Tumgik
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Elantris
   “– E isso é apenas o início – Raoden disse com um sorriso. Mas, apesar de suas corajosas palavras, não se sentia tão seguro. Ainda estava surpreso em ver como o dedo de seu pé doía, e arranhara as mãos quando empurrou os tijolos. Ainda que não fossem tão doloridos quanto o dedo, os arranhões também continuavam a incomodar, ameaçando desviar a atenção de seus planos. Tenho de continuar me mexendo, Raoden repetiu para si mesmo. Continuar trabalhando. Não posso deixar que a dor assuma o controle.”
   “Certa vez Raoden tentou libertar Ien. Era um menino, então, de mente simples, mas puro de intenção. Um de seus tutores o ensinara sobre escravidão e, de algum modo, ele meteu na cabeça que os seons eram mantidos presos contra a vontade. Fora até Ien entre lágrimas nesse dia, exigindo que o seon aceitasse sua liberdade.    – Mas sou livre, jovem mestre – Ien respondera ao menino que chorava.    – Não, não é! – Raoden argumentara. – Você é um escravo, faz tudo o que as pessoas mandam.    – Faço porque quero, Raoden.    – Por quê? Não quer ser livre?    – Quero servir, jovem mestre – Ien explicou, pulsando de modo tranquilizador. – Minha liberdade é estar aqui, com você.    – Não entendo.   – Você olha as coisas como humano, jovem mestre – Ien disse com sua voz sábia e indulgente. – Vê classes e diferenças; tenta ordenar o mundo de modo que tudo ocupe um lugar acima ou abaixo de você. Para um seon, não há acima ou embaixo, há só aqueles que amamos. E servimos a quem amamos.    – Mas você nem é pago! – foi a resposta indignada de Raoden.    – Sou pago, jovem mestre. Meu pagamento é o orgulho de um pai e o amor de uma mãe. Meu salário vem da satisfação de vê-lo crescer.”
   “Sarene fez uma pausa.    – Foi Domi, padre? Ele os amaldiçoou, como dizem?    – Tudo acontece segundo a vontade de Domi, filha – Omin respondeu. – Mas não acho que “maldição” seja a palavra certa. Algumas vezes, Domi acha adequado enviar desastres para o mundo; outras vezes, dá doenças mortais às crianças mais inocentes. Não são maldições piores do que o que aconteceu com Elantris: é só o jeito que o mundo funciona. Todas as coisas devem progredir, e o progresso nem sempre é um avanço constante. Algumas vezes precisamos cair, outras nos erguemos, alguns devem ser feridos enquanto outros têm sorte, pois esse é o único jeito de aprendermos a confiar uns nos outros. Quando um é abençoado, é seu privilégio ajudar aqueles cujas vidas não são tão fáceis. A unidade vem do esforço, filha. Sarene fez uma pausa.”
“– Não importa – Raoden respondeu. – Não compreendem a oportunidade que têm ao viver em Elantris? Temos uma oportunidade aqui que ninguém do lado de fora jamais terá: somos livres. – Livres? – desdenhou alguém do grupo de Aanden. – Sim, livres – Raoden afirmou. – Durante a eternidade o homem vem lutando para encher a boca. A comida é a busca desesperada de uma vida, o primeiro e o último pensamento das mentes carnais. Antes que uma pessoa possa sonhar, ela tem que comer, e antes que possa amar, precisa encher a barriga. Mas somos diferentes. Pelo preço de um pouco de fome, podemos ficar livres dos laços que sujeitam todos os seres vivos desde o início dos tempos.” 
“– É triste. Kolo? – Galladon olhou para as casas agora limpas, mas vazias. – Sim – Raoden disse. – Teve potencial, ainda que só por uma semana. – Vamos conseguir novamente, sule – Galladon assegurou. – Trabalhamos tanto para ajudá-los a se tornarem humanos novamente, e agora abandonaram tudo o que aprenderam. Esperam com as bocas abertas. Me pergunto se Sarene percebe que sua sacola com três refeições dura apenas alguns minutos. A princesa está tentando acabar com a fome, mas as pessoas devoram a comida tão rapidamente que acabam passando mal por algumas horas, e depois passam fome o resto do dia.”   “Raoden suspirou, se aproximou e se agachou perto da mesa de Sarene, olhando-a nos olhos. Em outro momento, nada o agradaria mais do que se sentar e escutá-la. Infelizmente, tinha coisas mais urgentes em mente.”   “ Telrii sem dúvida exigiria mais dinheiro de Hrathen antes de se unir ao ShuDereth. Telrii se acharia esperto, supondo que a coroa lhe daria mais influência sobre Fjorden. Hrathen, é claro, fingiria indignação pelas exigências financeiras, compreendendo todo o tempo o que Telrii não era capaz de entender. Poder não era riqueza, mas controle – o dinheiro era sem valor diante de um homem que se negava a ser comprado. O rei nunca entenderia que os wyrnes que exigia não lhe trariam poder, mas em vez disso o colocariam sob o poder de outro. Enquanto se empanturrava de moedas, Arelon escaparia por entre seus dedos. “   “ O assassinato de Roial ainda incomodava Hrathen. Matar o duque sem um julgamento ou encarceramento deixaria os outros nobres ainda mais apreensivos. Hrathen se levantou. Talvez não fosse tarde demais para convencer Telrii a pelo menos rascunhar uma ordem de execução. As mentes aristocráticas ficariam mais calmas se fossem capaz de ler um documento desses. “   “ Raoden ficara até tarde memorizando modificadores. A cura com o AonDor era complexa, uma arte difícil, mas estava determinado a se assegurar de que ninguém mais morreria por causa de sua inabilidade. Levaria meses para decorar, mas aprenderia o modificador para cada órgão, músculo e osso. “
Brandon Sanderson
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Morangos Mofados
então insisto sempre se me entendes, e volto a perguntar então, me entendes? assim, me entendes, tu? agora, me entendes, ou nunca?
Caio Fernando Abreu
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Maestria
  “A mente foi concebida para estabelecer conexões, como o tear que tece todos os fios do tecido. Se a vida existe como um conjunto orgânico que não pode ser segregado em partes sem perder o sentido do todo, também o raciocínio deve se desenvolver como um todo.”
“Lembre-se sempre da maneira como tudo está interligado, de suas interconexões. Todas as coisas têm implicações entre si e em sintonia umas com as outras. Qualquer evento é consequência de outro. As coisas puxam e empurram umas as outras, respiram juntas, e são uma.” - Marco Aurélio 
Robert Greene
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2001 - Uma Odisséia No Espaço
Na Terra, os glaciares iam e vinham, enquanto acima deles a imutável Lua ainda carregava seu segredo. Com um ritmo ainda mais lento do que o gelo polar, as marés das civilizações fluíam e refluíam pela Galáxia. Estranhos, belos e terríveis impérios se ergueram e caíram, e passaram seu conhecimento para seus sucessores. A Terra não foi esquecida, mas outra visita não faria muito sentido. Ela era um dentre um milhão de mundos silenciosos, poucos dos quais jamais viriam a falar. Arthur C. Clarke
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O Grande Conflito
“Nunca se sentiam abandonados na solidão das montanhas. Agradeciam a Deus por haver-lhes provido refúgio da ira e da crueldade dos homens.”
Ellen G. White
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Whatever you do, make it an offering to Me – the food you eat, the sacrifices you make, the help you give, even your suffering.
The Bhagavad Gita
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O Mochileiro das Galáxias - O restaurante no fim do universo
“— OK — disse Zaphod. — Por que você não me conta qual é o grande segredo? Tente-me. — Zaphod, você sabia quando era Presidente da Galáxia, assim como também sabia Yooden Vranx antes de você, que o Presidente não é nada. Um zero à esquerda. Em algum lugar nebuloso por trás de tudo há um outro homem, um ser, algo, com poder definitivo. Esse homem, ou ser, ou algo, você tem que descobrir — o homem que controla esta Galáxia, e — suspeitamos — outras.   Talvez todo o Universo. — Porquê? — Por quê? — exclamou o fantasma pasmo. — Por quê? Olhe à sua volta, rapaz. Parece-lhe que está tudo em boas mãos? — Está tudo bem.   O velho fantasma lançou-lhe um olhar ameaçador.“
  “O Guia da Galáxia para Caronas é um companheiro indispensável para todos aqueles que estão interessados em dar sentido à vida num Universo infinitamente complexo e confuso, pois apesar de não ter esperanças de ser útil e informativo em todas as questões, ele pelo menos traz a alegação tranquilizadora de que onde ele está incorreto, está pelo menos definitivamente incorreto. Em casos de maior discrepância, é sempre a realidade que está errada.   Era esse o âmago do que dizia o aviso. Ele dizia: "O Guia é definitivo. A realidade é frequentemente incorreta".   Isso tem levado a conseqüências interessantes. Por exemplo, quando os editores do Guia foram processados pelas famílias daqueles que tinham morrido em resultado de terem tomado literalmente o verbete sobre o planeta Traal (dizia: "As Feras Vorazes Paponas frequentemente fazem uma boa refeição para os turistas visitantes" em vez de "As Feras Vorazes Paponas frequentemente fazem uma boa refeição dos turistas visitantes"), eles alegaram que a primeira versão da frase era esteticamente mais agradável, intimaram um poeta qualificado para declarar sob juramento que beleza é verdade e verdade é beleza e esperaram assim provar que a parte culpada no caso era a própria Vida por deixar de ser tanto bela quanto verdadeira. Os juízes concordaram, e num discurso comovente sustentaram que a própria Vida era um desacato àquele tribunal e confiscaram-na prontamente de todos os presentes antes de saírem para uma agradável partida de ultragolfe ao cair da noite.”
