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luandesouzaoliveira · 7 years
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comunhão
me parece adequado que eu escreva um pouco sobre o que me acometeu na noite de hoje. caminhava pelas galerias tão minhas conhecidas do CCBB do Rio. o tema da exposição era "O Rosto Humano na Coleção do MASP". tinha visto todas as pinturas e esculturas, de todos os tempos desde a renascença e de todos os lugares. cheguei na fotografia. fiquei ainda mais animado. mais perto do meu elemento. anotei o nome de alguns retratistas impactantes. anotei o nome de mais dois fotógrafos cujas composições me impactaram. então avistei o quadrinho com o nome dela. Claudia Andujar. puxei o celular para verificar na internet se já tinha ido numa exposição dela no IMS. descobri depois que tinha sim. não foi naquele momento, entretanto. porque depois de ver a fotografia do indio deitado na rede, uma marca branca difusa na fumaça iluminada por brechas nas paredes, ainda com o celular na mão voltei minha atenção para o quadro ao lado. parecia um bloco escuro. então aconteceu. como se a fotografia se revelasse diante dos meus olhos, a luz emergiu da tela. uma bochecha e um pescoço delineados por uma fonte traseira. uma pequena clavícula: a parte superior de um torso. o cabelo parecia ser uma fumaça densa que se desenrola sem pressa, como que submersa. e os olhos.
vou morrer sem conseguir absorver a gravidade do olhar dessa criança.
estanquei diante da moldura, sentindo o sangue percorrer meu corpo como se fosse a primeira vez em 21 anos. minha respiração se tornou plena: enchia meus pulmões completamente, para esvaziá-los de todo. o tempo todo eu sabia que o que estava acontecendo comigo não era trivial. uma vida inteira anos frequentando aquele espaço e outros similares. jamais tinha acontecido nada similar. como se a minha alma crua se encontrasse em algum lugar fora de mim, e transbordasse para a sala e para o mundo, e rugisse de satisfação por saber que não é única nesse mundo. que existe um propósito para si. que eu sou feito de outras coisas, e que outras coisas são feitas de mim, e que esse mundo e esse universo são grandes demais pra serem explicados em jargões e fórmulas matemáticas, mas existem outras linguagens que chegam perto, perto o suficiente pra confirmar que nossos instintos estão certos quando nos dizem que nossos sentidos não são o bastante. existe algo mais. existe o olhar daquela criança e existe um meio de registrá-lo de forma que, quando reproduzido, carrega a força desse olhar com a intensidade absoluta da própria luz. e que glória viver num mundo onde isso é possível.
dei uma volta na sala. revi outros trabalhos. vi trabalhos novos, coitados. acho que não tinha mais lugar em mim pra eles. quem sabe da próxima vez. voltei à frente do quadro. pra ver se o efeito permanecia, ou se só fora o susto. tiver que levar a mão à boca. depois aos olhos. nada feito. quer dizer, tudo feito. ainda estava lá. minha alma. o universo. tudo feito. tenho certeza que o segurança do museu estava prestes a me cutucar e perguntar se eu precisava de alguma coisa. e, de qualquer forma, a galeria ia fechar. e mais que isso, pra ser sincero, eu tive medo daquilo acabar. forcei minhas pernas a se mexerem.
o museu tem o mesmo efeito do shopping center (com 100% menos dano visual e psicológico) de te fazer esquecer que lá fora o tempo passa e o clima muda. estava frio. começou a chover.
essa noite posso dizer que alguma parte de mim entende exatamente porquê está chovendo. nenhuma gota cai do céu sem sua razão. não saberia expressá-la em palavras, mas sei que não é à toa. não sei se o efeito vai durar. mas sei que quando precisar, vou cruzar com outras obras capazes de surtir o mesmo efeito novamente. um brinde a Claudia Andujar, um brinde ás/aos suas/seus colegas, e um brinde ao CCBB e a todas as catedrais desse mundo.
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luandesouzaoliveira · 7 years
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Precisamos falar sobre a Sonserina.
Agora que o Pottermore lançou “ribbons” para as fotos do facebook, aconteceu o inevitável: problematizações quanto à Sonserina. O fato de que a galera tá escolhendo colocar faixas verde e prata em suas fotos virou motivo de encafifação geral entre a galera das casas “legais”. Não tardaram a surgir comparações entre os sonserinos e o fascismo, por exemplo. Bom, deixando de lado o fato de que o verdadeiro paralelo aí seriam os Comensais da Morte (aquele grupo para o qual as pessoas escolhiam ir depois de velhas, sabe?) isso traz à tona um fato: nós nunca falamos muito sobre a Sonserina como instituição. Nunca falamos muito sobre o que ela representa como antagonista de uma série de fantasia infanto-juvenil. Mas eu acho que essa conversa é necessária.
Precisamos falar sobre como a J.K. institucionalizou o determinismo e o maniqueísmo ao criar uma casa que servia basicamente pra marcar as crianças pra sempre, inferir seus "potenciais" de acordo com um chapéu que basicamente fazia profecias de acordo com as cabeças de pessoas de 11 anos.
Precisamos falar sobre como um quarto da escola foi jogado nas masmorras e impedido de participar da Batalha de Hogwarts por causa de uma maçã podre, e a Batalha foi ganha de qualquer forma, ou seja: pra quê que serve aquela casa dos babacas mesmo?
Se você leu Harry Potter, sabe que sobre essa questão não tem muito desenvolvimento. A Sonserina é aquela casa que você pode odiar à vontade porque eles são TÃO arrogantes e TÃO convencidos. Os sonserinos são ruins porque são da casa ruim. Se você é sonserino, ninguém te dá o benefício da dúvida. Simples assim.
Por conta de uma tipificação feita quando se tinha onze anos de idade. E mesmo que não fosse, já ouviram falar em nuance? Nada é preto no branco desse jeito.
Desenvoltura, destreza, ambição, determinação, autopreservação, fraternidade e inteligência. Esses, supostamente, seriam os traços definidores do sonserino. Mas a primeira coisa que a gente fica sabendo é que a sonserina foi a casa que mais produziu feiticeiros sombrios ao longo dos séculos. Antes de mais nada, podemos falar sobre feedback? Se essa tendência é tão facilmente identificável, mudem alguma coisa nesse raio de currículo. De qualquer forma, logo descobrimos que “a maioria” dos bruxos sonserinos, além de arrogantes, são racistas, e assim foi justificado pensar que sonserino nenhum presta.
Basicamente, o que essa casa faz é legitimizar que se desgoste de uma pessoa sem conhecê-la. Mais que isso: toda a separação das casas estimula uma atomização indiscriminada. Os alunos isolam os sonserinos, não os deixam se aproximar, e assim é claro que eles vão procurar companhia em seus vizinhos de quarto, aumentando assim a probabilidade do ódio se proliferar em mentes aparentemente programadas para tanto. Mas isso foi feito, aparentemente, desde que a escola foi fundada, e o processo resultou em quê? Lord Voldemort, Comensais da Morte e as guerras bruxas.
