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leticiaaemocionada · 3 years
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Se eu fosse lésbica
Mais ou menos aos sete anos de idade eu soltei, num almoço em família, que era apaixonada pela Sandy.
- Minha filha, você tem que ser apaixonada pelo Júnior! – Minha tia rapidamente me corrigiu. Eu, desde sempre uma garota muito curiosa, muito questionadora, rebati.
- Ué, por quê?
- Porque meninas têm que se apaixonar por meninos e os meninos que têm que se apaixonar por meninas – heterossexualidade compulsória resumida em um diálogo, meninas!
- Mas e se eu não gostar de meninos?
- Tu não podes gostar de meninas, minha filha, senão você vai ser lésbica, isso não é certo. Olha só: teu pai e tua mãe, eu e teu tio, tua tia e o marido dela. Tu vês por aí duas mulheres se beijando? Se casando?
- Não – eu estava confusa. Só tinha dito que era apaixonada. Nunca tinha mencionado casamento!
- Então, é assim que a vida é: meninas gostam de meninos e meninas gostam de meninas.
Lésbica. Por que ser lésbica era tão ruim eu não sabia, mas fiquei morrendo de medo de ser isso. Com o tempo eu descobri que assim como meninos que se comportavam como meninas eram “viados”, “viadinhos”, as meninas que pareciam meninos eram “lésbicas” ou, pior: “sapatão”. Uma prima minha que nunca usava saias, vestidos e blusinhas coladas, só andava com meninos e falava mais parecido com meus primos do que com as outras primas, sempre que aparecia nas reuniões de família, me deixava absolutamente desconfortável.
Será que ela era lésbica? Será que era contagioso? Eu saía de perto. Evitava contato. Corria para o quarto onde minhas primas que só falavam de homens estavam. Ali o ambiente parecia não infectado com aquele negócio de lésbica. Ali eu me sentia segura.
Eu não era lésbica. Eu gostava de vestidos longos, maquiagem, princesas da Disney e, como uma delas, eu sonhava com meu príncipe encantado. Até gostava de um gordinho com cabelos lisos até os ombros na escola! Eu não era lésbica.
Eu só ficava vidrada na Sandy quando, às tardes na casa dos meus avós com minhas tias e primos, colocávamos os DVDs com videoclipes e shows pra dançarmos. Mudei o discurso de “sou apaixonada pela” para “quero ser a” Sandy. Contava pra minha tia, revoltada, que meu primo queria ser a Sandy que nem eu! Se eu não podia ser apaixonada pela Sandy e só me restava ser ela nas brincadeiras, eu não podia deixar que ele roubasse isso de mim! Naquele ponto eu já era apaixonada pelo Júnior. Era assim que tinha que ser. Mas se eu fosse lésbica... eu casava. Com a Sandy, claro. No primeiro dia, na beira da praia, com esse turo turo turo aqui dentro explodindo em mim.
Mas eu não era. Também não era quando minha obsessão foi RBD. Meus cards eram todos da Anahí. Os pôsteres que eu comprava tinham a cara dela, os cabelos loiros, olhos azuis, sainha rodada, estrelinha na testa e o jeitinho meigo que ela entregava aos fãs na novela e nos shows. Nas brincadeiras, era ela que eu queria ser. Na novela, Mia Colucci era minha personagem preferida. Minhas músicas preferidas eram as que ela cantava. Talvez eu fosse apaixonada pelo Poncho. Mas eu sabia que ela era taurina – sempre fazia um bolinho em seu aniversário – que tinha sofrido de anorexia e que dia 19 de abril de 2001 o coração dela tinha parado durante 8 segundos. Eu costumava dizer que, durante oito segundos, o mundo tinha perdido a cor. O poema antes de Salvame eu sabia de cor – aliás, eu SEI de cor. Sabia os nomes de todos os namorados, odiava a maior parte deles por eles serem feios e ela, poxa, tão bonita, desperdiçando tanta beleza...
Em uma das crises de solidão, em meio a todo bullying sofrido dentro da escola, exclusão por parte das garotas da sala, brigas em casa – tanto entre meus pais quanto comigo –, quando pensei em desistir de mim, foi a ideia de nunca a conhecer que me segurou. Pode parecer besta, mas esse era o nível de paixão que a Letícia de 12 anos tinha por essa mulher. MAS EU QUERIA MESMO ERA CASAR COM O PONCHO, TÁ, TIA? Não lembro nem o aniversário dele, mas na hora de contar a todos quem eu gostaria que noivasse comigo, era ele quem eu mencionava.