“O inseto fez uma pausa momentânea para recuperar-se da agitação e então estendeu um tentáculo para atender um telefone que estava tocando. Uma mão metálica o conteve. — Perdão — disse o dono da mão metálica com uma voz que teria feito um inseto mais sentimental cair em lágrimas. Este não era um inseto desse tipo, e ele não tolerava robôs. — Pois não, senhor — disse, rispidamente —, posso ajudá-lo? — Duvido — disse Marvin. — Bem, nesse caso, se o senhor me der licença... — Seis telefones estavam tocando agora. Um milhão de coisas esperavam a atenção do inseto. — Ninguém pode me ajudar — entoou Marvin. — Sim, cavalheiro, bem... — Não que alguém tenha tentado, é claro. — Marvin deixou cair lentamente a mão de metal. Inclinou a cabeça para a frente, ligeiramente. — Ah, é? — disse acidamente o inseto. — Não vale muito a pena ajudar um robô desprezível, né?— Lamento, senhor, mas... — Quero dizer, qual é a vantagem em ajudar um robô se ele não tem circuitos de gratidão? — E o senhor não tem? — disse o inseto, que não parecia capaz de escapar da conversa. — Nunca tive oportunidade de descobrir — informou Marvin. — Escuta, seu monte de metal desajustado... — Você não vai me perguntar o que eu quero?   O inseto fez uma pausa. Lambeu os olhos com sua língua longa e fina e a recolheu novamente. — Vale a pena? — perguntou. — Alguma coisa vale? — disse Marvin imediatamente. — O que... o... senhor... quer? — Estou procurando uma pessoa. — Quem? — sibilou o inseto. — Zaphod Beeblebrox — disse Marvin. — Ele está ali adiante. O inseto se sacudia de raiva. Quase não conseguia falar. — Então por que você perguntou para mim? — berrou. — Só queria alguém com quem conversar — disse Marvin. — O quê?! — Patético, não?   Rangendo as engrenagens, Marvin virou-se e saiu sobre suas rodinhas.   Alcançou Zaphod perto dos elevadores. Zaphod voltou-se surpreso. — Hei... Marvin? — disse ele. — Marvin! Como você veio parar aqui? Marvin foi forçado a dizer algo que era muito difícil para ele. — Eu não sei — ele disse. — Mas... — Num momento eu estava sentado na sua nave sentindo-me deprimido, e no momento seguinte estava aqui sentindo-me totalmente miserável. Um Campo de Improbabilidade, espero. — É — disse Zaphod. — Eu espero que meu bisavô o tenha mandado aqui para me fazer companhia. — Valeu a intenção, vovô — acrescentou para si mesmo. — E então, como vai? — disse em voz alta. — Ah, bem — disse Marvin —, para quem por acaso gostar de ser eu, o que eu pessoalmente detesto.”
“— Bom — a voz parecia mel escorrendo sobre biscoitos —, tem o porão, os arquivos de microfilmes, o sistema de aquecimento central... ahn... Fez uma interrupção. — Nada particularmente interessante — admitiu —, mas são alternativas. — Santo Zarquon — resmungou Zaphod —, por acaso eu pedi um elevador existencial? — Bateu com os punhos contra a parede. — Qual é o problema com essa coisa? — Não quer subir — disse Marvin simplesmente. — Acho que está com medo. — Medo? — gritou Zaphod. — De quê? Altura? Um elevador que tem medo de altura? — Não — disse o elevador miseravelmente —, medo do futuro... — Do futuro? — exclamou Zaphod. — Mas o que essa coisa desgraçada está querendo? Um esquema de aposentadoria?   Nesse instante uma comoção irrompeu no saguão atrás deles. Das paredes à sua volta vinha o ruído de maquinaria repentinamente posta em atividade. — Todos podemos ver o futuro — sussurrou o elevador em tom que parecia aterrorizado —, faz parte da nossa programação.”
“Zaphod ficou muito abalado com o choque da aterrissagem. Ficou deitado por um tempo no silencioso monturo de poeira a que se tinha reduzido a maior parte da sala. Sentiu que estava na fase mais decadente de sua vida. Sentia-se desnorteado, sentia-se só, sentia-se sem amor. Por fim sentia que devia passar por cima do que quer que fosse.“
“O Vórtice de Perspectiva Total desenvolve sua imagem do Universo como um todo a partir do princípio da análise extrapolada da matéria. Explicando — uma vez que cada pedaço de matéria no Universo está de alguma maneira afetado por todos os outros pedaços de matéria do Universo, é teoricamente possível extrapolar o todo da criação — cada sol, cada planeta, suas órbitas, sua composição e sua história econômica e social a partir de, digamos, um pedaço de pão-de-ló.   O homem que inventou o Vórtice de Perspectiva Total fez isso basicamente para irritar sua mulher.   Trin Tragula — esse era o nome dele — era um sonhador, um pensador, um filósofo especulativo ou, como sua mulher o definiria, um idiota.   E ela o apoquentava incessantemente por causa do tempo completamente fora de propósito que ele dedicava a observar o espaço, ou a meditar sobre o mecanismo dos alfinetes de segurança, ou a fazer análises espectrográficas de pedaços de pão-de-ló. — Tenha um pouco de senso de proporção! — dizia ela, às vezes trinta e oito vezes em um só dia.   E então ele construiu o Vórtice de Perspectiva Total — só para mostrar para ela.   E numa ponta ele ligou a totalidade da realidade, extrapolada de um pedaço de pão-de-ló, e na outra ponta ligou sua esposa: de modo que quando pôs a máquina para funcionar ela viu num instante toda a infinidade da criação e viu-se a si mesma em relação a isso.   Para horror de Trin Tragula o choque aniquilou completamente seu cérebro; mas para sua satisfação ele se deu conta de que tinha provado conclusivamente que se a vida há de existir num Universo deste tamanho, uma coisa que ela não pode ter é senso de proporção.”
“— É — disse uma voz debaixo da mesa. — Você se despedaça tão rápido que todo mundo tem medo de ser atingido pelos estilhaços.”
“O problema com a maioria das formas de transporte, pensou, é que basicamente não valem a pena. Na Terra — quando havia a Terra, antes de ser demolida para dar lugar a uma via expressa hiperespacial — o problema tinha sido com os carros. As desvantagens envolvidas em arrancar montes de lodo preto viscoso do subsolo onde tinha estado escondido em segurança longe de todo mal, transformá-lo em piche para cobrir o chão, fumaça para infestar o ar e espalhar o resto pelo mar, tudo isso parecia descompensar as vantagens aparentes de se poder chegar mais rápido a um outro lugar — especialmente quando o lugar a que se chegava tinha ficado, como resultado, muito parecido com o lugar de que se tinha saído, ou seja, coberto de piche, cheio de fumaça e sem peixe.”
“A pessoa que projetara esta arma tinha claramente sido instruída para não usar de rodeios. — Faça-a cruel — lhe teriam dito. — Deixe totalmente claro que esta arma tem um lado certo e um lado errado. Deixe totalmente claro para qualquer um que esteja do lado errado que as coisas vão indo mal para ele. Se for preciso pregar todo tipo de ferrões e dentes à sua volta, que seja assim. Esta não é uma arma para ser pendurada em cima da lareira ou enfiar no balde de guarda-chuvas, é uma arma para sair e fazer as pessoas miseráveis.   Ford e Arthur olharam infelizes para a arma.”
“— Bichano, bichano, bichano — disse —, cutchicut-chicutchicutchicu... o bichano quer peixe? Um pedacinho gostoso de peixe... o bichano quer?   O gato parecia indeciso sobre o assunto. Estendeu a pata com certa condescendência para o pedaço de peixe que o homem estava segurando, e então distraiu-se com um chumaço de poeira no chão. — Se o bichano não come peixe, o bichano fica magrinho e desaparece, eu acho — disse o homem. Transparecia dúvida em sua voz. — Imagino que seja isso o que acontece — disse —, mas como posso saber?   Ofereceu o peixe outra vez. — O bichano pensa — disse — se come o peixe ou se não come o peixe. Acho que é melhor se eu não me envolver — suspirou. — Eu acho que peixe é bom, mas acho também que a chuva é molhada, então quem sou eu para julgar?   Deixou o peixe no chão para o gato, e voltou para seu assento. — Ah, parece que estou vendo você comer — disse, por fim, quando o gato exauriu as possibilidades de entretenimento do chumaço de poeira e lançou-se sobre o peixe. — Gosto de ver você comendo peixe — disse o homem — porque na minha mente você vai desaparecer se não comer.”
