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[RESENHA] “Os Gêneros do Discurso” Bakhtin, M.
Neste semestre que FINALMENTE está acabando eu tive uma matéria chamada Teoria do Texto, na qual infelizmente eu faltei pra caralh* no início do semestre por n razões. Como a professora terminou se revelando uma fofa eu recebi a tarefa de resenhar este capítulo para compensar as aulas perdidas. Como a ideia aqui é compartilhar minha trajetória na Linguística e afins achei válido compartilhar com vocês o texto :) É possível que tenham erros, então sintam-se livres em me avisar x)
O capítulo lido para a redação desta resenha se divide em dois setores. Na primeira parte Bakhtin nos apresenta qual o problema que será examinado (a definição e a investigação do enunciado concreto e dos gêneros do discurso) e sua importância nas áreas de estudos da língua e da linguagem. Na segunda parte realiza uma exposição das justificativas e aplicabilidades de suas propostas metodológicas e teóricas. É interessante destacar que no texto original de Bakhtin não existe uma diferenciação entre enunciado e enunciação, ou seja, tanto o ato de produção do discurso quanto o discurso em si em suas mais diversas formas, são igualmente chamados “viskdzivanie”, sendo assim a tradução brasileiro optou pelo não desdobramento do termo e manteve o uso de enunciado.
1. O PROBLEMA E SUA DEFINIÇÃO
Bakhtin abre esta primeira seção afirmando que o uso da língua se dá através de enunciados concretos e únicos que refletem suas condições específicas e finalidades. Tais são moldados e especificados a partir da especificidade de determinado campo de comunicação: cada campo elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciado, que explicitam assim a definição do autor de gênero do discurso. Boa parte desta primeira seção do capítulo é dedicada a explicitar e reafirmar a necessidade da conceitualização e classificação de gêneros do discurso para uma apropriada investigação linguística, havendo um destaque explícito ao campo da estilística.
Devido a extensa diversidade e heterogeneidade dos gêneros do discurso por muito tempo foi-se visto como trabalho praticamente impossível um estudo acerca dos gêneros do discurso, uma vez que se acreditava que seus traços gerais seriam “demasiadamente abstratos e vazios” (pg. 262) - como é de se esperar, Bakhtin vai diretamente contra esse posicionamento. Ele propõe uma mudança no escopo geral dos estudos sobre o emprego da língua - indo além dos discursos literários-artísticos - e também uma mudança do ângulo de análise desse objeto - não [necessariamente] focado na especificidade artístico-literária, mas lendo-os como “determinados tipos de enunciado que são diferentes de outros tipos, mas têm em comum uma natureza verbal (linguística) comum” (pg. 262-263)
O autor irá fazer uma rápida passagem pelos pontos de teorias prévias que se aproximaram de sua proposta mas que ainda reduziam o escopo dos enunciados analisados, não reconhecendo assim a natureza geral do enunciado. Tendo ampliado o escopo do objeto da análise, Bakhtin procede na diferenciação entre o que chama de gêneros discursivos primários  e gêneros discursivos secundários.
Os gêneros discursivos secundários (complexos) surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado, sendo que durante o processo de sua formação incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples). Ao serem incorporados e reelaborados, estes “perdem o vínculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais alheios” (pg. 263).
Bakhtin afirma que os campos de investigação linguística devem trabalhar/analisar enunciados concretos, caracterizados como “núcleo problemático de importância excepcional” (pg. 265), seguindo a discorrer quais problemas os diversos campos da linguística enfrentam com isso, com destaque especial para a estilística uma vez que afirma a existência de uma “relação orgânica e indissolúvel do estilo com o gênero” (pg. 266), apontando a relação entre determinados gêneros e determinados estilos.
Todo enunciado é individual e pode refletir individualidade, porém o estilo individual não faz parte do plano do enunciados, mas é na verdade seu produto complementar. Considerando tais aspectos o autor afirma que a fraqueza da estilística da língua está no não estudo prévio das modalidades de gêneros do discurso, sendo que seria dentro de tais gêneros que surgiria o estilo. Faltaria à área uma classificação que levasse em consideração a “exigência lógica da classificação - a unidade do fundamento” (pg. 267).