Não me entendam mal, meu problema não é que as pessoas interpretaram mal a Sonserina: meu problema é que a JK não respeitou as regras que ela mesma criou. Era pra ser uma casa com essas características e virou a casa pra onde vão todos os "babacas de nascença".
Você aí, desconstruidão Coluna ereta Todo mundo é igual Fora temer
Grandes chances de você ter sido bem babaquinha quando criança, hein.
Caras, vocês sabem do que eu tô falando. Nos recreios da minha escola ser "xingado" de viado dava briga feia. Eu falava tanta merda... Mas me foi dada a chance de repensar porque pessoas maravilhosas se aproximaram de mim e me iluminaram de pouco em pouco APESAR do meu status de homem branco cis-hétero classe média, e hoje a gente tá aí, nesse processo de desconstrução que nunca tem fim mas nunca desaponta também.
Agora fala quando isso aconteceu em HP
Esse é o meu problema com o maniqueísmo e o determinismo. não existe mobilidade. Não existe vontade de sequer dialogar com pessoas que vestem roupas de cores especíificas. De nenhuma parte. As outras três casas desprezam a Sonserina pelo simples fato dela ser a Sonserina e os sonserinos nem consideram a possibilidade de fazer amigos fora de casa porque sabem que são desprezados, ou porque desprezam os outros igualmente... Porque são sonserinos... E sonserinos desprezam todo mundo... Porque são sonserinos... Entendem o conceito de vilão monolítico?
Disse bem Nathalia Menezes no twitter: isso não faz bem nem pra mensagem. "O lance de sangue ruim é uma metáfora pro preconceito. Se ela tivesse colocado bruxos puristas em outras casas seria efetivo. Preconceituosos, racistas etc não são facilmente identificáveis. O preconceito e mais estrutural e menos na cara. Colocando uma casa e usando ela como ‘a casa das pessoas DO MAL’ é um truque bem barato que diminui a mensagem sobre tolerância"
Lembrete amigável que eu sou lufano e orgulhoso. Com ascendente e lua em corvinal, se alguém estiver contando. Por acaso eu tenho muitos amigos sonserinos (e aparentemente isso faz algum tipo de sentido cósmico https://twitter.com/LuanSOliveira/status/816475875415851008).
Mas no geral, o que me incomoda é que alguma parte da saga que significou tanto na minha vida seja mal-feita e até tóxica. Não é assim que se faz um vilão. O motivo da “vilanice” do vilão não pode ser desfeito depois de dois minutos de consideração.
Alguns links que podem ajudar a ver a divisão das casas de uma maneira mais complexa e menos monolítica: 1: uma reimaginação dos desenvolvimentos da saga se Blásio Zabini tivesse sido escolhido como campeão de Hogwarts. se você só for ler uma coisa hoje, que seja isso. eu sei que é comprido. prometo que vale a pena. http://magnetic-as-fuck.tumblr.com/post/144262593902/prismatic-bell-cinematicnomad 2: http://magnetic-as-fuck.tumblr.com/post/144204558602/the-houses 3: http://magnetic-as-fuck.tumblr.com/post/146633435587/theres-this-thing-that-yall-dont-seem-to-get (esse é matador)
Atualização 04/01 - 11h46: Eu sei que tem gente babaca em outras casas também. Mas não tem gente boa na Sonserina. Esse é o problema. Todas as outras casas tem um espectro de “babaca” a “gente boa” com pessoas de todo tipo. Não se mostra um sonserino que preste. Não é assim que pessoas funcionam. E é ruim que a saga propague essa ideia.
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luandesouzaoliveira · 7 years
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Ontem eu não achei que estava bem. Não é que achava que estava mal, a questão é que eu não via motivos específicos para ficar feliz com minha situação. Estava assim nessa situação levemente desconfortável quando reparei, por cima do ombro do homem de boné sentado à minha frente no ônibus, que o homem em questão estava percorrendo a galeria de imagens de seu celular e sempre que via a foto de uma mulher, ele a apagava. Fez isso por um tempinho até chegar à foto daquela mulher abraçada a um homem. Não pude ver se o homem no ônibus o homem da foto, mas era inegável que os dois compartilhavam o gosto para bonés. O homem no ônibus olhou para a foto por um instante prolongado. E apagou-a. Bloqueou o celular e guardou no bolso. Passou a olhar pela janela.
Subitamente cônscio de minha transgressão, levantei-me e dei o sinal sem saber onde o coletivo estava. Queria me afastar pois na minha cabeça era uma questão de tempo até que o homem se virasse pra mim e perguntasse se eu gostei do show. E eu não saberia responder. Pois por um lado tinha sido triste. Por outro, eu tinha agora bastante certeza de que a minha vida estava bem bacana sim.
Não era a minha parada. Tive que andar um bocado.
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luandesouzaoliveira · 8 years
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sobre o egocentrismo surreal
te ver é agridoce. podia ser tão doce quanto se pode ser, mas nunca é tão doce quanto podia. e no vazio que a falta do doce deixa, o amargo brota.
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luandesouzaoliveira · 8 years
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As we lean in this quiet window And observe the distant city lights Do you see how much they glimpse and tremble Like tiny fires or drunk fireflies?
That is how this love feels sometimes A dying candle, a wobbly light And you alone bring it back to it's prime Your voice, your memory, your sheer sight.
(publiquei isso na outra rede quatro anos atrás e não lembro pra quem escrevi)
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luandesouzaoliveira · 8 years
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Rear Window, by Jordi Huisman
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luandesouzaoliveira · 8 years
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Isolated Buildings of Chicago
In the words of the artist David Schalliol:
The Isolated Building Studies are the visual confluence of my interests in urban dynamism, socioeconomic inequality and photography. By using uniform composition in photographs of Chicago buildings with no neighboring structures, I hope to draw attention to new ways of seeing the common impact of divergent investment processes on urban communities.
Isolated buildings are particularly useful for the exploration of neighborhood transformation and its social correlates because they are immediately recognized as unusual. As urban buildings, their form illustrates their connection with adjacent structures: vertical, boxy, an architecture confined by palpably limited parcels. When their neighboring buildings are missing, a tension emerges: the urban form clashes with the seemingly suburban, even rural setting. Thoughtfully engaging the landscape requires further investigation to resolve this tension: Why is this building isolated? It is from this fundamental friction that the Isolated Building Studies launches.