“— Você rege o Universo? — disse Zaphod. O homem sorriu para ele. — Tento não reger — disse. — Vocês estão molhados? Zaphod olhou para ele assombrado. — Molhados? — gritou. — Não parece que estamos molhados? — É o que me parece — disse o homem —, mas como vocês se sentem a esse respeito poderia ser uma questão completamente diferente. Se acharem que o calor os secará, é melhor entrarem.   Entraram.   Espiaram a cabana por dentro, Zarniwoop com aversão, Trillian com interesse, Zaphod deliciado. — Ei, ahn... — disse Zaphod — qual é seu nome? O homem olhou para eles em dúvida. — Não sei. Por que vocês acham que eu haveria de ter um? Parece-me muito estranho dar um nome a um amontoado de vagas percepções sensoriais.   Convidou Trillian a sentar-se na poltrona. Ele se sentou na beirada, Zarniwoop recostou-se rigidamente contra a mesa e Zaphod estendeu-se no colchão. — Uauí! — disse Zaphod. — O assento do poder! — Fez cócegas no gato. — Ouça — disse Zarniwoop —, tenho que lhe fazer algumas perguntas. — Está bem — disse gentilmente o homem. — Pode cantar para meu gato se quiser. — Ele gostaria? — perguntou Zaphod. — É melhor perguntar para ele — disse o homem. — Ele fala? — perguntou Zaphod. — Não tenho lembrança dele falando — disse o homem —, mas sou bastante falível.   Zarniwoop tirou algumas anotações do bolso. — Agora — disse ele —, o senhor rege o Universo, não rege? — Como posso saber? — disse o homem. Zarniwoop fez um sinal diante de uma anotação no papel. — Há quanto tempo o senhor faz isso? — Ah — disse o homem —, essa é uma pergunta sobre o passado, não? Zarniwoop olhou para ele, confuso. Não era isso exatamente o que esperava. — Ê — disse. — Como posso saber — disse o homem —, se o passado não é uma ficção projetada para explicar a discrepância entre minhas sensações físicas imediatas e meu estado de espírito? Zarniwoop cravou os olhos nele. O vapor começava a subir de suas roupas encharcadas. — Então você responde todas as perguntas desse jeito? — perguntou.   O homem respondeu rápido. — Digo o que me ocorre dizer quando acho que ouço as pessoas dizerem coisas. Mas eu não posso dizer. Zaphod riu alegremente.— Vou beber isso — disse, e pegou a garrafa de aguardente Janx. Levantou-se de um salto e ofereceu a garrafa ao homem que rege o Universo, que apegou com prazer. — Muito bem, grande regente — disse. — Conte as coisas como as coisas são! — Não, escute-me — disse Zarniwoop —, vêm pessoas ver você, não? Em naves... — Acho que sim — disse o homem. Entregou a garrafa a Trillian. — E eles lhe pedem — disse Zarniwoop — para tomar decisões para eles? Sobre as vidas das pessoas, sobre os mundos, sobre economia, sobre guerras, sobre tudo o que se passa no Universo lá fora? — Lá fora? — disse o homem. — Onde? — Lá fora! — disse Zarniwoop apontando para a porta. — Como você sabe que tem alguma coisa lá fora? — disse o homem educadamente. — A porta está fechada.   A chuva continuava a golpear o teto. Dentro da choupana estava quente. — Mas você sabe que existe um Universo inteiro lá fora! — gritou Zarniwoop. — Você não pode esquivar-se de suas responsabilidades dizendo que elas não existem!   O homem que rege o Universo pensou por um longo tempo enquanto Zarniwoop trepidava de raiva. — Você tem muita certeza de seus fatos — disse por fim. — Eu não confiaria num homem que conta com o Universo, se é que existe um, como algo certo. Zarniwoop ainda trepidava, mas estava em silêncio. — Eu apenas decido sobre o meu Universo — prosseguiu o homem calmamente. — Meu Universo são meus olhos e meus ouvidos. Qualquer coisa fora disso é boato. — Mas você não crê em nada?   O homem sacudiu os ombros e apanhou seu gato. — Não entendo o que você quer dizer — disse. — Você não entende que o que decide nesta choupana afeta as vidas e os destinos de milhões de pessoas? Isto tudo está monstruosamente errado! — Não sei. Nunca vi essas pessoas todas de que você fala. E nem você, suspeito. Elas existem apenas nas palavras que ouvimos. É loucura você dizer que sabe o que está acontecendo com as outras pessoas. Só elas sabem, se existirem. Elas têm seus próprios Universos de seus olhos e seus ouvidos.   Trillian disse: — Acho que vou dar uma saída lá fora por um momento. Saiu e foi andar na chuva. — Você acredita que existem outras pessoas? — insistiu Zarniwoop. — Não tenho opinião. Como posso saber? — É melhor eu ir ver o que há com Trillian — disse Zaphod, e saiu. Lá fora ele disse para ela: — Acho que o Universo está em boas mãos, ehn? — Muito boas — disse Trillian. Foram andando pela chuva.”
“— Estou tentando ensinar os homens das cavernas a jogar palavras-cruzadas — respondeu. — Não são homens das cavernas — disse Ford. — Parecem homens das cavernas. Ford deixou passar. — Tá bom — disse. — É um trabalho duro — disse Arthur, exausto. — A única palavra que eles sabem é grunhido e não sabem como escreve. Suspirou e recostou-se. — Aonde você quer chegar com isso? — perguntou Ford. — Temos que encorajá-los a evoluírem! A se desenvolverem! — disse Arthur furiosamente. Esperava que o suspiro exausto e agora esta manifestação de fúria pudessem disfarçar a sensação de estupidez que estava sentindo no momento. Não disfarçou. Ele se levantou. — Você pode imaginar como seria um mundo descendente daqueles... cretinos com que a gente chegou? — disse. — Imaginar? — disse Ford erguendo as sobrancelhas. — A gente não precisa imaginar. A gente viu. — Mas... — Arthur agitava os braços em vão. — A gente viu — disse Ford —, não tem saída.   Arthur chutou uma pedra.”
“— Encare os fatos — disse Ford. —Aqueles boçais são seus antepassados, e não estas pobres criaturas aqui.   Foi até onde os homens-macaco remexiam apaticamente nas pedrinhas. Balançou a cabeça. — Deixa pra lá estas palavras-cruzadas, Arthur. Isto não vai salvar a raça humana, porque esta turma não vai ser a raça humana. A raça humana está no momento sentada em torno de uma pedra do outro lado deste morro fazendo documentários sobre si mesma.   Arthur estremeceu. — Deve haver alguma coisa que a gente possa fazer — disse ele. Uma sensação terrível de desolação arrepiou seu corpo por ele estar ali, na Terra, na Terra que tinha perdido seu futuro numa horrenda catástrofe arbitrária e que agora parecia perder seu passado da mesma maneira. — Não — disse Ford —, não há nada que a gente possa fazer. Isso não mudaa história da Terra, percebe, isto é a história da Terra. Ame-os ou deixe-os, os golgafrichaneses são o povo de que você descende. Dentro de doismilhões de anos serão destruídos pelos vogons. A História nunca é alterada, está vendo, encaixa-se como num quebra-cabeça. A vida é uma coisa velha e engraçada, não?   Apanhou a letra Q e a atirou numa moita, onde ela atingiu um coelho jovem. O coelho começou a correr aterrorizado e não parou até ser capturado e comido por uma raposa que engasgou-se com um osso seu e morreu à margem de um riacho que em seguida a levou.   Durante as semanas que se sucederam Ford Prefect engoliu seu orgulho e engatou um relacionamento com uma garota que tinha sido funcionária graduada em Golgafrincham, e ficou tremendamente chateado quando ela veio a falecer subitamente por beber água de um tanque que tinha sido contaminado pelo cadáver de uma raposa. A única moral possível a se tirar desta estória é que nunca se deve atirar a letra Q numa moita, mas infelizmente há momentos em que é inevitável.   Como a maioria das coisas cruciais da vida, esta corrente de eventos foi completamente invisível a Ford Prefect e Arthur Dent. Estavam observando com tristeza um dos nativos que mexia morosamente com as letras. — Pobres homens das cavernas — disse Arthur. — Não são... — O quê? — Ah, esquece — disse Ford.   A desgraçada criatura emitiu um patético ruído de lamúria e deu uma pancada numa pedra. — Tudo está sendo uma perda de tempo para eles, não? — disse Arthur. — Uh uh urghhhhh — murmurou o nativo e deu outra pancada na pedra. — Foram ultrapassados por limpadores de telefones. — Urgh, grr grr, gruh! — insistiu o nativo, continuando a bater na pedra. — Por que ele fica batendo na pedra? — disse Arthur. — Acho que ele provavelmente quer jogar palavras-cruzadas com você outra vez — disse Ford. — Está apontando para as letras. — Ele provavelmente escreveu crzjgrdwldiwdc outra vez, coitado. Eu vivo dizendo para ele que só tem um G em crzj gr dwldiwdc.   O nativo deu outra pancada na pedra. Olharam por sobre os ombros dele.   Seus olhos saltaram.   Ali, no meio das letras embaralhadas havia treze dispostas numa clara linha reta. Eram três palavras escritas. As palavras eram estas: "QUARENTA E DOIS". — Grrrurgh guh guh — explicou o nativo. Espalhou as letras, furioso, e foi ficar sem fazer nada debaixo de uma árvore próxima com um colega seu. Ford e Arthur ficaram olhando para ele. E então ficaram olhando um para o outro. — Estava escrito o que eu achei que estava escrito? — perguntaram um ao outro. — Estava — responderam ambos. — Quarenta e dois — disse Arthur. — Quarenta e dois — disse Ford. Arthur correu para os dois nativos.— O que vocês estão tentando nos dizer? — gritou. — O que isso quer dizer?   Um deles rolou no chão, levantou as pernas para o ar, rolou de novo e foi dormir.   O outro trepou na árvore e atirou castanhas-da-índia em Ford Prefect. O que quer que tivessem a dizer, já tinham dito.”