O autor desenha uma aproximação e eventual ambiguidade entre o campo da estilística e o da gramática - para em seguida determinar a diferença entre as duas em sua concepção: a gramática se ocuparia de examinar o enunciado dentro do sistema da língua enquanto a estilística realizaria uma examinação dentro do conjunto de um enunciado individual ou do gênero discursivo (mais uma vez evidenciando a importância do estudo dos gêneros do discurso, agora enquanto uma questão metodológica).
2. O ENUNCIADO COMO UNIDADE DA COMUNICAÇÃO DISCURSIVA. DIFERENÇA ENTRE ESSA UNIDADE E AS UNIDADES DA LÍNGUA (PALAVRAS E ORAÇÕES)
Esta seção se começa discorrendo sobre algumas teorias que definem a essência da linguagem como “criação espiritual do indivíduo” (pg. 270), ignorando a relação entre ‘enunciador’, enunciado e ‘ouvinte’; a função comunicativa é sempre colocada como uma função secundária da linguagem. Bakhtin vai na direção diametralmente oposta a essas idéias, afirmando que “toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva” (pg. 271), ainda que em diferentes graus. O próprio enunciado é, em algum grau, uma resposta, uma reação de caráter responsivo a enunciados passados: “cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados” (pg. 272). Ao ignorar tais características da comunicação se perdem momentos substanciais, uma vez que se enfraquece o papel do outro no processo de comunicação discursiva.
Para que sua proposta seja bem sucedida é necessária a delimitação da unidade enunciado, seus limites e seus princípios:
2.1 Alternância de sujeitos no discurso:
Os limites do enunciado são determinados pelo momento em que o enunciado anterior termina e o próximo começa: “o falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva” (pg. 275). Sendo assim, a natureza dos gêneros secundários se caracterizaria por uma “representação convencional da comunicação discursiva nos gêneros primários do discurso” (pg. 276), o que confirmaria os limites do enunciado.
Cria-se então uma polaridade entre oração (enquanto unidade da língua) e enunciado (enquanto unidade da comunicação discursiva). A oração não se correlaciona de imediato nem pessoalmente com o contexto extraverbal da realidade nem com a enunciação de outros falantes. É de natureza gramatical, com fronteiras e leis gramaticais. O enunciado se dá quando a oração ‘ganha’ a capacidade de determinar uma resposta, um ato responsiva, no conjunto do enunciado. É do ponto de vista do enunciado que se adquirem propriedades estilísticas. Ainda que sejam construídos com unidades da língua, eles se diferem pela própria natureza.
2.2 Conclusibilidade específica do enunciado:
Esta característica se conecta diretamente à anterior, sendo um aspecto da alternância de sujeitos: é o momento de possibilidade de ocupar uma posição responsiva. Essa conclusibilidade é um aspecto indispensável da caracterização do enunciado, uma vez que na alternância de sujeitos é necessário uma ‘conclusão’/’espaço’ para a atitude discursiva. Essa conclusibilidade se relaciona diretamente a um aspecto de inteireza do enunciado, que é determinada por três fatores: a exauribilidade do objeto e do sentido; o projeto de discurso ou vontade de discurso do falante, que determina a escolha do objeto, assim como seus limites e sua exauribilidade semântico-objetal, a escolha do gênero no qual o enunciado é construído; e formas típicas composicionais e de gênero do acabamento.
Em relação ao primeiro fator Bakhtin diz:
“o objeto é objetivamente inexaurível, mas ao se tornar tema do enunciado (...) ele ganha uma relativa conclusibilidade em determinadas condições, em certa situação do problema, em urn dado material, em determinados objetivos colocados pelo autor” (pg. 281)
Já em relação ao segundo fator, a vontade discursiva se realiza, primeiramente, na escolha de um certo gênero do discurso, ainda que o falante não tenha conhecimento teórico sobre o gênero que está empregando. Ou seja, vai além da seleção lexical e gramatical na construção do enunciado, reconhece-se então que a assimilação das formas da língua são, na realidade, a assimilação das enunciações. O domínio da língua não é suficiente para uma circulação tranquila entre os campos da comunicação, é necessário certo domínio dos gêneros do discurso, de suas formas. Mesmo que Bakhtin reconheça a presença da individualidade e do caráter criativo, discorda de Saussure e outros quando estes vêem o enunciado como uma “combinação absolutamente livre de formas da língua” (pg. 285).