Images and text via
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luandesouzaoliveira · 8 years
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Eu queria saber onde está. Eu só encontrava quando achava que seria mais uma noite normal. Mas de repente chegava. Quando você via estava num lugar completamente diferente daquele no qual começara a noite, com pessoas que nunca viu antes e com mais cerveja na lata do que tinha planejado. Era como estrelas cujas rotas erráticas colidiam. Mil explosões por minuto. Valia tudo e não valia nada. Em sinucas mal iluminadas, praças esfumaçadas,  esquinas preenchidas de burburinho. Pessoas estranhas. E uma tranquilidade estranha no peito. A sensação de que nada estava dando certo e - incrivelmente! - o mundo continuava girando. E girando bem. E tudo poderia ir bem, como tudo poderia não ir tão bem assim, e tudo bem. A noite era uma vírgula sem fim na regularidade do tempo.
Eu só tenho vinte anos. Não era pra já ter saudade disso. A rotina não devia já ser esse vórtex louco infeliz.
Mas ainda acho esperança no fato de que comecei a escrever isso porque alguém me falou de algo que ainda estava lá. E eu acho que se eu procurar, essa leveza ainda me acha outra vez.
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luandesouzaoliveira · 8 years
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28.04
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luandesouzaoliveira · 8 years
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A Incrível Retrospectiva Musical 2015 do Luão
2015 tá aí nos finalmentes para alegria de muitos e indiferença de outros, e me deu vontade de fazer um balanço do que eu escutei esse ano. E foi um ano corrido! Muita banda voltando dos hiatos e muita coisa nova aparecendo nos meus fones de ouvido.
(fiz uma playlist com as músicas sobre as quais escrevi pra você ouvir enquanto lê. Dá o play e bota no shuffle, vacilão.)
Trilha Sonora do Ano:
No fim do ano passado me vi sem ter o que escutar e apelei para a sempre fiel last.fm (adiciona nóis). Assim, passei as férias escutando Grouplove, Fitz and the Tantrums e Atlas Genius.
A primeira é uma bandinha jovem, fresca, moderna e leve, boa para dar uma desopilada durante um dia corrido. Recomendo especialmente “Shark Attack”, e “Spun”.
A segunda é um rolo compressor de soul-indie-pop. Tive a sorte de vê-los ao vivo no Lolla e pense numa música upbeat, rebolativa, cheia de atitude. O vocal de Noelle Scaggs poderia aparecer mais, pois quando aparece é uma benção. É até difícil recomendar uma música só. Escute “Spark”, “Fools Gold” e “Last Raindrop”.
Mas foi a terceira que me atravessou e me cativou. Atlas Genius é uma banda incrível que veio direto da Austrália para definir meu ano inteiro com seu alternativo puro e sincero, que flerta com o pop e com o indie sem se definir. A variedade melódica dos meninos é impressionante. Do primeiro CD, “When It Was Now”, recomendo… o álbum inteiro. Sério. Eu provavelmente vou colocar alguma coisa na playlist, mas todas as músicas são muito boas.
Eis que “The Temper Trap”, segundo álbum da banda de mesmo nome, sucesso de 2012, só foi chamar minha atenção esse ano. Foi uma coisa de momento, admito. Com o tempo me rendi ao LP de estreia, mas o homônimo me ajudou a passar por certa fase do ano. Desse, recomendo “London’s Burning” e “The Sea is Calling”. Do outro, “Fader” e “Ressurection”.
Então chegou o fenômeno The Mowgli’s. Quanto aos outros itens dessa primeira parte do texto eu ainda tenho minhas dúvidas, mas aqui não as há: Mowgli’s já é uma das minhas bandas favoritas. A leveza e o otimismo de suas canções me levantaram do chão e cantaram direto para a minha alma em diversos momentos do ano e continuam fazendo-o. Do primeiro álbum recomendo “Clean Light” e “Say It, Just Say It”. Do segundo, “Shake Me Up” e “Through the Dark”.
Só porque eu fui pro Lolla, resolvi escutar o “Lazaretto”, último álbum do Jack White, praticamente uma unanimidade quando o assunto é música atual. Por mais que não faça meu tipo tem algumas coisas ali muito boas, especialmente “Ordinary Ground” e “Black Bat Licorice”. O som é cru e visceral e o vocal de White é sempre eficaz.
Comecei a ouvir o último álbum da Cold War Kids, “Hold My Home”, por indicação do spotify, e não é que os meninos vem pro lolla 2016? Nasci virado pra minha lua em libra mesmo. O som dos caras é muito maneiro, com vocais e letras confessionais e intimistas aliados a melodias, em sua maioria, bem elétricas. Te desafio a não bater o pé de leve ouvindo “Flower Drum Song” e “First”
Resolvi assoprar o pó de uma das coisas que escutava quando comecei a prestar atenção em música, e fui ver o quê que o OK Go, aquela banda dos clipes legais, anda fazendo. O último CD deles se chama “Hungry Ghosts” e, por mais que a parada totalmente eletrônica não seja minha praia mesmo, o CD é excelente e tem grandes momentos. Consigo facilmente me ver batendo cabeça na balada se tocasse “The One Moment”, “Upside Down and Inside Out” ou “Turn Up the Radio”.
Kishi Bashi foi outra recomendação acertadíssima do spotify. Trata-se do projeto solo de Kaoru Ishibashi, membro da Of Montreal (banda que eu tentei escutar depois que eles trabalharam com a Janelle Monáe, mas não desceu). O álbum do moço, “Lightght”, é uma viagem lisérgica louca e animadíssima, com diversos elementos musicais que não te deixam cair no tédio em momento algum. Dê uma chance para "Once Upon a Lucid Dream (in Afrikaans)", “Philosophize In It! Chemicalize With It!”  e “Carry On Phenomenon”.
A menina Sara Bareilles lançou esse ano um trabalho super diferente chamado “What’s Inside - Songs From Waitress”, a trilha sonora do musical baseado no filme “Waitress”, de 2007. A história da romântica e receosa protagonista é magistralmente contada pela compositora. Escutar o álbum inteiro na ordem certa é ter vontade de ir á peça, que infelizmente no momento está lá na Broadway.
No mundo do indie folk, a Passenger me conquistou sem esforço algum. É um cara só, que levou o nome de sua banda depois que os outros integrantes se desligaram. As suas letras são pungentes e por vezes brutalmente realistas, chegando a soar pessimistas de uma forma persistente. Recomendo “Things That Stop You Dreaming” e “Riding to New York” pra quem curte um violãozinho low-fi e “The Wrong Direction” e “Staring at the Stars” pra quem prefere uma parada mais elétrica.
Além dele, agora para o final do ano descobri o menino Vance Joy. Outra banda de um cara só, esse tem músicas bem mais animadinhas e com mais produção, gerando uma atmosfera um pouco mais puxada para o pop. As canções trazem uma sensação muito boa, me fazem me sentir vivo. Escute “First Time” e “Fire and the Flood”
Também na última dezena de minutos do segundo tempo do quebra-canelas que foi 2015, achei um cover de “What Kind Of Man” tocado por uns meninos chamados Foals. Fui ouvir o último álbum, “What Went Down”, e viciei preocupantemente de leve. O som é meio garagem, meio produzido, e muito animal. Escute “What Went Down” e “Lonely Hunter”.