Douglas Adams
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A voz do Mestre
  O Ouvinte   “Ó vento, tu que passa por nós, ora cantando docemente e levemente, ora suspirando e lamentando-te: nós te ouvimos, mas não podemos descrever tua imagem. És como um oceano que engolfa nossos espíritos, mas não os afoga.   Tu sobes com as montanhas e desces com os vales, espargindo-te pelos campos e prados. Há vigor em tua ascensão e suavidade em tua descida; e graciosidade em tua dispersão. Tu és como um rei misericordioso, gentil com os oprimidos, mas severo com os fortes e arrogantes.   No outono, gemes através dos vales e as árvores ecoam teu lamento. No inverno, quebra tuas correntes e toda a Natureza se rebela contigo.   Na primavera, moves-te na tua sonolência, ainda fraco e indeciso, e através da tua tímida agitação os campos começam a acordar.   No verão, esconde-te sob o véu do Silêncio como se tivesses morrido, perfurado pelas setas do sol e pelos dardos do calor.   Nos dias do último outono, estavas-te lamentando, ou apenas ria do rubor das árvores nuas? Estiveste zangado no inverno, ou dançante em torno do túmulo da Noite recoberto de neve?   Estavas por fim amoroso na primavera, ou lamentavas a perda de tua amada, a Juventude de todas as Estações?   Estavas por ventura morto naqueles dias de verão, ou apenas adormeceste no coração dos frutos, nos olhos dos vinhedos, ou nos ouvidos dos trigais sobre os solos recobertos?   Da rua das cidades tu levantas e carregas os germes das pragas e das montanhas carreias a respiração perfumada das flores. Assim, a grande Alma detém a tristeza da Vida e silenciosamente encontra suas alegrias.   Nos ouvidos da rosa, tu murmuras um segredo cujo significado ela entende; às vezes, ela está conturbada - então se alegra. Esta é a maneira de Deus lidar com a alma do Homem.   Ora te demoras. Ora te apressas aqui e ali, movendo-te incessantemente. Assim ocorre também com a mente do Homem, que vive quando ele age e morre quando ele se torna indolente.    Tu escreves tuas canções sobre a face das águas; e depois as apagas. O esmo faz o poeta quando está criando.   Do sul, vieste tão quente quanto o Amor; e do norte tão frio quanto a Morte. Do leste tão leve quanto o toque da alma; e do oeste, tão rude quanto o Ódio e a Fúria. És tão mutável quanto as Idades, ou és o mensageiro das notícias decisivas, vindas dos quatro pontos cardeais?   Brames pelo deserto, e esmagas as caravanas inocentes, pisoteando-as e queimando-as sob montanhas de areia. Serás, por ventura, a mesma brisa vadia que se insinua ao amanhecer entre as folhas e galhos e esvoaça como um sonho sobre as conchas dos vales - onde as flores se inclinam saudando-te e onde a grama se curva pesadamente sob a intoxicação de teu respirar?   Tu te levantas do oceano e sacode as profundezas silenciosas dos mares com teus redemoinhos, e em tua fúria destróis navios e tripulações. Serás, por acaso, aquela mesmíssima brisa mansa que acarícia as tranças das crianças, quando brincam em torno de suas casas?   Para onde leva nossos corações, nossos suspiros, nossas respirações, nossos sorrisos? O que fazes com as tochas esvoaçantes de nossas almas? Tu as levas para além do horizonte da Vida? Tu as arrastas como as vítimas dos sacrifícios para cavernas distantes e horríveis, a fim de destruí-las?    Na noite silenciosa, os corações te revelam segredos. E ao alvorecer, os olhos se abrem ao teu toque suave. Acaso te lembras do que o coração sentiu, ou do que os olhos viram?   Entre tuas asas, o angustiado deixa o eco das suas canções chorosas, o órfão os fragmentos de seu coração partido e o oprimido seus suspiros doloridos. Nas dobras de teu manto, o estranho deposita seu desejo, o abandonado sua aflição e a decaída seu desespero.   Tu conservas tudo isso bem guardado para os humildes? Ou és como a Mãe Terra, que sepulta tudo que ela própria gera?    Ouviste gritos e lamentos? Ouves esses gemidos e suspiros? Ou és como o orgulhoso e poderoso que não vê a mão estendida nem ouve os lamentos do pobre?   Ó vida de todos os Ouvintes, tu ouves?”   A Sabedoria e Eu   “No silêncio da noite, a Sabedoria entrou no meu quarto e pôs-se de pé frente a minha cama. Ela me olhou como uma mãe amorosa, enxugou-me as lágrimas, e disse:   “Ouvi os lamentos de tua alma, vim aqui confortar-te. Abre teu coração e eu o encherei de luz. Pergunta e eu te indicarei o caminho da Verdade.”   Aquiesci à sua ordem, e indaguei:   “Quem sou eu, Sabedoria, e como vim parar neste lugar de horrores? O que são estas poderosas esperanças, estas montanhas de livros e estas figuras estranhas? O que significam estes pensamentos que vão e vêm como revoadas de pombos? O que significam estas palavras que compusemos com desejos e escrevemos com alegria? O que significam estas conclusões tristes e alegres que abraçam minha alma e envolvem meu coração? Que olhos são estes que se fixam em mim e penetram no mais íntimo recôndito de minha alma, e mesmo assim desdenham da minha dor? O que significam essas vozes que lamentam o esvanecer dos meus dias, e cantam louvores à minha infância? Quem é este jovem que zomba de minhas vontades e escarnece de meus sentimentos, esquecendo os fatos de ontem, contentando-se com a pequenez do hoje, e prevenindo-se contra a vagarosa aproximação do amanhã?   “Que significa este mundo medonho que me agita e para que terra desconhecida me arrasta?   “O que significa esta terra que escancara suas mandíbulas para engolir nossos corpos e prepara uma cova perpétua para a avareza? Quem é esse homem que se contenta com os azares da Fortuna e anseia por um beijo dos lábios da Vida, enquanto a Morte lhe bate na face? Quem é esse homem que compra um momento de prazer por um ano de arrependimento e se põe a dormir, enquanto os sonhos o chamam? Quem é esse homem que nada nas ondas da Ignorância em direção ao golfo da Escuridão?    “Diga-me, Sabedoria, que significam todas estas coisas?”   \ Sabedoria descerrou os lábios e falou:   “Tu homem, desejarias ver o mundo com os olhos de Deus e quererias penetrar nos segredos do porvir, através do pensamento humano. Tal é o fruto da ignorância.   “Vai ao campo e vê como as abelhas voam sobre as folhas doces e como as águias se arremetem sobre suas presa. Vai à casa de teu vizinho e vê como a criança se encanta com a luz fogo enquanto a mãe está ocupada com seus afazeres. Sê como a abelha e não desperdiça teus dias de primavera a olhar os feitos das águias. Sê como a criança, que se alegra com a luz do fogo e não incomoda sua mãe. Tudo o que viste era e ainda é teu.   “Os muitos livros e as estranhas figuras e os adoráveis pensamentos que te rodeiam são fantasmas dos espíritos que existiram antes de ti. As palavras que teus lábios pronunciam são elos da corrente que te une aos teus semelhantes. As conclusões tristes e alegres são as sementes espargidas pelo passado no campo de tua alma, para serem colhidas pelo futuro.   “O jovem que zomba de tuas vontades é aquele que abrirá a porta de teu coração para que a Luz entre. A terra que escancara a boca para engolir o homem e suas coisas é libertadora de nossas almas da escravidão de nossos corpos.   ...   O Homem e a Natureza   “Ao romper do dia, sentei-me na campina, travando conversa com a Natureza, enquanto o Homem ainda descansava sossegadamente nas dobras da sonolência. Deitei-me na relva verde e pus-me a meditar sobre estas perguntas:   Será a Beleza Verdade? Será a Verdade Beleza?   E em meus pensamentos vi-me levado para longe da humanidade. Minha imaginação descerrou o véu de matéria que escondia meu íntimo. Minha alma expandia-se e senti-me jungido à Natureza e seus segredos. Meus ouvidos puseram-se atentos à linguagem de suas maravilhas.   Assim que me sentei e me entreguei profundamente à meditação, senti uma brisa perpassando através dos galhos das árvores e percebi um suspiro como o de um órfão perdido.   “ Por que te lamentas, brisa amorosa?” perguntei.   E a brisa respondeu: “Porque vim da cidade que se escalda sob o calor do sol, e os germes das pragas e contaminações agregam-se às minhas vestes puras. Podes culpar-me por lamentar-me?   Mirei depois as faces de lágrimas coloridas das flores e ouvi seu terno lamento... E indaguei: “Por que chorais, minhas flores maravilhosas?”   