2.3 Relação do enunciado com o próprio falante e com outros participantes da comunicação discursiva
Bakhtin nos apresenta aqui o chamado “elemento expressivo”, que seria a relação subjetiva emocionalmente valorativa do falante com o conteúdo do objeto e do sentido do enunciado - ainda que o grau de presença desse elemento varie nos gêneros do discurso, está sempre presente. Este é, aliás, o principal determinante do estilo individual. A língua enquanto sistema oferece recursos linguísticos para a expressão mas são absolutamente neutros em relação a qualquer avaliação real. As unidades da língua são, portanto, desprovidas de entonação expressiva.
O autor ressalta, no entanto, que a seleção dos recursos linguísticos neutros não se dá, na realidade, a partir de sua forma neutra, mas sim a partir de outros enunciados: “Os gêneros correspondem a situações típicas da comunicação discursiva, (...) por conseguinte, a alguns contatos típicos do significado das palavras com a realidade concreta em circunstâncias típicas” (pg. 293). A palavra existe então para o falante em três aspectos: enquanto palavra neutra, que não pertence a ninguém, enquanto palavra alheia, que é dos outros, cheia de ecos de outros enunciados, e a palavra minha, que se dá a partir do momento em que se opera com ela em determinada situação e ela se compenetra à sua expressão. Uma diferenciação semelhante se dá em relação à oração, que é uma unidade da língua que possui um entonação gramatical (não expressiva) específica, como a entonação de acabamento, explicativa, disjuntiva, enumerativa, etc. Essas diversas seleções demonstrando a plenitude de tonalidades dialógicas do enunciado, que são indispensáveis para uma compreensão do seu estilo.
2.4 Endereçamento do enunciado
Este é mais um dos traços constitutivos de acordo com o autor, levando em consideração que o enunciado tem autor e têm destinatário. A concepção de destinatário é determinada pelo “campo da atividade humana e da vida a que tal enunciado se refere” (pg. 301), uma vez que cada gênero discursivo, em cada campo da comunicação, tem seu próprio arquétipo de destinatário que o define enquanto gênero. Novamente a língua como sistema oferece os recursos puramente linguísticos para expressão desse direcionamento, e a escolha de tais recursos é feito pelo falante “sob maior ou menor influência do destinatário e da sua resposta antecipada” (pg. 306).
Bakhtin conclui o capítulo apontando que só é possível realizar com sucesso a análise estilística ao se considerar um enunciado pleno e dentro da “cadeia da comunicação discursiva da qual esse enunciado é elo inseparável”.
BIBLIOGRAFIA
BAKHTIN, Mikhail. Os Gêneros do Discurso. In: BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p. 261-306.
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Eu devo admitir que nunca senti um interesse particular pelo O Pequeno Príncipe, mas essa releitura para o cinema encaixou perfeitamente com o momento que eu me encontro na vida. Apesar do nome o filme não ser exatamente uma adaptação do livro de Antoine de Saint-Exupéry, na verdade vai muito além da obra original na minha humilde (risos) opinião. Na verdade a história do livro só aparece por metade da animação, e é contada de uma forma muito gostosa, como se estivéssemos em uma roda de contação de histórias na biblioteca.
Seguimos uma menina em uma realidade alternativa não muito diferente da nossa - uma visão distópica de um futuro próximo onde o nível de loucura e produtividade compulsória alcançou níveis absurdos. No início do filme somos apresentadas a ela e sua Mãe. A Menina tem uma entrevista para um colégio de elite que, em teoria, irá oferecer todos os meios para que ela alcance o sucesso profissional e financeiro durante a vida adulta e ambas parecem 100% sincronizadas em uma missão: garantir o sucesso profissional na vida adulta da Menina.
De cara parece que a Menina lida muito bem com todo esse contexto mas, rapidamente percebemos que não. A entrevista não vai também e as duas optaram pelo plano B: a Mãe pedir transferência e irem morar nas proximidades da escola, desta maneira não poderiam recusar sua matrícula.