A Hypnotic Brass Ensemble é uma banda de Chicago que consiste de oito irmãos que tocam um jazz com hip-hop e muito funk e um pouco de rock e a mistura é tão maravilhosa quanto parece. Cada música é uma pedrada nova. Procure “Kryptonite” e “Touch The Sky”. Essa é provavelmente uma das recomendações tem mais chance de colar com todas as tribos.
ALÉM DISSO: Só esse ano, com a perspectiva de voltar a aprender ukulele, eu fui me render á gloriosa obra melódica de Bon Iver. É. Eu sei. Tô um cado atrasado. Recomendo “Flume” e “re: Stacks”, além da já conhecida “Skinny Love”. MAIS: O menino Iron & Wine, nome de palco do cantor de folk Samuel Bean, dono de uma senhora barba, se uniu a Ben Bridwell, vocalista do The National, para fazer um CD de cover de clássicos do folk.
A Volta dos Que Não Foram (Mas Que Em Alguns Casos Pareciam Ter Ido, Dado O Tamanho do Hiato)
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Conheci os meninos da Walk the Moon no carnaval do ano passado e já fui brindado com material novo esse ano. Desse jeito chega a dar gosto de curtir uma banda. A evolução do primeiro álbum (auto-intitulado e excelente) para cá é clara: dessa vez todas as músicas parecem parte da mesma obra. As letras se mantém leves e jovens mesmo quando tratando de temas como consumismo e fins de relacionamentos, e são marcadas por uma vibe mais pop que no primeiro CD, algo que parece natural e alavancou a banda a renome internacional. Dessa vez boa parte das músicas são para dançar.
Destaques: “Down in the Dumps” é aquela música que você precisa escutar para levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.
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Cê acredita que a Beirut não parou depois de fazer aquela música bonitinha que você ouviu em loop em 2008 depois de assistir “Capitu” na Globo? Inclusive depois daquela eles fizeram 4 (quatro) álbuns fantásticos, sendo que o último foi esse aqui. A coesão de The Rip Tide permanece, em contraste com o caos generalizado dos (ainda assim excelentes) Gulag Orkestar e The Flying Club Cup, onde cada música parecia levar o álbum numa direção diferente. A arte  da orquestra de Zach Condom parece mais minimalista aqui, mas de alguma forma eles não perdem a curiosa capacidade de estar perto estando longe: ao mesmo tempo em que você sente que se identifica com a música, não dá para dizer porquê. O tom surreal do clipe da música-título exemplifica com sucesso esse fator: ao assisti-lo você sabe o que está acontecendo, mas não sabe porquê está acontecendo da forma que está. Eu entendo a mensagem, mas o meio é inalcançável. As músicas dessa vez trazem um tom mais… Tropical. Não espere grandes naipes de metal ou acordeon (embora eu tenha ouvido falar que estes retornam nas versões ao vivo), que parecem ter sido substituídos por um teclado multifuncional.
Destaques: “Gibraltar” e “Fener” são excelentes faixas. Além disso, “As Needed” escancara a declarada influência da nossa bossa nova na banda de Santa Fé.
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Estava eu matando aula aproveitando um intervalo na faculdade roubando wi-fi numa cafeteria do Rio Sul quando li no twitter que a Death Cab havia soltado seu novo álbum. Digamos que eu não fui mais muito participativo na conversa da mesa. Fiquei na minha tentando conter a excitação. A banda de Ben Gibbard basicamente foi a trilha sonora da minha vida no ensino médio. São praticamente meus amigos intímos (embora não o saibam). E o novo álbum representa um grande passo á frente para a banda. As músicas trazem de volta o velho tom próprio dos caras, definido em Plans, Narrow Staris e Transatlanticism, mas a experiência ganha com os tons experimentais que marcavam o (meu favorito) Codes and Keys fica óbvia para quem escuta a nova obra. Os meninos conseguiram crescer sem se perder: ponto para eles. Além disso o álbum veio depois de diversos momentos difíceis: desde o último álbum Gibbard se divorciou de Zooey Deschanel, e o guitarrista e membro fundador Chris Walla se desligou da banda, aparentemente sem grandes litígios, perto do fim do processo de gravação do LP. Daí o nome “Kintsugi”, referente á arte oriental de consertar peças de cerâmica quebradas com pó de ouro, para manter a obra intacta sem tentar esconder suas imperfeições e fragilidades, tornando-as parte da beleza da coisa.
Destaques: Sempre aprecio as baladas introspectivas e low-tempo da DCfC, como “El Dorado” e “Little Wanderer”  mas são as músicas elétricas que me animam. “The Ghosts of Beverly Drive” e “Good Help (Is So Hard To Find)” são incríveis e transmitem bem a sensação de que a banda cresceu mudando exatamente o que precisava.
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Ganhador inconteste do Prêmio Sal de Fruta do Ano: ô albunzinho difícil de engolir. A Mumford & Sons me é muito querida. “Sigh No More” se apresentou a mim através do tumblr em 2011 e, junto com o menino Dylan, me apresentou ao maravilhoso mundo do folk. “Babel”, de 2013, estendeu as fronteiras do grupo, fazendo-os bater merecidíssimos recordes de singles no topo da Billboard. Foi então com alguma dor que li a chamada de capa na Rolling Stone de abril passado, que dizia: “Mumford and Sons: adeus ao folk”. Escutei o álbum alguns dias, ou algumas semanas, depois de lançado, e por mais que ainda desse pra ver um pouco da essência daquela banda que tanto enlevara minha vida alguns anos atrás… Não era a mesma coisa. A impressão que me batia era de que eles estavam tentando ser o Coldplay dos bons tempos. Não tinha nada acústico. As batidas pareciam fabricadas, não muito naturais mesmo. Deixei o CD de lado por um tempo até que c e r t a c o i s a aconteceu na minha vidinha e eu abracei o álbum sem pensar. Tudo fez sentido então. Na dita matéria da RS (sim, eu li) alguém diz que o álbum é colorido em seus tons românticos pois metade da banda havia entrado em relacionamentos estáveis enquanto a outra metade havia saído destes. Pois bem, depois que essa c e r t a c o i s a aconteceu, eu só ouvi breakup em todas as faixas. O que estou tentando dizer é: melhor álbum de fossa. Quando você estiver mais pra baixo que o chão, mergulha de cabeça no “Wilder Mind”. Não vai fazer melhorar, pelo contrário, vai fazer tudo vir á tona, mas ás vezes é o que é preciso.
