ainda estava com o livro aberto quando saiu do Centro de Inovação. Tinha passado uma tarde intensa na Biblioteca, percorrendo inúmeros corredores de estantes até selecionar sua companhia para aquela semana. Encantou-se por Demian, vencedor do Nobel de Literatura de 1946. Todavia, não foram as láureas que o conquistaram, mas a dureza com a qual alguns trechos o atingiram. Cruéis - e irresistíveis - como uma faca quente na manteiga. 
O som calmo dos próprios pés se juntava ao das páginas antigas e parcialmente soltas, sôfregas para saltar da encadernação e lhe sussurrar um segredo. Ergueu os olhos e o viu, uma sombra no crepúsculo: 
Mencius.
Só havia uma coisa que conseguia tirá-lo dos livros com tamanha facilidade: seu único inimigo e também seu tio. Um rival pior do que qualquer vilão dos livros pelo simples infortúnio de ser de carne e osso. Melkor, Gancho, Hannibal, Javert… Por mais pérfidos que fossem, nenhum se comparava a Mencius.
Piscou duas vezes e seus olhos entraram e saíram de foco. Do outro lado da rua vazia,  os olhos atrás da árvore piscaram de volta para ele. Nessa hora, Junling fez a única coisa sensata que poderia fazer: virou-se e correu.
Era um garoto franzino. Alto e magro, tão magro que parecia meio doentio, mas a adrenalina lhe deixou cegamente forte; correndo com tanta força que não enxergou a parede à sua frente. Após um baque surdo, Junling voou alguns bons centímetros para trás. 
Livro ao vento, bunda no solo e fogo nas mãos.  
Ao olhar para frente, descobriu que a parede, na verdade, era um rapaz desconhecido com traços estrangeiros, tão caído no chão quanto o próprio Junling. 
— P-perdão, e-eu… — Balbuciou como se ainda fosse o mesmo bebê desdentado à mercê dos (des)cuidados do tio. ⠀
Tremia. Ao parar de correr foi como se o medo e a inércia finalmente tivessem o alcançado e o subjugado. Conseguia sentir o cheiro amargo. Ouvir a risada fétida. Provar a dissonância.
A calçada bem cuidada da Yushen sumiu e, de repente, ele estava sozinho, afundando em um pântano lamacento, vendo aqueles dois olhos o encarando, observando-o sumir enquanto todo o som que havia era a risada de Mencius. O lodo o engolia cada vez mais rápido, imobilizando suas pernas, seu tronco, seu coração, seus ombros, seus ombros, seus ombros… ⠀⠀⠀⠀
 — Hey! 
Abriu os olhos ao ouvir aquela voz quente, preocupada, e quando olhou para cima, descobriu que estava de volta na universidade. O rapaz que havia derrubado estava sacudindo seu ombro, chamando-o, brilhante como um anjo.  
Agarrou-se ao pulso dele, olhando fixamente em direção a árvore, mas quando o outro rapaz pareceu fazer menção de ir checar o que havia de tão assustador lá, Junling o segurou no lugar. Lucius era perigoso demais, principalmente para um anjo.
Precisou de alguns bons minutos para conseguir voltar a respirar, o cabelo comprido estava suado e colado à testa, os nós dos dedos, brancos, devido à força usada para segurar o anjo ali, as palmas, machucadas, cobertas de escarlate seco, manchando o punho da camisa que o outro vestia, mas o chinês só foi perceber isso muito depois.  
Muito, muito depois, descobriu que o anjo se chamava Narong. Depois de conseguir acalmar o chinês, ele checou a árvore, mas não havia nada além de sombras ali. Envergonhado, Junling decidiu se desculpar oferecendo um café e a lavagem da camisa, além de claro, a coisa mais preciosa que poderia oferecer a alguém: a verdade sobre o seu passado e seu algoz. 
Por mais que Narong tenha afirmado inúmeras vezes que não havia sido incômodo e todas aquelas coisas que as pessoas gentis falam quando querem ser educadas e não admitir o trabalho que tiveram, sabia que estava em dívida com ele. Pensaria em uma forma de ser útil. O fato é que daquela tarde em diante, Junling sabia que jamais se esqueceria de que havia feito um anjo cair e que - ainda assim - ele havia o tratado com gentileza. 
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wen-junling · 3 years
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Detail, version III : Dancing Fairies, 1866, by August Malmström. Can you hear them chuckle?
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