Uma delas ergueu a cabeça graciosa e murmurou: “Choramos porque o Homem virá e nos arrancará, e nos porá à venda nos mercados da cidade.”   E outra flor acrescentou: “À noite, quando estivermos murchas, ele nos atirará no monte de lixo. Choramos porque a mão cruel do Homem nos arranca de nossas moradas nativas.”   Ouvi também um regato lamentando-se como uma viúva que chorasse o filho morto, e o interroguei: “Por que choras meu límpido regato?”   E o regato retrucou: “Porque sou compelido a ir à cidade, onde o Homem me despreza e me rejeita pelas bebidas fortes, e faz de mim carregador de seu lixo, polui minha pureza e transforma minha serventia em imundice.”   Escutei, ainda, os pássaros soluçando e os interpelei: “Por que chorais meus belos pássaros?”   E um deles voou para perto, pousou na ponta de um ramo e justificou: “Daqui a pouco, os filhos de Adão virão a este campo com suas armas destruidoras e desencadearão uma guerra contra nós, como se fossemos seus inimigos mortais. Agora estamos nos despedindo uns dos outros, pois não sabemos quais de nós escaparão à fúria do Homem. A morte nos segue, aonde quer que vamos.”   Então o sol já se levantava por trás dos picos da montanha e coloria os topos das árvores com auréolas douradas. Contemplei tão grande beleza e me perguntei:   “Por que o homem deve destruir o que a Natureza construiu?.”   Juventude e Esperança   “A juventude caminhava à minha frente e eu a segui até chegarmos a um vergel distante. Lá ela parou e contemplou as nuvens que se adelgaçavam no horizonte, como um rebanho de carneiros. Então olhou para as árvores cujos galhos nus apontavam para o firmamento como que pedindo ao Céu pela volta de sua folhagem.   E eu perguntei: “Onde estamos agora Juventude?”   Ela respondeu: “Estamos no campo da Confusão. Tome cuidado.”   Observei-lhe então: “Vamos voltar depressa, pois esse lugar desolado me aflige, e os suspiros das nuvens e as árvores nuas entristecem meu coração.”   A Juventude replicou: “Seja paciente. A perplexidade é começo da sabedoria.”   Olhei em torno e, como visse uma forma movendo-se graciosamente em nossa direção, indaguei: “Quem é essa mulher?”   A Juventude informou: “Esta é Melpomene, filha de Zeus e Musa da Tragédia.”   “Ó, Juventude feliz!” exclamei: “Que deseja a Tragédia de mim, enquanto estás a meu lado?”   E ela respondeu: “Ela veio para mostrar-te a terra e suas tristezas; pois aquele que nunca viu a Tristeza nunca reconhecerá a Alegria.”   O espírito pousou a mão sobre os meus olhos. Quando a retirou a Juventude tinha ido embora e eu estava sozinho, despido de minhas vestes da terra. Gritei então: “Ó filha de Zeus, onde está a Juventude?”   Melpomene não respondeu; mas tomou-me sob suas asas e carregou-me para o cume de alta montanha. Abaixo de mim, vi a terra e tudo que ela contém, estendidos como páginas de um livro, sobre as quais estivessem escritos todos os segredos do universo. Fiquei de pé, temeroso, ao lado da virgem, ponderando sobre os mistérios do Homem, e esforçava-me por interpretar os símbolos da Vida.   Vi então coisas espantosas: Os Anjos da Felicidade guerreando com os Demônios da Miséria, e de pé entre eles estava o Homem, puxado de um lado pela Esperança e do outro pelos Desespero.   Vi o Amor e o Ódio divertindo-se com o coração humano; o Amor revelava a culpa do Homem e o adulava com o vinho da submissão, do orgulho e da lisonja; enquanto o Ódio o espicaçava, e lhe cerrava os ouvidos e cegava os olhos para Verdade.   Observei a cidade acocorando-se como uma criança de suas favelas e servindo-se da vestimenta do filho de Adão. Ao longe vi campinas maravilhosas que choravam por causa da tristeza do homem.   Surpreendi sacerdotes enfurecidos como raposas astuciosas e falsos messias planejando e conspirando contra a felicidade do Homem.   Vi o homem clamando à Sabedoria por libertação; mas a Sabedoria não deu ouvidos a seus reclamos pois ele a desdenhara quando ela tentou falar-lhe, pelas ruas da cidade.   Vi pregadores voltados para os céus em adoração, enquanto seus corações estavam mergulhados nos abismos da Avareza.   Vi um jovem obter o coração de uma virgem com um falar suave; mas os verdadeiros sentimentos de ambos estavam adormecidos e eles se achavam muito aquém da divindade.   Vi os legisladores tagarelando indolentemente, vendendo suas mercadorias nos mercados da Fraude e da Hipocrisia.   Vi médicos brincando com as almas dos simples e dos crédulos. Vi o ignorante sentado com o sábio; ele exaltava o passado comum como um trono da glória; o presente de ambos, ele o enfeitava com a roupagem da fartura, e antevia um leito de luxúria para o futuro.   Vi pobres miseráveis lançando sementes, e os fortes obtendo as colheitas; e a opressão, mistificada em Lei, montava guarda.   Vi os ladrões da Ignorância assaltando os tesouros da Sabedoria, enquanto as sentinelas da Luz jaziam mergulhadas no sono profundo do ócio.   Vi dois amorosos; mas a mulher era como um alaúde nas mãos de um homem que não o sabe tocar, e só conhece os sons ásperos.   Observei as forças da Sabedoria cercando a cidade do Privilégio Hereditário; mas elas eram em pequeno número e logo foram dispersadas.   E vi a Liberdade caminhando sozinha, batendo às portas, pedindo abrigo, mas ninguém atendia as suas súplicas. Então vi a Liberalidade marchando suntuosamente, e a multidão aclamando-a como se fora a Liberdade.   Vi a Religião enterrada nos livros e a Descrença tomando o seu lugar.   E vi o Homem usando o manto da Paciência como um abrigo para a Covardia, e chamando a Indolência de Tolerância e o Medo de Cortesia.   Vi um intruso sentado à mesa da Sabedoria palrando levianamente, mas os convivas permaneciam silenciosos.   Vi ouro nas mãos dos perdulários, como um instrumento para fazer o mal; e nas mãos dos miseráveis como isca para o ódio. Mas nas mãos dos sábios, não vi ouro nenhum.   Quando testemunhei todas essas coisas, gritei de dor: “Ó filha de Zeus, isto é que é a Terra? Isto é o Homem?”   Numa voz suave e angustiada, ela replicou: “O que vês é o caminho da Alma, e ele está pavimentado com pedras pontiagudas e atapetado de espinhos: Isto é apenas a sombra do Homem. Isto é a noite. Mas esperai! A manhã logo estará aqui!”   Então, ela pousou a mão suave sobre meus olhos, e quando retirou, veja! Lá estava a Juventude caminhando silenciosamente ao meu lado e, adiante de nós, abrindo caminho, marchava a Esperança.”
Kahlil Gibran
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Os Sofrimentos do Jovem Werther
  “Tudo aquilo que me foi dado encontrar na história do pobre Werther, eu ajuntei com diligência e agora deposito à vossa frente, sabendo que havereis de me agradecer por isso. Não podereis negar vossa admiração e vosso amor ao seu espírito e ao seu caráter, nem esconder vossas lágrimas ao seu destino.   E tu, boa alma, que sentes o Ímpeto da mesma forma que ele o sentiu, busca consolo em seu sofrimento e deixa que o livreto seja teu amigo se, por fado ou culpa própria, não puderes achar outro mais próximo do que ele.”
  “Como estou contente de ter partido! Ah, meu amigo, o que é o coração humano! Deixar-te, a ti que eu tanto amo, de quem eu era inseparável, e estar contente! Sei que me perdoarás.”
  “Neste insignificante negócio só fiz comprovar mais uma vez, meu caro, que os mal-entendidos e a indolência talvez causem mais enganos no mundo do que a esperteza e a maldade. De qualquer modo as duas últimas são, por certo, mais raras.   De resto estou me sentindo muito bem por aqui. A solidão destas campinas paradisíacas é um bálsamo delicioso para o meu peito, e essa época de juventude aquenta com toda plenitude meu coração tantas vezes tiritante. Cada árvore, cada moita é um ramo de flores, e a gente faria gosto em se transformar num besouro para esvoaçar nesse mar de perfumes e poder sugar todos os seus alimentos.   A cidade em si é desagradável, mas nos arrabaldes a natureza é de uma beleza indizível. Foi o que levou o falecido Conde de M... a plantar um jardim sobre uma daquelas colinas, que se sucedem umas às outras com tanta variedade, formando vales plenos de delícia. O jardim é simples, e logo à entrada a gente sente que o seu esboço não foi elaborado por um jardineiro que domina a ciência, mas por um coração sensível, que ali queria deleitar-se e gozar-se a si mesmo.”