Destaques: não nego que o fator “todas as faixas parecem iguais” está mais presente aqui que em outros álbuns da banda. Parece realmente que os meninos estão começando de novo nesse negócio de fazer música. De qualquer forma, acho que “Only Love” chama atenção, talvez pelo tom dúbio de esperança e vitória e a posição onde ela se encaixa (penúltima) nesse álbum permeado por derrotas.
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O que falar sobre essa maravilha que já não tenha sido dito por outros de forma muito melhor que eu poderia dizer? Muito pouco. O terceiro álbum da banda pode ser definido em uma palavra: grandiosidade. As letras são grandiosas. As melodias são grandiosas, mesmo quando mínimas e intimistas. A produção é enorme. Os clipes são sensacionais obras cinematográficas. Quando se contempla a banda de um ponto de vista histórico, o novo álbum faz muito sentido. Lungs e Ceremonials apresentam um crescimento que continua em HBHBHB e atinge níveis épicos de musicalidade. Estamos falando do tipo de canção que te faz sentir os músicos dentro de si. E essa dona tá fazendo isso na cena pop, tomando as manchetes de assalto. Palmas para ela e pra máquina também.
Destaques: O naipe de metais no início de “Queen of Peace” me pega sempre. As faixas bônus “Hiding” e “Make Up Your Mind” mereciam estar na tracklist especial, mas a Florence tem essa mania de teimar comigo.
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Chegamos á melhor coisa desse ano que você (provavelmente) não ouviu, a não ser que me siga nas redes sociais. Sou meio (bem) chato com esse moço. Kristian Matsson é um sueco de 32 anos que segura sozinho o nome de The Tallest Man on Earth. E sua obra desse ano é provavelmente o ponto mais alto de sua carreira até aqui (eu prefiro seu disco de estreia aos dois que se seguiram, apesar desses serem muito bons). “Dark Bird is Home” é uma obra pungente sobre o término do relacionamento de anos com a cantora Amanda Bergman. A maior parte das canções foram compostas na cidade natal do rapaz, que voltou pra casa pra colocar a cabeça no lugar. Ao ir para os EUA gravar, experimentou com diversos instrumentos e inseriu atmosferas melódicas a suas músicas que eram inéditas até então á sua obra, até então mais acústica e intimista.
Destaques: Gosto muito de "Slow Dance" e "Little Nowhere Towns", mas a que se segue a ela, "Sagres", é provavelmente a que sintetiza melhor o tom do álbum. Assim como "Darkness of the Dream", Sagres parece uma sinfonia com diversos movimentos que se complementam.
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Momento confessional: eu tenho medo de segundos álbuns quando o début é muito bom. Se a banda ganha atenção internacional e passa a aparecer direto em manchetes e fazer turnês gigantescas…. Tem muita gente que se perde e acaba fazendo um segundo álbum medíocre. Não vou citar nomes para não criar polêmicas Vaccines, basta saber que tive alguns traumas. Sendo assim, Beneath the Skin foi provavelmente a mais grata surpresa do ano. Não minto se disser que ouvi duas ou mais vezes por dia ali na lua de mel, pouco menos de um mês depois do álbum lançado. As tintas épicas e ligeiramente oníricas do álbum de estreia, My Head is an Animal, reaparecem aqui numa tela melhor estruturada. A banda realmente soa sintonizada como se fossem uma pessoa só. As músicas apresentam tons confessionais corajosos que muitas vezes destacam a força da vulnerabilidade. Não consigo imaginar esse álbum sendo ouvido no shuffle, nem consigo escutar uma música só. Todas são realmente partes indispensáveis de uma obra só. Logo de cara em “Crystals”, a vocalista Nanna canta “sei que vou murchar, então descasque o tronco, porquê nada cresce no escuro”, uma linha que se relaciona diretamente com a música que se segue onde Ragnar entoa “inspire e expire: deixe o humano entrar. Plantas acordam e lentamente crescem debaixo da pele”. Em suma, o CD é uma proeza artística sem igual que todo mundo deveria escutar.
Destaques: Por mais que ame o contexto geral das músicas ouvidas em conjunto e na ordem prevista, não posso negar que a batida de ”Empire” sacode minha alma desde a primeira orelhada. Não deixe de ouvir a versão estendida do álbum (tem no spotify), pois ela traz “Backyard” e “Winter Sound”, ambas maravilhosas.
Tenho algumas menções a fazer. As honrosas: Só esse ano fui parar para escutar o “Sonic Highways”, o “Modern Vampires of the City” e o “Junk of the Heart”, obras anteriores da Foo Fighters, da Vampire Weekend e dos Kooks, respectivamente. Todos muito bons, e eu deveria ter me superado e escutado-os assim que foram lançados. Mas bom. A menção mais honrosa mesmo vai para a notícia de que a Last Shadow Puppets, projeto paralelo do Alex Turner (aquele mesmo) com o Miles Kane, passou um tempinho no estúdio e o álbum novo está pronto. 2016 promete. As desonrosas: Two Door Cinema Club, The Lumineers e Red Hot Chili Peppers ficaram devendo. As duas primeiras estão há três anos sem soltar nada e o RHCP lançou o (excelente) I’m With You no longínquo agosto de 2011. A Lumineers chegou a soltar um snapchat tease relacionado a Game of Thrones, aparentemente só pra nos lembrar que existe, porquê por enquanto nada. A neutra: o Muse voltou. Com uma sonoridade mais legal que a do 2nd Law, que eu detestei, mas as letras trazem um discurso político meio comentário-de-facebook… Não me pegou.
Além disso: Escutei demais as trilhas sonoras de Empire (novelão fantástico da FOX sobre uma gravadora de rap, protagonizada por Terrence Howard), Whiplash (se você não viu, veja) e Inside Llewin Davis (filme dos irmãos Coen sobre a cena folk em Nova York nos anos 50). E descobri a galera do Pentatonix, vulgo PTX, grupo acapella que bomba no youtube, e estou apaixonadíssimo! Escuto todas as músicas em loop, aprendi finalmente a cantar uma música em francês só por causa da versão deles de Papaoutai. É maravilhoso assistir os vídeos e ver como eles ficam felizes de verdade em cantar para viver.
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luandesouzaoliveira · 8 years
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Havia um sem-número de razões para não querermos estar no mesmo lugar. Proeminentemente, a já inegável sensação de que o lugar e cada parte que o compunha parecia querer que ficássemos, nos puxar para dentro de si como um amante ansioso que maldiz a possibilidade da ausência. Então nos movemos. Como num balé para o qual nascemos ensaiados, disfarçamos movimentos cuidadosamente calculados em nossas rotinas até que a fuga se fez possível. E um dia, quando nos procuraram, não estávamos mais lá.
Me lembro de dirigir sofregamente, sem olhar placas ou procurar caminhos em mapas, evitando olhar os espelhos retrovisores de nosso compacto de segunda mão como quem evita o olho de um demônio bíblico. Me apoiava no incomensurável impulso para a frente da gaiola de aço que me abrigava, mas só o que aliviava um pouco do meu desespero era o ritmo da sua respiração depois que você caiu no sono no banco do carona.