Em 2009, no auge da Saga Crepúsculo, mudei o nickname do Twitter para @Lele_Greene porque eu achava Ashley Greene, a Alice Cullen, a coisa mais linda do mundo. No plano de fundo do meu perfil do twitter, eu tinha uma colagem com nove fotos da Kristen Stewart que o site repetia por toda a tela, o que me fazia ter mais de oitenta carinhas daquela mulher me encarando todas as vezes que eu entrava em minha conta e, por mais sinais que meu estranho comportamento me desse, eu era apaixonada pelo Robert Pattinson. Mas se eu fosse lésbica, eu dizia, eu pegava Kristen e Ashley. Juntas, de preferência. Como em algumas fanfictions que eu havia lido, onde as fãs mais ousadas as faziam largar tanto Jasper quanto Edward e viverem um romance apaixonado, cheio de dedos, línguas, mãos nos peitos umas das outras. Depois de uma noite de leituras como essas, eu passava a madrugada rezando, culpada, pra um Deus que, como haviam me ensinado na catequese, me odiaria se eu gostasse desse tipo de comportamento.
Se eu fosse lésbica, com toda certeza namoraria Scarlett Johansson, mas como não era, tinha crush no Chris Hemsworth. Natalia Dill, Aline Moraes, Bruna Linzmeyer, Marjorie Estiano, Isis Valverde, Maria Casadeval, Fernanda Souza, Megan Fox, Beyoncé, Rihanna, Emma Watson, Dakota Fanning, Amanda Seyfried, Thais Araújo, Rachel McAddams, todas elas mexiam comigo do jeito que minhas tias queriam que os homens que as acompanhavam nos trabalhos em que estavam envolvidas mexessem.
Se eu fosse lésbica, eu disse pro meu irmão, ficaria com a filha da prima da minha mãe que, por sinal, estava linda na festa de 15 anos de uma outra prima. Mas, como eu não era, torcia pra que ele ficasse. Se eu fosse lésbica, namoraria minha melhor amiga no ensino médio, mas me obriguei a gostar de outro garoto gordinho de cabelos longos que cruzava os corredores da escola. Se eu fosse lésbica, não teria me sujeitado a transar com um garoto que conheci no Facebook só pra provar que eu não era hétero, mas como não era, eu me sujeitei.
Quando eu me apaixonei por McFly, Panic! at the Disco e All Time Low, me agoniava o fato de que eles eram as únicas bandas que realmente me tocavam, sendo que eles só cantavam para mulheres! Se eu fosse lésbica, tudo bem, mas eu não era, então todas as vezes que eles cantavam para “ela”, em minha cabeça eu me forçava a cantar para “ele”. Gostar de boy bands que quase sempre falavam de amor e, sempre que o faziam, falavam para uma garota, transformou minha adolescência em
She He pulled on his her hand
With a devillish grin,
She He led him her upstairs,
She He led him her upstairs
Left him her dying to get in[1]
Esse processo era feito em todas as músicas de amor possíveis. Imagina que saco, ter que ficar se policiando ao cantá-las por causa de uma besteira?
Se tivessem me dito que “tudo bem gostar de meninas, contanto que seja recíproco”, eu não teria chorado durante meses à noite em minha cama porque minha melhor amiga me deixava nervosa todas as vezes que nos aproximávamos. Se eu não lesse sobre, assistisse filmes, séries, ouvisse músicas e vivesse no meio de casais heterossexuais, eu não passasse boa parte da minha adolescência me considerando uma aberração, uma pecadora, alguém que decepcionaria a família. Mas como eu nunca tive a oportunidade de assistir um filme em que Bella Swan e Alice Cullen se amassem, ler um livro ou encontrasse uma novela com uma história de amor entre duas mulheres sem que elas morressem no final – e que, não importa o que digam e quem o diga, quem está errado é qualquer pessoa que as façam se sentir mal com o que elas são, com o que elas sentem – me sinto quebrada. Existe um buraco na minha história, e ele me causa mais dores do que eu tenho consciência.
Se eu fosse lésbica, talvez eu estivesse mais calma. Talvez eu não quisesse invadir o meio artístico só pra falar de mulher, me infiltrando no meio de adolescentes que, como eu, estão fadadas a consumir amores heterossexuais, fazendo-as ler e assistir e ouvir que amar outra mulher é a coisa mais terrivelmente linda e absolutamente normal do mundo, que elas não são uma aberrações e que tudo bem estar apaixonada pela melhor amiga.
Mas essa sapatona tem raiva. Raiva de tudo o que passou, raiva das dores que deliberada e desnecessariamente foram jogadas na cara e nas costas dela. Raiva do pai, da tia, do tio, de pessoas na rua, do cinema, da TV, da escola, mas mais ainda de tudo o que os levou a me machucar do jeito que eles o fizeram – e ainda fazem. A diferença é que agora eu estou com a raiva nas mãos, sangue nos olhos, com uma vontade imensa de falar e, falando, conquistando e convencendo, mudando a merda de situação que eu e outras sapatinhas vivemos.