  “Uma serenidade admirável domina minha alma inteira, semelhante à doce manhã primaveril que eu gozo de todo o coração. Estou tão só e minha vida é feita de alegrias por viver numa região que parece ter sido criada para almas como a minha. Estou tão feliz, meu amigo, tão mergulhado na sensação de minha calma existência, que a minha arte sofre com isso. Não poderia desenhar nada agora, nem sequer um traço, embora jamais tenha sido tão grande pintor quanto neste instante. Quando a bruma do vale se levanta a minha volta, e o sol altaneiro descansa sobre a abóbada escura e impenetrável da minha floresta, e apenas alguns escassos raios deslizam até o fundo do santuário, ao passo em que eu, deitado no chão entre a relva alta, na encosta de um riacho, descubro no chão mil plantinhas desconhecidas... Quando sinto mais perto de meu coração a existência desse minúsculo mundo que formiga por entre a relva, essa incontável multidão de ínfimos vermes e insetinhos de todas as formas e imagino apresença do Todo-poderoso, que nos criou a sua imagem e semelhança, e o hálito do Todo-amado que nos leva consigo e nos ampara a pairar em eternas delícias... Ah, meu amigo,quando o mundo infinito começa a despontar assim ante meus olhos e o céu se reflete todo ele em minha alma, como a imagem de uma amada... Então suspiro profundamente e penso: Ah! pudesses tu voltar a expressá-lo, pudesses tu exalar o sentimento e fixar no papel aquilo que vive em ti com tanta abundância e tanto calor, de maneira que o mesmo papel pudesse se fazer o espelho de tua alma, como tua alma é o espelho do Deus infinito! Meu amigo! Mas vou ao chão ante isso, sucumbo ante o poder e a majestade dessas aparições.”
  “Tu sabes que não existe no mundo nada tão instável, tão inquieto quanto o meu coração. Se é que tenho necessidade de dizê-lo a quem tantas vezes carregou o fardo de me ver passar da aflição à digressão, da doce melancolia à paixão furiosa, meu caro!”
  “Se me perguntares como são as pessoas por aqui tenho de te responder: como em todo lugar! É uma coisa bastante uniforme a espécie humana. Boa parte dela passa seus dias trabalhando para viver, e o poucochinho de tempo livre que lhe resta pesa-lhe tanto que busca todos os meios possíveis para livrar-se dele. Oh, destino dos homens!”
  “Quando penso nos limites que circunscrevem as ativas e investigativas faculdades humanas; quando vejo que esgotamos todas as nossas forças em satisfazer nossas necessidades, que apenas tendem a prolongar uma existência miserável; quando constato que a tranqüilidade a respeito de certas questões não passa de uma resignação sonhadora, como se a gente tivesse pintado as paredes entre as quais jazemos presos com feições coloridas e perspectivas risonhas – tudo isso, Guilherme, me deixa mudo. Meto-me dentro de mim mesmo e acho aí um mundo! Mas antes em pressentimentos e obscuros desejos que em realidade e ações vivas. E então tudo paira a minha volta, sorrio e sigo a sonhar, penetrando adiante no universo.”
  “Te digo, meu amigo, que quando estou a ponto de perder o juízo, todo o tumulto interior se me apazigua com a visão de uma criatura como aquela, que percorre o círculo estreito de sua existência em ditoso abandono e encontra cada dia o necessário; e vê cair as folhas sem pensar em mais nada senão em que o Inverno está chegando.”
  “Caro Guilherme, fiz toda sorte de reflexões sobre a ânsia inata do homem de se expandir, de fazer novas descobertas, de errar aqui e acolá; e também sobre esse íntimo pendor de se entregar à limitação voluntariamente, de seguir deslizando pelos trilhos costumeiros, seguindo o ramerrão do hábito, sem voltar a vista para a direita ou para a esquerda.   É singular! Como me sentia atraído por tudo que jazia em derredor quando aqui vinha, e da colina contemplava aquele belo vale! Ali o bosquezinho! Oh, se um dia tu pudesses mergulhar em sua sombra! E mais além o cume de uma montanha! Oh, se pudesses contemplar dali toda essa vasta região! Essa cadeia de colinas e esses pacíficos vales! Ah, se eu pudesse me perder neles... Voava para ali! E regressava sem ter encontrado aquilo que procurava. Dá- se com a distância o mesmo que com o futuro. Um horizonte imenso, misterioso, repousa diante de nossa alma; o sentimento nele mergulha como o nosso olhar, e desejamos, ah! como desejamos, entregar todo o nosso ser para nos consubstanciarmos num só, grande e magnífico sentimento... Mas, ah!, corremos, voamos e quando lá chegamos, quando o longe se faz perto, nada se alterou, e nós encontramo-nos com nossas mesmas misérias, com os mesmos e estreitos limites, e de novo a nossa alma suspira pelo mesmo bálsamo que acabou de se esvair.”
  “Como me sinto feliz por ter um coração feito para sentir as alegrias simples e inocentes do homem que põe na sua mesa a cabeça de repolho que ele mesmo cultivou. E não apenas o repolho, mas também os bons dias, as belas manhãs em que o plantou, as deliciosas tardes em que o regou, e de novo volta a gozar em um momento todas aquelas alegrias que experimentou ao ver o paulatino crescimento da planta!”
  “Queixamo-nos muitas vezes”, principiei eu, “de que temos tão poucos dias bons e tantos dias maus, e parece-me que na maior parte delas nos queixamos sem razão. Se o nosso coração estivesse sempre aberto para gozar o bem que Deus nos manda todos os dias, teríamos força mais do que suficiente para suportar o mal quando ele aparece.”
  ““Nada disso”, repliquei. “E olha que sou ameno e não sei se merece tal nome algo com o que causamos tanto dano a nós mesmos e ao próximo. Não basta o fato de não podermos nos tornar mutuamente felizes? Temos ainda de nos privar um ao outro do prazer que cada qual pode gozar no íntimo do seu coração? Citai-me um só homem que, adoecendo de mau humor, seja, não obstante, bravo o suficiente para dissimulá-lo, guardá-lo só para si, sem acabar com a festa dos que o rodeiam! Não será o mau humor muito antes uma insatisfação íntima com a nossa própria indignidade, um descontentamento com nós mesmos, que sempre vem atado a uma inveja, fomentada por uma vaidade insana? Vemos homens felizes cuja felicidade não é obra nossa e isso nos resulta insuportável.”
  “Não estou ativo agora por acaso? E não vem a ser igual, no final das contas, contar ervilhas ou lentilhas? Tudo nessa vida acaba em bagatela e aquele que, para agradar aos outros se mata trabalhando por dinheiro, honras ou o que for, sem que a isso o mova sua própria paixão ou necessidade, é, com certeza, um tolo.”
  “Ranjo os dentes e faço troça de minha própria miséria, e faria dupla, e até tripla troça, daqueles que dizem que eu deveria ter me resignado, já que as coisas sabidamente não seriam diferentes... Livrai-me destes espantalhos grudados ao meu pescoço!...”
  ““Bem! No primeiro caso procura realizá-la, alcançando êxito em relação a teus desejos; no segundo, faz das tripas coração e livra-te de um sentimento que acabará por consumir as tuas forças...” Mui amigo! Isso é fácil dizer... fazer é que são elas...   Podes tu exigir deste desgraçado, cuja vida se apaga minada por um lento e incurável mal, que ponha fim aos seus tormentos com uma punhalada? E esse mal que lhe devora as forças não lhe roubará, ao mesmo tempo, a força para se libertar dele?”
  ““Meu amigo!”, exclamei. “O homem é sempre homem, e a pequena dose de bom senso que este tem a mais do que aquela pouco pesa na balança quando as paixões fervilham e os limites do humano nos sufocam. Ou, muito antes... Em outra oportunidade falaremos disso”,disse eu pegando o chapéu. Oh, meu coração estava tão cheio... e nós nos separamos sem ter- nos entendido um ao outro. É tão raro duas pessoas se entenderem neste mundo!”
  “É como se alguém tivesse arrancado a cortina que tapava a visão de minha alma... O espetáculo da vida infinita metamorfoseou-se ante mim num túmulo eternamente aberto. Tu poderás dizer: É assim! Mas e quando tudo passa... E quando tudo roda com a celeridade do raio e não conseguimos segurar-nos com a plenitude de nossa energia vital, vendo tudo ser arrebatado pela corrente, e ai!, ser submerso e esmagado contra os rochedos... Então não há instante que não te devore, a ti e aos teus, não há instante em que não sejas, em que não devas ser um destruidor. O mais inocente dos teus passos custa a vida de milhares de pobres insetos, uma pisada tua destrói o penoso trabalho das formigas e impele um pequeno mundo à tumba ignominiosa. Ah, não são as vossas grandes e raras catástrofes, essas inundações que arrastam vossos vilarejos, esses tremores de terra que submergem vossas cidades, que me impressionam! O que me consome o coração é essa força dominadora que se oculta sob a totalidade da Natureza, e que nada produz que não destrua o que a rodeia, e por fim a si mesmo... E assim vagueio atormentado por aí. Céu, terra e suas forças ativas em volta de mim! Nada vejo senão um monstro que engole eternamente e eternamente volta a mastigar e a engolir.”
  “É tanta a desdita, Guilherme! Minhas forças ativas degringolaram em inquieta indolência, não posso estar ocioso, mas também não consigo fazer nada. Não tenho nenhuma ideia, nenhuma sensibilidade pelas coisas e os livros me causam tédio. Quando faltamos a nós mesmos, tudo nos falta. Juro-te, cem vezes desejei ser um operário para ter, ao levantar pela manhã, uma perspectiva, um trabalho, uma esperança. [...] O ministro há muito manifesta afeto por mim, e muitas vezes me aconselhou a ocupar-me em qualquer emprego. Em certos momentos chego a dispor-me a isso, mas logo a seguir reflito e lembro-me da fábula do cavalo que, cansado da liberdade, deixa que coloquem sobre ele sela e bridão, e ao final é condenado à desonra de ser montado... Não sei o que devo fazer... E, querido amigo, esse desejo de mudar de situação não virá de uma inquietação íntima e importuna que há de me perseguir por toda a parte?”