Dirigi até o sol nascer. Você acordou e nós decidimos parar para descansar. Estávamos numa estrada de terra á beira da praia. De cima das pequenas dunas cobertas de restinga o mar cinzento parecia distante. Eu não sabia dizer se a maré estava alta ou baixa. Ventava muito. Uma massa de nuvens cobria o horizonte até a arrebentação, mas não sabíamos se a carga climática estava indo ou voltando, ou se só estava lá. Quando eu achei que havia me situado, fiz menção de ir deitar no carro, mas você chamou minha atenção para uma visão quase impossível. Havia uma casa de madeira no meio da areia. Enquanto olhávamos, uma figura se precipitou para fora e correu na direção das dunas, tropeçando nos próprios pés e olhando para trás de tempos em tempos, claramente apavorado. Antes que tivéssemos tempo de fazer ou falar qualquer coisa, ele subiu uma duna e sumiu na restinga.
Qualquer outra pessoa talvez tomasse aquele acontecimento como um aviso, entrasse no carro e acelerasse para longe dali. Não nós. Nós nunca fomos bons em ter medo do que não conhecíamos.
Descemos as dunas de areia grossa e atravessamos a praia. A casa estava bem no meio da faixa de areia. Estremeci pensando em dias de ressaca ou de marés mais altas. A estrutura de madeira se assentava numa plataforma de concreto. Havia escadas para chegar á porta, e sobre esta um lampião pendurado, aceso, balançando ao vento. Vi janelas quebradas. O telhado de zinco parecia esburacado. A porta estava entreaberta, e um barulho esquisito vinha de lá de dentro. “Parece um gato chiando” a ansiedade permeava sua voz. Você sempre gostou de gatos. Você subiu as escadas e bateu na porta. Absolutamente nada se mexeu lá dentro. Você bateu de novo. Ainda nada. Você olhou pra mim. Eu juntei energias para dar de ombros. Você abriu a porta e olhou em volta. Então você sinalizou para mim e entrou. Eu fui atrás.
A casa tinha só um cômodo, amplo. Num canto havia uma cama com um colchão desigual e cobertas furadas. No outro, uma pia, algumas panelas penduradas e um grande forno de pedra. De lá vinha o assobio. Uma frigideira estava sobre o fogo com uma fatia de algo que parecia ser peixe em processo de carbonização. Tirei a panela de onde estava e repousei-a sobre a pia, e o assobio da fritura diminuiu gradativamente, sendo substituído por aquele de água caindo em ferro quente. Me virei. Você olhava algo. Um retrato pendurado na parede. Me aproximei. O retrato mostrava diversos homens e mulheres agrupados, sorrindo para a câmera. Todos seguravam uma vara de pescar em uma mão e uma pequena ânfora na outra. Não entendi. Mas não tive tempo para pensar muito sobre isso. Quando ambos os chiados vindos da pia cessaram, ouvimos um novo som. Então vimos que acima da porta havia uma gaiola pendurada em um gancho. Dentro dela havia um pássaro. “É tão majestoso”, você lamentou. “Tão majestoso que mal consigo acreditar que esteja confinado dessa forma”. Eu pensei o mesmo mas de forma menos poética. Talvez fosse a altura da gaiola, a má iluminação ou a privação de sono pela qual eu passava, mas aquele animal parecia grande demais para o tamanho que aquela gaiola parecia ter. Tanto em envergadura das asas quanto em corpo do bico á asa, suas dimensões pareciam desafiar a física para se manter dentro daquele espaço. E ele não estava parado. Se mexia entre um poleiro e outro, desfilava, se pavoneava e cantava. Parecia mesmo estar muito feliz e satisfeito com alguma coisa. O que tornou difícil entender o sentimento que se apossou de mim. Olhei para você e vi que não estava sozinho. Você olhou para baixo franzindo a testa, e eu pude praticamente te ouvir tentando me explicar o que sentia, sem sucesso. Era sempre no fim, quando sua voz morria, quando seus sentimentos deixavam de ser traduzíveis em palavras, que eu obtinha uma noção do tamanho do que se passava. Dessa vez você nem começou a falar. Só olhou para mim e soube que o que via em seus olhos não era mais do que um reflexo do que você via nos meus. Um agudo senso de ruína iminente, uma sensação de que algo terrível estava prestes a acontecer. E quanto mais aquele bicho cantava, mais o nó se apertava na garganta, e mais eu queria fugir dali. Era um medo que superava a racionalidade, um medo no meu âmago que eu sabia que não fora ensinado a ter, mas que nascera quando eu havia nascido, junto comigo, crescera enquanto eu crescia mas agora, estimulado pelo canto do pássaro, havia inflado a proporções com as quais eu não estava preparado para lidar. Então agarrei a sua mão. O calor e as formas conhecidas de seus dedos me lembraram o outro sentimento que eu cultivava, que nascera comigo, cujo significado transpunha palavras, mas que me inspirava o contrário de uma sensação de ruína. E isso me fez lembrar de como se sorria, e eu sorri, confiante, para você. E você sorriu de volta. E isso me fez lembrar de como se corre, e nós corremos.
Descemos todos os degraus num pulo e ganhamos o chão de areia. Um trovão ressoou no horizonte, e eu olhei, e não acreditei. Um muro de água vinha em direção á costa. Não podíamos precisar a distância, então não sabíamos o tamanho, mas sabíamos o bastante para saber que precisávamos correr, então corremos. Um rugido ecoava pela praia, como se o mar tivesse pisado num prego e estivesse agora urrando de fúria. Isso ajudou a nos motivar para a corrida. Galgamos a duna mais alta a tempo de nos virar e ver. A água pareceu vir de todos os lugares e convergir na casa ao mesmo tempo. A construção pareceu ser jogada para o alto por um momento, então todo o peso do resto do mar caiu sobre ela. O som de todas as tábuas de madeira sendo reduzidas a migalhas ao mesmo tempo ressoa até hoje em meus ouvidos. Então aparentemente o mar se satisfez. As ondas se espalharam até o pé das dunas onde estávamos, mas depois rapidamente se recolheram, e o som das ondas se chocando enquanto voltavam ao leito marinho lembrava um tambor de guerra marcando uma marcha vitoriosa de retorno ao lar.
