Tumgik
#w:narong
wen-junling · 3 years
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Powerful Ally
Segunda-feira, 23 de agosto de 2021.
Ainda estava com o livro aberto quando saiu do Centro de Inovação. Tinha passado uma tarde intensa na Biblioteca, percorrendo inúmeros corredores de estantes até selecionar sua companhia para aquela semana. Encantou-se por Demian, vencedor do Nobel de Literatura de 1946. Todavia, não foram as láureas que o conquistaram, mas a dureza com a qual alguns trechos o atingiram. Cruéis - e irresistíveis - como uma faca quente na manteiga. 
O som calmo dos próprios pés se juntava ao das páginas antigas e parcialmente soltas, sôfregas para saltar da encadernação e lhe sussurrar um segredo. Ergueu os olhos e o viu, uma sombra no crepúsculo: 
Mencius.
Só havia uma coisa que conseguia tirá-lo dos livros com tamanha facilidade: seu único inimigo e também seu tio. Um rival pior do que qualquer vilão dos livros pelo simples infortúnio de ser de carne e osso. Melkor, Gancho, Hannibal, Javert… Por mais pérfidos que fossem, nenhum se comparava a Mencius.
Piscou duas vezes e seus olhos entraram e saíram de foco. Do outro lado da rua vazia,  os olhos atrás da árvore piscaram de volta para ele. Nessa hora, Junling fez a única coisa sensata que poderia fazer: virou-se e correu.
Era um garoto franzino. Alto e magro, tão magro que parecia meio doentio, mas a adrenalina lhe deixou cegamente forte; correndo com tanta força que não enxergou a parede à sua frente. Após um baque surdo, Junling voou alguns bons centímetros para trás. 
Livro ao vento, bunda no solo e fogo nas mãos.  
Ao olhar para frente, descobriu que a parede, na verdade, era um rapaz desconhecido com traços estrangeiros, tão caído no chão quanto o próprio Junling. 
— P-perdão, e-eu… — Balbuciou como se ainda fosse o mesmo bebê desdentado à mercê dos (des)cuidados do tio. ⠀
Tremia. Ao parar de correr foi como se o medo e a inércia finalmente tivessem o alcançado e o subjugado. Conseguia sentir o cheiro amargo. Ouvir a risada fétida. Provar a dissonância.
A calçada bem cuidada da Yushen sumiu e, de repente, ele estava sozinho, afundando em um pântano lamacento, vendo aqueles dois olhos o encarando, observando-o sumir enquanto todo o som que havia era a risada de Mencius. O lodo o engolia cada vez mais rápido, imobilizando suas pernas, seu tronco, seu coração, seus ombros, seus ombros, seus ombros… ⠀⠀⠀⠀
 — Hey! 
Abriu os olhos ao ouvir aquela voz quente, preocupada, e quando olhou para cima, descobriu que estava de volta na universidade. O rapaz que havia derrubado estava sacudindo seu ombro, chamando-o, brilhante como um anjo.  
Agarrou-se ao pulso dele, olhando fixamente em direção a árvore, mas quando o outro rapaz pareceu fazer menção de ir checar o que havia de tão assustador lá, Junling o segurou no lugar. Lucius era perigoso demais, principalmente para um anjo.
Precisou de alguns bons minutos para conseguir voltar a respirar, o cabelo comprido estava suado e colado à testa, os nós dos dedos, brancos, devido à força usada para segurar o anjo ali, as palmas, machucadas, cobertas de escarlate seco, manchando o punho da camisa que o outro vestia, mas o chinês só foi perceber isso muito depois.  
Muito, muito depois, descobriu que o anjo se chamava Narong. Depois de conseguir acalmar o chinês, ele checou a árvore, mas não havia nada além de sombras ali. Envergonhado, Junling decidiu se desculpar oferecendo um café e a lavagem da camisa, além de claro, a coisa mais preciosa que poderia oferecer a alguém: a verdade sobre o seu passado e seu algoz. 
Por mais que Narong tenha afirmado inúmeras vezes que não havia sido incômodo e todas aquelas coisas que as pessoas gentis falam quando querem ser educadas e não admitir o trabalho que tiveram, sabia que estava em dívida com ele. Pensaria em uma forma de ser útil. O fato é que daquela tarde em diante, Junling sabia que jamais se esqueceria de que havia feito um anjo cair e que - ainda assim - ele havia o tratado com gentileza. 
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