  ““Existiremos!”, prosseguiu ela, na voz do mais magnífico dos sentimentos. “Mas, Werther, tornaremos a nos encontrar? A nos reconhecer? Que pensais disso?”
  “Loucos que são! Se mostram incapazes de ver que o lugar é a coisa menos importante e que aquele que ocupa o primeiro, raras vezes desempenha o papel principal! Quantos reis são governados por seus ministros e quantos ministros são governados por seus secretários! E qual deles é, ao fim das contas, o primeiro? Aquele que, penso eu, tiver mais conhecimentos sobre os outros e suficiente caráter ou finura para poder empregar suas forças e suas paixões na execução dos seus planos.”
  “À noite, decido que vou gozar o nascer do sol no dia seguinte, mas não consigo levantar da cama. De dia espero ficar alegre com o luar, mas à noite fico trancado em meu quarto. Já não sei mais por que levanto, já não sei mais por que vou dormir.   O fermento que pôs minha vida em movimento, falta; o estímulo que me encorajava à noite já não existe, aquele que me despertava pela manhã se foi.”
  “Eis-me, pois, animado por oito dias e reconciliado comigo próprio. O repouso da alma é uma coisa soberba, meu amigo, eu diria que é a alegria em si... Mas por que é que essa coisa tem de ser tão frágil quanto rara e preciosa?”
  “Eu não posso ajudar a mim mesmo, de modo que espero que ela entenda o fato de eu não poder ajudar a ela. Sei que isto virá a lhe causar pena.”
  “E outra coisa ainda. Ele faz mais caso do meu espírito e do meu talento do que deste coração que é meu único orgulho, a única e solitária fonte de tudo, de toda a energia, de toda a ventura e de toda a desgraça. Ah, o que eu sei, toda a gente o pode saber! Mas o meu coração só a mim pertence...”
  “Digas o que disseres, não posso permanecer aqui por mais tempo. Que fazer aqui? Começo a aborrecer-me... O príncipe me trata da melhor maneira possível, tudo bem, mas não me sinto à vontade. No fundo, nada temos em comum. Ele é um homem de espírito, mas de um espírito completamente vulgar, a sua conversa não entretém mais do que a leitura de um romance bem escrito.”
  “É certo, não passo de um viajeiro, um peregrino sobre a terra! Mas e vós, sereis mais?“
  “Um importuno interrompeu-me. Secaram-me as lágrimas. Estou distraído. Adeus, meu caro.”
  “Mas por quê? Por que não conservar em mim o que me aflige e me adoece? Por que entristecer-te também? Por que dou-te sempre motivo de lamentares o que se passa comigo e me ralhares? Que seja! Quem sabe se isso não faz parte do meu destino...”
  “Príncipe... Ah, sim, se eu fosse príncipe, como eu me importaria pelas árvores do meu país!“
  “Por vezes sinto vontade de rasgar-me o peito, de partir-me o crânio, ao ver de quão pouco somos capazes uns em relação aos outros. Ah, o amor, a alegria, o ardor, as delícias que não alcanço por mim, não mas dará outro, e, com o coração a transbordar de venturas, não poderia tornar feliz a este mesmo outro ao vê-lo frio e sem forças diante de mim.“
  “Deus sabe quantas são as ocasiões em que me deito na cama com o desejo, e às vezes a esperança, de não tornar a acordar. E de manhã abro os olhos, revejo o sol e me sinto miserável! Oh, não ser eu caprichoso a ponto de acusar o tempo, ou a um terceiro, uma empresa falhada, talvez, para que o insuportável fardo das mágoas não pese inteiro sobre mim! Desgraçado que sou! Sinto, e bem no fundo, que toda a culpa é minha... Não, a culpa não! Basta que eu traga hoje oculta em meu peito a fonte de todas as misérias, do mesmo modo que trazia outrora a fonte de todas as venturas. Não sou eu o mesmo homem que dantes bracejava numa inesgotável sensibilidade, que via surgir o paraíso a cada passo e tinha um coração capaz de estreitar dentro de si o amor do mundo inteiro? Mas agora este coração está morto, já não brota dele nenhum encanto, os meus olhos estão secos e os meus sentidos, que já não são mais aliviados por lágrimas refrescantes, também estão secos e rasgam sulcos de medo em minha testa. Eu sofro muito, pois perdi tudo o que me causava delícia à vida, essa força divina, vital, com a qual criava mundos ao redor de mim. Ela passou... Quando olho da janela para a remota colina, é em vão que vejo acima dela o sol da manhã atravessar o nevoeiro e brilhar no fundo pacífico do prado, e o brando ribeirão serpentear à minha busca por entre os salgueiros despidos de folhas... Oh, toda essa magnífica natureza é fria para mim, inanimada como uma estampa colorida, e todo esse espetáculo já não consegue bombear do coração à cabeça a menor gota de um sentimento venturoso, e o homem total está ali, em pé diante de Deus como um poço seco, como um balde furado. Muitas vezes me prostrei ao chão implorando lágrimas a Deus, como um lavrador clama por chuva quando vê um céu de bronze sobre sua cabeça e a terra ao redor de si a morrer de sede.   Mas, ah, sinto-o, Deus não concede a chuva e o sol às nossas importunas súplicas... E esses tempos cuja recordação me atormenta, por que eram eles tão felizes, senão pelo fato de que eu esperava os seus desígnios com paciência? E por que recebia de coração inteira e intimamente agradecido as delícias que ele derramava sobre mim?"
  “Brinco e gracejo com as minhas dores e, se não me contivesse, faria uma ladainha inteira de antíteses.”
  “[...] eu seria outro homem! Sim, houve um tempo em que eu estava tão bem! Hoje, acabou-se tudo para mim, sou...” Um olhar úmido lançado ao céu tudo revelou... “Quer dizer que fostes feliz?”, perguntei eu. “Ah! Bem que eu queria sê-lo agora como fui outrora!”, disse ele. “Andava tão bem, alegre e folgazão como um peixe na água...”
  “Interrompi sua torrente de palavras perguntando-lhe: “Que tempo era aquele do qual ele fala tanto, no qual se dizia tão feliz, tão contente?”   “O pobre insensato!”, exclamou ela com um sorriso de piedade. “Refere-se ao tempo em que estava fora de si, uma época que ele não cessa de elogiar. Foi o tempo que passou no hospício, e não tinha conhecimento de si mesmo.” Aquilo caiu sobre mim como um trovão. Meti uma moeda de prata na mão dela e afastei-me em largas passadas.   “Sim, aí eras feliz!”, exclamei eu caminhando precipitadamente em direção à cidade. “Aí poderias te sentir bem como um peixe na água! Deus do céu! Arranjaste o destino dos homens de sorte que apenas possam ser felizes antes de alcançarem a razão ou depois de perdê-la! Pobre miserável! E contudo invejo-te a loucura, esse desarranjo dos sentidos em que te consomes! Sais cheio de esperanças a colher flores para a tua rainha... em pleno inverno... e afliges-te por não as encontrares, sem atinar por que não as encontras. E eu... Eu saio sem esperança, sem objetivo, e volto à casa como saí...”
  “Oh, por que é que nascestes com esses ímpetos, com esses arrebatamentos indomáveis e ardentes que dedicais a tudo o que vos toca! Peço-vos”, acrescentou ela pegando-lhe na mão, “dominai-vos! Vosso espírito, vosso talento, vossos conhecimentos, quantos prazeres eles não vos garantem! Sede homem, quebrai essa fatal afeição que tendes por uma criatura que não pode fazer mais que vos lamentar!”
  “Mil projetos, mil perspectivas lutaram em fúria na minha alma, e por fim ficou ali, firme e inteiriço, o último, o único pensamento... Quero morrer! Deitei-me e pela manhã, no sossego do despertar, ainda encontrei o mesmo pensamento, firme, inteiriço, ancorado em meu coração. Quero morrer!”
  “A longa convivência com ele, algumas situações que viveram juntos haviam causado impressões indeléveis no coração dela. Acostumara-se a partilhar com ele tudo o que achava interessante, todos os seus sentimentos e todos os seus pensamentos, e a partida do jovem ameaçava abrir-lhe um vácuo que ela nunca mais conseguiria preencher.”
  ““Por que é que me despertas, hálito da primavera? Fazes-me carícias e dizes: Eu te orvalho com gotas do céu. Mas o meu tempo de murchar vai próximo, está próxima a tempestade que há de arrancar minhas folhas.”
  “Como posso eu desaparecer? Como podes tu desaparecer, assim no mais? Nós estamos assim, sim... Desaparecer... O que é que isto significa? É mais uma daquelas palavras, um som oco que o meu coração não compreende...”
  “Adeus! Tornaremos a ver-nos, e mais felizes.”
  “Fragmentos do Diário de Kestner   15 de agosto: Estive com Goethe à noite, até as 12 horas, passeando pela rua. Conversa estranha, pois ele estava dominado pelo mau humor e tendo todo tipo de fantasias...”