Então um som lancinante cortou o ar, pareceu sufocar e retornou em instantes. Como se todas as almas na terra lamentassem a perda da luz do sol ao mesmo tempo. Soubemos imediatamente o que se passava. O pássaro não conseguira se livrar da gaiola e provavelmente estava rolando entre uma onda e outra, engolindo água a cada vez que tentava gritar por socorro. Pisquei. Senti o impacto da água fria nos meus pés, então nas minhas pernas, e ao abrir os olhos vi que estava entrando no mar, sentindo uma urgência inominável de libertar o pássaro. Lancei-me contra as ondas revoltas e nadei como pude na direção de onde os gritos pareciam vir. De tempos em tempos parava para me localizar direito ou para recuperar o fôlego depois de uma onda especialmente violenta. Então mergulhava novamente. Quando estava quase perdendo as forças nas pernas, meus dedos se chocaram contra uma estrutura de metal. Fechei a mão na hora e agarrei a gaiola. O bicho resfolegou, assobiando fraco, quando eu levantei a jaula para fora do mar. Com a mão tremendo, achei a portinhola e lutei contra o trinco enferrujado. Enfim a tranca se abriu com um estalo. A porta deslizou para o lado e o pássaro se jogou para fora. Testemunhei enquanto ele desdobrava suas asas de penas multicoloridas e o penacho em sua cauda. Naquele momento uma réstia de racionalidade inconveniente cutucou minha mente: realmente não parecia que um bicho daquele tamanho coubesse numa jaula tão pequena quanto a que descansava triste em meus dedos agora. O bicho parecia do tamanho de uma águia. Na verdade, enquanto eu era jogado de um lado pro outro pelo mar e observava sua ascensão, o pássaro pareceu tomar todo o céu com seu brilho. Então reduziu gradativamente de tamanho enquanto subia contra as gotas de chuva, até sumir, atravessando as nuvens por um buraco que pareceu se abrir para permitir sua passagem.
Ou talvez o ar já estivesse faltando em minha cabeça. O fato é que no instante seguinte o céu já era de novo uma massa sólida e opressora de nuvens escuras. Quando aquele momento de glória da libertação passou, senti de novo com toda a força o impacto da chuva em meu rosto, e as correntezas pareceram se intensificar. Nunca me senti tão sem norte. Não fazia ideia que havia me distanciado tanto da praia: não conseguia mais ver para que lado ficava. As ondas me puxavam e me empurravam, então perdiam a força e eu afundava, e quando emergia de novo uma nova onda arrebentava bem em cima de mim, me jogando para baixo num turbilhão de espuma e areia. Numa das últimas vezes nas quais me lembro de emergir, consegui vislumbrar a costa por cima de uma onda. Estava mais perto que eu pensara, mas você não estava mais na colina. Cedi a mim e me deixei levar pela água.
Voltei a mim: alguém me arrastava através da areia para longe do mar. Tentei olhar para cima mas não consegui ver quem me salvara. Então você me largou no chão e despencou ao meu lado. Suas mãos estavam sobre seu rosto molhado, de quando em quando se enterravam nos seus cabelos salgados. Você sempre nadou melhor que eu. Sua respiração estava errática, e eu sabia que isso nada tinha a ver com o mar. Você esfregava os olhos e murmurava, e eu sabia o porquê. Desespero. Recuperei o fôlego e me aproximei. Te envolvi em meus braços e enterrei meu rosto ao lado do seu. Não achei o que falar, então ao invés disso te beijei no rosto, fraco. Logo a adrenalina passou e a exaustão dos últimos momentos aliados à noite em claro me atingiu em cheio. Cheguei a chorar um pouco também. Então a chuva diminuiu. O vento se reduziu a uma ligeira brisa. As nuvens não cederam, entretanto. Nós sim. Adormecemos como os sobreviventes de um naufrágio que éramos.
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luandesouzaoliveira · 9 years
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Sobre mídias e maioridades.
Nunca almejei encontrar logo cedo uma matéria de página 3 no panfleto de nome Destak alardeando a aparentemente incrível marca de DOIS assaltos alcançada ontem no CENTRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Tenho tido problemas sinceros em crer no descaramento da campanha midiática de terror que tem sido veiculada em jornais e revistas, mas essa foi a que doeu mais até agora. A história traz, além de uma foto grande de uma viatura da PM na frente do edifício avenida central, uma citação da PROMOTORA DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE, Luciana Benisti: "Ainda que eles não estejam em flagrante de ato infracional, eles podem e devem ser abordados para que se verifique se eles estão portando algo de ilícito, alguma arma de fogo, alguma arma branca". Estamos falando em submeter crianças ás indignidades de uma revista policial pelo impensável crime de serem crianças. De serem crianças numa época em que ninguém quer ser roubado, ninguém quer que haja tiroteio todo dia na favela, mas os mesmos membros da sociedade que propagandeiam a altos brados a redução da maioridade penal esbravejam e espumam quando se fala em desarmamento, porquê o "cidadão de bem" precisa ter o direito de se defender. Agora, ninguém quer falar em defender CRIANÇAS de uma política que se preocupa mais em jogá-las num dos sistemas de encarceramento menos eficazes do mundo que repensar toda uma cultura que as faz estar na rua ao invés de estar na escola. Quem manda tenta colocar em crianças a culpa por seus crimes diários. Pelo crime da inércia, principalmente. Precisamos começar a pensar em incriminar quem se deve e salvar aqueles para os quais temos o DEVER de ter esperança. Porquê eles não tem culpa de viver no mundo em que vivem. Nós temos.
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luandesouzaoliveira · 9 years
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"Esqueci que era domingo"
Mas Luan, por que você digitou isso? Ainda faltam 7 minutos pro domingo tirar sua placidez da avenida e dar lugar à insanidade da semana, mil catástrofes e bençãos apertadas em menos de meia dúzia de dias.
Me presto um favor ao imergir na loucura do cotidiano nessa nossa metrópole, nesse intrincado poliedro de desejos e restrições. As vielas sujas me recebem de braços abertos e eu me vejo nelas: se tu topar pisar na lama e atravessar uns pedaços mal-iluminados, meio obscuros mesmo, dá pra chegar em lugares maneiros.
O próprio labirinto urbano me encanta. Vivemos num caos navegável, onde, através de muita indicação, muita referência e muita pesquisa geográfica, sempre se acha o que quer. No Rio sempre me há conforto pra alma, o ar sempre zumbe de expectativa, mal sinto a poluição por causa do cheiro de sal. A vida a passar, a fluir e tropeçar e levantar e recomeçar. 
Tudo bem que de vez em quando o tempo fecha. Na real, quando nubla o céu eu até curto tirar os casacos do armário. Mas ás vezes tá mó solzão e eu nem percebo, de tão louca que tá a cabeça. Mas o Rio não me deixa ficar nesse estado por muito tempo. O elemento humano sempre está próximo pra me dar perspectiva e me fazer respirar fundo. Há gargalhadas ao redor pra me lembrar que dias melhores virão, assim como já vieram. E há pranto pra me lembrar que há dias piores acontecendo concomitantemente ao que eu achava que fosse um dia ruim. E tem morro e tem mar e tem brisa e tudo aquilo que já tava aqui antes da gente chegar. Tem edifícios quilométricos que me dão vontade de perseguir o mérito que é ser rodeado de céu, com arquiteturas ousadas ou confortavelmente ordinárias. E tem gente que dá um jeito de ser feliz mesmo com toda a aura de desespero que a vida ás vezes ganha. 