Só que o plano B não envolve só uma mudança, mas também um regime de estudos e rotina rígidos durante todo o período de férias da menina - com direito ao painel de SCRUM mais assustador que eu já vi (e eu trabalho como Gerente de Projetos, veja bem).
O que não estava nos planos era que o novo vizinho fosse um senhor excêntrico, construindo um avião em seu jardim e com uma belíssima história para contar (se você conhece o livro O Pequeno Príncipe provavelmente já está adivinhando quem é a figura). É aqui que somos introduzidos à história do livro - uma história que o velho vizinho excêntrico escreveu e desenhou, e que vai apresentando aos poucos a Menina.
É como se as férias de verão finalmente tivessem chegado e a Menina passará boa parte de suas tardes lendo, brincando e ouvindo histórias no jardim do Aviador. Nós assistimos enquanto os dois criam um relacionamento fraternal, e ele se torna uma referência importante na vida dela.
Preciso dizer que discordo de como ele faz isso - não acho válido passar por cima das decisões de uma mãe na vida da filha dela - mas, ao mesmo tempo, essa mãe está privando a filha de seu direito à infância, então...
E isso é só metade da história.
A história que você conhece acaba um pouco antes da metade do filme, e seremos apresentados a uma versão do futuro daquele universo habitado pelo menininho irritante de roupa verde e concepções meio codependentes de relacionamentos (eu disse que não curtia muito o livro hehe). Nesse futuro o Homem de Negócios basicamente comprou o universo, deu emprego para todos os adultos e eliminou as crianças (não vou contar como), nos apresentando ao Sr. Príncipe - inseguro, despreparado e desesperado para agradar um patrão (gente eu quase gritei quando ele apareceu)
Ele me faz pensar em um Millennial; não os adolescentes, mas a primeira, segunda leva de filhotes da segunda metade da década de 1980 e primeira metade da década de 1990 (sim, gente, galera de 2000 ta fazendo 18, lembra? Eu sei, dói). Esta esquecido tanto da Raposa quanto da Rosa e se dedica constantemente a agradar o Homem de Negócios, ainda que isso signifique realizar tarefas desgastantes, subestimadas, mal pagas e em circunstâncias humilhantes. Ele claramente tem problemas de ansiedade, depressão e auto-estima. O Sr. Príncipe teve uma transição traumática e drástica para a vida adulta (eu sei, é sempre difícil ser adulto, mas vamos ser honestos, tem formas piores de isso acontecer do que outras) - e isso é a pior coisa que a Menina poderia encontrar na sua situação (sim, não contei qual o drama que a leva a encontrar o Sr. Príncipe - o filme vale à pena, vai lá ;3). Como muitos de nós, ele odiou crescer - a vida adulta tem muitas aspectos horríveis e angustiantes, e nós não podemos simplesmente pedir demissão e voar até um asteróide e voltar a ser criança, mas nossa geração parece estar desenvolvendo ferramentas para tornar esse processo todo menos destrutivo. Não estou falando de infantilidade, sempre foi difícil se adaptar ao contexto da “adulteza”, e sempre houveram pessoas ‘acusadas’ de não desempenhar bem esse papel; estou falando de aspectos positivos e prazerosos que a geração anterior acreditava ter que ser podado uma vez que se atinge a “adulteza”.
O filme fala muito sobre a capacidade da criança de ser resiliente, de mudar com as circunstâncias, de se adaptar a situações que não são necessariamente das melhores. Só que não fala de uma adaptação passiva - a Menina participa diretamente dos processos em que está inserida, é agente de suas decisões enquanto interage e se expressa para os adultos ao seu redor.
Talvez seja um pouco dessa resiliência, um pouco dessa capacidade de se distanciar de certos aspectos do macro e se concentrar no que está diante dela, ao mesmo tempo que não perde o contrato com o abstrato, da criança que esteja faltando pra você. Estou começando a achar que esse mutatis mutandis que está faltando em mim.
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Não se pode dizer que esses esquemas sejam falsos e que não correspondam a determinados momentos da realidade; contudo, quando passam ao objetivo real da comunicação discursiva eles se transformam em ficção científica
Bakhtin, M. (2003). Os gêneros do discurso. Estética da criação verbal, 4, 261-306.
Sobre a passivo-agressividade acadêmica x)
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