Johann Wolfgang Goethe
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A Sombra Interior
  “É bom lembrar que a etimologia da palavra hebraica pecado derivou-se de um termo de tiro de arco, que significa “errar o alvo”. Como tal soa um pouco menos crítico, pois quem, entre nós, tem o tempo todo, excelente pontaria, firmeza de braço e totalidade de foco para sempre acertar o centro do alvo?.”   “Assim a Sombra do narcisismo assombra todos os relacionamentos, até os mais evoluídos e constitui o desafio ético do relacionamento, isto é, “até que ponto consigo amar o outro verdadeiramente sem deixar que minhas próprias necessidades o domine?”. Nós repetidamente pedimos que eles nos deem o que não aprendemos a dar ou a encontrar por nós mesmos.”
James Hollis
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It”s hard to understand why a person suffers in the way that they do. The mind is so powerful and it controls our body and speech. If the mind is unhappy and confused so much suffering can arise.
Ani Zamba
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Autoempoderamento: a última fronteira.
  “Liberando-me.    As cordas que me amarravam não eram físicas, apenas as normais do apego, orgulho, atrações, aversões, hábitos ou meus desejos egoístas. A lista era interminável. Elas empurravam-me e puxavam-me aqui e ali. Sem sabê-lo, onde quer que fosse, carregava a prisão comigo enquanto vivia na ilusão de ser livre.”   “Há também o efeito de uma imaginação fértil. Por exemplo, um artista pinta um retrato de um tigre tão realista que ele começa a ter medo dele. Da mesma forma, apesar de eu ter pintado o retrato da minha vida com cores de memórias e experiências do meu passado e presente, ainda é uma criação minha. Posso realmente ter medo do que eu mesmo pintei?”   “Com um sentimento de gratidão, posso desfrutar minha boa sorte e cuidar das coisas da melhor forma possível. Ser desapegado não significa ser descuidado ou permitir que a minha cabeça fique nas nuvens. É não ser afetado pela negatividade, mantendo suficiente amor e preocupação com coisas para que elas prosperem.”
Ken O'Donnell 
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A arte de viver
  “Somos controlados por aquilo que concede o que buscamos ou remove o que não queremos.   Se é liberdade o que você procura, então deseje nada e rejeite tudo o que depende dos outros. Caso contrário, será sempre um escravo indefeso. Procure compreender o que é realmente a liberdade e como ela é conseguida. A liberdade não é o direito ou a capacidade de fazer o que se quer.   A liberdade vem da compreensão dos limites de nosso próprio poder e dos limites naturais estabelecidos pelas leis cósmicas. Ao aceitar os limites e inevitabilidades da vida e ao trabalhar com eles, em vez de lutar contra eles, nos tornamos livres.   Se, por outro lado, sucumbimos a nossos desejos passageiros [aos nossos caprichos] por coisas que não estão sob nosso controle, a liberdade está perdida.”   “Este homem, que hó pouco era senhor de um pequeno território e ainda não reconhecido, ao atingir os confins do Terra, se entristece por ser obrigado a voltar através de um mundo que já lhe pertence.”   “Tenho pronto para ti um credor, aquele que Catão recomenda, ou seja, suficiente será se se aquilo de que necessitamos for pedido a nós mesmos.Não há, com certeza nenhuma diferença, Lucílio, entre não desejar e possuir. Nos dois casos o resultado é idêntico, isto é, não hó sofrimento.”   “Mas, antes de tudo, devemos abandonar os prazeres, aqueles que nos enfraquecem e nos levam a exigir demais do destino. A seguir, deixemos de lado a riqueza que nos escraviza, larguemos o ouro, a prata e tudo o que mais cobre a casa dos que se dizem felizes. A liberdade não nos é dada de graça. Se realmente a queres, o resto deve contar pouco.“   “Façamos uso, então, desse beneficio da natureza, considerado como o melhor, e não esqueçamos que, se ela merece nosso reconhecimento, é, antes de tudo, porque nos permite consumir sem dificuldade aquilo que a necessidade nos faz desejar.”   “Se desejas um exemplo, dou-te o de Sócrates, um velho de grande resistência, perseguido por todas as dificuldades e, no entanto, invencível, seja pela pobreza, cujo fardo familiar tornava mais pesado, seja pelos rigores da guerra e mesmo pelos domésticos. A mulher? Uma megera de língua vespertina. Seus filhos? Resistentes a todo ensinamento, mais parecidos com a mãe do que com o pai.   Eis aqui um pouco de sua vida: uma guerra, uma tirania e uma liberdade mais cruel que ambas.Os combates duraram vinte e sete anos; terminadas as hostilidades, a cidade ateniense foi entregue a trinta tiranos, a maior parte deles  do filósofo. O golpe final foi sua condenação, seguida de um processo no qual pesaram sobre ele sérias acusações graves.    Acusavam-no de violar a religião, de corromper a juventude, levando-os a atingir deuses, os pais de família e a República. Por fim, a prisão, o veneno.   Tudo isso perturbava pouco a alma de Sócrates, tanto que seu semblante permanecia impassível.   Percebe que elogio admirável e único! Até seu fim ninguém viu Sócrates mais alegre ou mais triste. Ele permaneceu constante frente a um destino tão inconstante.”
Epicteto
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A Gift of Awakening
  “The bad habit of aversion - The discipline was so fanatically vegetarian, he had forgetten the underlying kindness of refraining from eat meat in his obsession to avoid it.”
    “You can use skillful methods to combat the powerful enemies of anger and hatred.”
  “An important aspect of transforming adversity is to lessen the personal feelings of attachment to the situation. This means transforming the usual view of “why did this happen to me?” It didn’t. The situation arose from causes and conditions and you are only a small part of the equation.”
  “Don’t you know you’re looking at a man who could run you through without blinking?                                                                                                      Army general
  “And you, sir, are looking at a man who can be run through without blinking.                                                                                                            Zen priest”
  “If the doors of perception were cleansed, every thing would appear to man as it is, infinite.”                                                                                                       Willian Blake
Gill Farrer Halls
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Devoção de advogado
  “O jurista sabe que a lei tem letra e tem espírito. O velho advogado sente que a lei tem corpo e tem alma. A verdade é que a lei, para o jurista – para o advogado arguto e para o juiz sagaz –, não se esgota em sua letra. A lei se acha, também, em sua intenção.”   “Não é de espantar que o povo leigo – e mesmo alguns espíritos ilustres, condoídos com as misérias reinantes e inspirados por sentimentos de caridade –, o povo meio perdido e abandonado, dentro de um capitalismo insensível, se insurja contra certos arestos, e exclame: "Abaixo as leis! Queremos justiça!".”   “Quando os juízes declaram que não cumprem as leis, quem as cumprirá?Que heresia é essa? Que heresia é a de querer fazer justiça sem lei? Fazer justiça contra a lei? Lamentável heresia, negação do Estado de Direito, caminho direto para a anarquia ou para o despotismo, em que a devoção dos advogados de nosso país não incidirá jamais.   Não, não é possível aceitar a leviandade dessa tese insensata. Não é possível concordar com a entrega do poder de decidir sobre o que é o seu de cada um ao arbítrio de quem quer que seja.   A lei, só ela, a lei elaborada segundo os cânones do processo legislativo, nas Câmaras do Poder Competente, a lei sabiamente interpretada, é que constitui o critério, a baliza, a regra do justo – do justo possível, do justo dos homens. Se a lei não é justa, substitua-se por outra. Se uma decisão judicial não é correta, recorra-se para obter nova decisão. Mas o que todos nós queremos, quando somos lesados em nossos direitos, é poder nos abraçar às leis, para granjear o que for de justiça.   Muito verdadeira sempre me pareceu a célebre frase de Lacordaire: Quando a desordem impera, " a liberdade escraviza, a lei é que liberta".   No decurso de minha própria vida, o espetáculo dos sofrimentos causados pelo arbítrio de vários governos autoritários – prisões, torturas, assassinatos, banimentos, cassações –, toda espécie de perseguições ilegais, tudo isto locupletou meu espírito de horror pelos regimes de força, em que a justiça é simples manifestação da vontade discricionária de alguém.   A justiça, de fato, é o que soberanamente interessa. Mas, sem lei, em que se há de apoiar a justiça? Sem lei, há de ela decorrer, acaso, do suspeito critério pessoal, da vontade solta de quem a pronuncia?   Ao fim destas linhas, quero confessar que estou persuadido de que a verdadeira compreensão das leis, a criteriosa interpretação delas, a sua aplicação prudente ao caso concreto não dependem de muita erudição. Mais dependem, creio eu, do que os velhos chamam de sabedoria, isto é, daquele patrimônio da consciência, adquirido em segredo, no lento fluir da existência: "Not knowledge, but wisdom”, eis o lema. Menos ciência, mais sabedoria – aquela "sabedoria profunda e silenciosa", de que fala meu irmão Ignácio (Páginas de uma vida , Parte I, I).   Com a lógica do razoável e com essa íntima sabedoria, a devoção dos advogados e dos juízes fará a justiça que "excede a justiça dos escribas e dos fariseus", a que se referiu Jesus, no Sermão da Montanha.”
Goffredo Telles Junior
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