E eu vou levando o Rio e ele a me levar.
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luandesouzaoliveira · 10 years
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Retrato da cidade em repouso.
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luandesouzaoliveira · 10 years
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Dois mattes com limão e uma dose de esperança.
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Domingo de sol, Ipanema lotada. Eu estava sentado com duas amigas na beira do mar, jogando conversa fora. Resolvi chamar a atenção de um vendedor para tomar o indispensável mate com limão.
"Ô matte!"
Acontece que outro vendedor, que eu não havia reparado mas estava mais perto, ouviu o grito e respondeu. Hesitei, olhei para o primeiro vendedor com cara de "er, desculpa?" e abaixei o olhar. Eis que o segundo vendedor, ao se aproximar, pergunta: "é um matte só?" Respondo que não, minhas amigas também querem. Ele então faz o inimaginável. Chama o outro vendedor, que já seguia seu caminho. "São dois! Eu vendo um e você vende o outro!" Fiquei sem palavras. Paguei meu matte e meu biscoito para um, enquanto minhas amigas compraram com o outro.
Os dois sumiram em meio à multidão de gente e para-sois e eu permaneci alegremente perplexo.
(Mais tarde um vendedor de queijo coalho tentou surrupiar o celular de uma amiga minha, mas ela reparou logo, chamou o cara e ele devolveu, então dá pra fingir que hoje só teve coisa boa.)
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luandesouzaoliveira · 10 years
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Chega.
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Pra saber o que me deixou puto assim, clique aqui. Atenção: imagens fortes.
Hoje uma menina teve seu rosto desfigurado, e a violação do valor humano da fraternidade foi JUSTIFICADA pela cultura da beleza. Hoje uma menina, levada pelas inseguranças da beleza, pegou uma faca e rasgou o rosto de outra. Hoje o culto ao corpo levou mais uma vez o ser humano da civilização à barbárie.
É esse o tipo de coisa que a cultura da beleza faz. Você, que tá lendo, não pode ver isso e achar que não, é um caso isolado, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Foi o motivo declarado do crime. E se você sacudir os ombros, torcer o nariz e falar que "sempre foi assim", "antes com ela que comigo", e pior, continuar propagando a ditadura da beleza e oprimindo quem é mais "feio" que você, saiba, além de FRACO você é CÚMPLICE. É por causa dessa cultura maldita que esse tipo de coisa acontece, porquê várias pessoas comungaram com o culto ao corpo. De uma pessoa passou pra outra, até chegar nessas meninas. E se você propagar esse discurso, existem chances de que ele chegue em alguém fraco como elas, capaz de crimes como esses. Sabe quais são essas chances? Nem eu. Mas elas existem. E aí? Vai fazer o mais fácil para si próprio? Jogar nas mãos do destino? Quem faz o destino é você.
Fraco todo mundo é. Todo mundo nasce fraco. Mas tem gente que lucra com a fraqueza da gente. Tem gente que faz de tudo pra ninguém se fortalecer. Mas não importa quanto dinheiro eles tiverem, eles nunca vão tirar o seu livre-arbítrio. Por mais estímulos externos que receba, sua sorte é obra sua. Vai viver em função dos outros até quando? Até envelhecer, olhar pra trás e ver que viveu uma vida que fizeram pra você, ao invés de uma que você construiu? Se toca, acorda. Tão te manipulando por aí e você tá abaixando a cabeça porquê é mais fácil assim? Você tá propagando o discurso deles, e facilitando pra eles, porquê é mais fácil assim?
Parabéns, você é uma marionete que aceita a própria condição e ainda fode quem tá à sua volta. 
Eu já assinei minha própria carta de alforria, e assino todo dia. A sua tá na sua mão. Faça um favor a si mesmo e à sociedade. Assine.
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luandesouzaoliveira · 10 years
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Imortal, eu?
Acabei de ouvir de novo aquela história de que "Adolescentes acham que são imortais". Ouvi quando era criança, virei adolescente e ouvi de novo, e não fez sentido, e ouvi agora. E ainda não faz sentido.
Inclusive, acho o contrário. Acho que a gente tá começando a ter contato com as coisas boas da vida de verdade, e acho que, ao contrário do dito popular, isso aumenta nossa consciência quanto à nossa própria mortalidade. A gente tá conhecendo as paradas maneiras da vida e a noção de que vai morrer um dia se torna ainda mais desesperadora. Então queremos viver tudo agora, queremos tirar o máximo possível da vida, porquê é o agora que importa, amanhã talvez nem role.
Os adultos são as pessoas que se acomodaram. Que um belo dia, por medo ou preguiça, deixaram de correr um risco ou outro. E viram que o amanhã rolou, e que no amanhã eles poderiam correr aquele risco, se quisessem. Mas não correram. "Amanhã eu vou estar mais animado. Amanhã eu vou estar melhor. Ih, tá muito tarde, amanhã eu faço." E os amanhãs foram se sucedendo, e nunca mais nada rolou. 
O mundo vai acabar em um segundo. Se não, você vai morrer. O fato é: as coisas acabam. Mas outro fato é: as coisas acontecem. Coisas boas acontecem. Uma coisa boa tem a data de validade de uma vela acesa num dia de ventania. Você pode levá-la pra dentro de casa e acolhê-la, e ela vai durar. Ou você pode ficar com ela do lado de fora mesmo, e deixá-la apagar, sabendo que você pode acendê-la de novo ou acender outra. Mas é uma vela acesa. É uma luz, e é a maior luz que você vai ter na vida. Um sorriso, uma gargalhada, uma lágrima de alegria, são tão importantes quanto a realização de um sonho ou qualquer coisa parecida. Vai ser bom enquanto durar, e vai ser tão bom quanto qualquer coisa pode ser, mas vai acabar e você vai atrás de mais.
E daqui a pouco, quando você estiver velho e cansado e sem mais condições de correr riscos, você vai olhar para trás. E por mais que as memórias se percam nas prateleiras empoeiradas da sua mente, vai sempre haver aquela ternura quando pensar em determinados períodos do seu passado. Aquela consciência clara de uma vida bem vivida. 
Mas não se deixe envelhecer. Você é muito mais que o número de vezes que a Terra girou em torno do sol com você em cima. Você é uma máquina capaz de criar dor ou prazer a partir do nada. Capaz de tudo que estiver ao alcance de suas mãos ou de sua imaginação. Pra quê se contentar com pouco? Talvez você morra amanhã, talvez não. Sua única garantia é o agora. Então faça o melhor agora possível (mas não vai perder a possibilidade de ter novos agoras depois do agora).
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