[1] Trecho da música Remembering Sunday – All Time Low.
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leticiaaemocionada · 3 years
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EFETUAR COMPRA 
SOBRE A AUTORA
PRIMEIRO CAPÍTULO DISPONÍVEL
SE EU FOSSE LÉSBICA (DIA DA VISIBILIDADE 28/08)
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leticiaaemocionada · 3 years
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leticiaaemocionada · 3 years
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Oi, eu sou a Letícia, a voz dessa história. Sou uma mulher lésbica nascida em meados dos anos 90, cresci sendo convencida de que pra ser feliz eu precisava de um bom rapaz, mas sempre me interessava mais pelas personagens distantes de livros e atrizes de Hollywood do que em qualquer rapaz que fosse. Quando finalmente entendi e aceitei que amava mulheres, me libertei de várias caixas e minhas melhores aventuras começaram aí. Sorri, chorei, senti raiva, inveja, culpa, saudades, desejo, carinho, amor, e registrei muito disso em palavras. Também delirei bastante e quis, de alguma forma, tornar isso mais tangível e assim consegui escrever Emocionada, título que fala demais sobre mim.
Sou atriz e professora de teatro graduada pela Universidade Federal do Pará, escritora de alma, amante da fotografia, mas amo dançar e cantar também. Escrevi a dramaturgia, dirigi e encenei Casa da Madalenas em 2015 e 2016, Geração Mi Mi Mi em 2018, fui Inês Cecília em Ovo nº 13, dirigido e escrito por Wlad Lima. Faço parte do Coro Cênico Ellegbara e há 7 anos me apresento no palco do IHG como cantora/performer. A fotografia, aqui mesmo vocês conseguem encontrar um pouco do meu trabalho. Nas horas vagas eu sou dançarina de kpop e cozinheira oficial do rolê.
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leticiaaemocionada · 3 years
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leticiaaemocionada · 3 years
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leticiaaemocionada · 4 years
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A Saída da Caixa
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 Se Para todos os garotos que já amei tivesse sido escrito por mim, em todas as cartas eu escreveria “era heterossexualidade compulsória”. Era fato que eu sempre falava demais delas pra qualquer pessoa que estivesse perto de mim. Lembro de uma vez em que, por volta dos 5 anos, uma colega de jardim de infância reclamou que eu a abraçava demais. Fiquei triste por não poder abraçá-la, nos afastamos, e lembro que ela tinha receio de se aproximar de mim. Aos 13, prima do vizinho que passou uns dias na casa dele, acabou dando uns amassos no meu primo, mas me fez querer ficar pra sempre pendurada nas costas dela dentro de uma piscina, cheirando discretamente seus cabelos enquanto fingia apoiar minha cabeça na sua. Eu disse a mim mesma que aquilo era só uma amizade muito forte que estava nascendo.
De novo, de novo e de novo. Não acreditei muito, mas insisti.
Um aniversário na casa de um parente desconhecido havia me apresentado uma prima linda e eu, por algum motivo que desconhecia, queria ficar olhando pra ela o tempo todo, mas todas as vezes que ela me olhava demais eu precisava desviar o rosto. Não sei se eram os enormes olhos verdes e o olhar penetrante ou o choque gelado em meu estômago que me invadia sempre que eles me olhavam. Anos depois, ao nos encontrarmos em uma festa de 15 anos de outra prima, ela virou assunto entre eu e meu irmão e a frase “se eu fosse lésbica, eu beijava” foi dita pelo menos umas 10 vezes naquela noite. Eu ainda sentia uma dificuldade imensa de encará-la durante muito tempo.
A primeira história de paixão que eu ouvi tinha um homem e uma mulher envolvidos. E eu fui criada por essas pessoas. Meus pais, avós, tias, primas… todos homens e mulheres se apaixonando, casando, tendo filhos.... Rapunzel, Cinderela, Ariel, Branca de Neve, Bela, Jasmin e até Mulan, todas as princesas que me faziam ficar por horas na frente da TV e decorar as falas dos seus filmes, todas elas sem exceção ficam com um príncipe no final da história. Eu tinha que me apaixonar por um menino, e assim o fiz. Aos 11, um rapaz gordinho de cabelos lisos até os ombros me fez sorrir involuntariamente e as duas únicas vezes em que ele falou comigo transformaram meus dias em falatórios incansáveis sobre os olhares que se cruzaram e as bocas que disseram “Oi”. Então eu passei a conhecer esse sentimento louco que dá na gente: o coração que dispara, um frio louco na barriga e as pernas que ficam bambas sempre aquela pessoa cruza nossa frente ou nossa cabeça.
Anos depois, aos 14, meu coração disparou por uma garota que estudaria comigo no ensino médio, a Lorena. Eu estranhei, neguei, chorei, rezei, confessei, tudo que as pessoas ao meu redor me incentivaram a fazer… Viramos melhores amigas – “namoradas”, para nossos colegas – e os dias em que dormíamos abraçadas ou passávamos o dia de mãos dadas eram os que ao mesmo tempo me faziam voltar com um sorriso bobo no rosto pra casa e me faziam chorar de noite, pedindo a Deus que tirasse esse sentimento de mim, mas não passou. Me forcei a criar uma paixão por um garoto que estudava Química numa sala próxima à minha, e funcionou: minha amiga não era mais a prioridade dos meus devaneios e tudo o que eu queria era um beijo dele. Falei dele pras amigas, escrevia nossos nomes dentro de um coração em meus cadernos e ficava toda besta quando nos cruzávamos em corredores, bibliotecas, áreas verdes... Virei amiga – ou aquela pessoa que sorri besta enquanto o outro fala – e um dia confessei que a presença dele me embrulhava o estômago de um jeito gostoso. Um convite pra jogar Just Dance na casa dele me fez ficar horas reconstruindo cenas de amor que eu havia visto nos filmes dentro da minha cabeça e minhas amigas já não aguentavam mais ouvir falar no dito cujo.
Até que quando finalmente nos beijamos, um aperto no peito junto da sensação de não querer estar ali tomou conta de mim; o beijo até que era bom, mas minhas mãos não tremiam, geladas. O coração que tinha ficado acelerado até ali de repente tinha voltado ao seu ritmo normal e aquele embrulhar gostoso no estômago tinha sumido. Não sabia como – ou não quis – continuar o beijo que começou de forma desajeitada no sofá que tinha o cheiro do suor de quem passou o dia dançando. De repente, em minha cabeça, a ansiedade de estar com ele se transformou em “como, depois de tanto tempo tendo um colapso nervoso sempre que esse garoto aparecia na minha frente, quando eu finalmente o beijo, eu não estava nas nuvens? ”
           Uma menina que tinha ido comprar um sapato com a amiga/antiga paixão ainda no ensino médio apareceu na minha frente quando entrei na faculdade, dizendo que me conhecia justamente da ocasião do sapato e como eu nunca havia pisado naquela instituição, tudo o que eu mais queria era alguém minimamente conhecido. Conversamos tanto e tão empolgadas que na semana do Seminário de Artes, eu aprendi mais sobre como ela havia se apaixonado pela dança, suas comidas e músicas preferidas, filmes e aventuras do recém terminado ensino médio do que sobre Laban, Brecht ou Paes Loureiro. Passei a chegar mais cedo pra poder conversar com ela e a sair mais tarde todas as vezes que ela estava na escola, aquele sorriso besta começou a aparecer todas as vezes que eu via a pele preta e os cabelos lisos, cheios e compridos invadirem meu campo de visão.
           Minha parte preferida do dia era fazer cafuné nela enquanto tagarelávamos sobre livros, garotos, garotas, professores e aquele pedaço de vida adulta que tinha acabado de começar. Passamos a dançar juntas em qualquer academia que estivesse precisando de pessoas dispostas a trabalharem em troca aprendizado. Não me incomodava nada o fato de que passávamos as noites juntas, dentro de um ônibus que rodava a cidade inteira, de uma academia com um professor que não cansava de dar em cima de mim. Eu torcia pra que tivesse pouca gente na aula pra que eu pudesse segurá-la pela mão na esperança de que ela me puxasse contra o peito e me conduzisse em qualquer dança que nos permitisse o menor contato possível. Uma hora era ela o assunto que mais surgia em qualquer conversa que eu iniciava com meus amigos.
           Não queria admitir uma paixão porque paralelo a esse início de amizade, ela tinha conhecido um garoto incrível, bonito e supertalentoso, que ocupava tanto espaço na cabeça dela quanto ela ocupava na minha. Lorena tinha virado minha melhor amiga e estava nervosa junto comigo quando disse que estava me apaixonando. Faltou dar na minha cara pela burrice de querer se envolver com uma garota hétero.
           Tu não eras hétero, Letícia? Eu também achei que fosse, mas eu não consigo parar de pensar nessa mulher. Mas ela é. Eu sei, eu sei, eu sei...
           Em contrapartida, as bichas da Escola de Teatro me perguntavam se eu era bissexual. Diziam ser besteira essa história de não se deixar envolver com mulheres. Uma delas ficou chocada quando contei que o padre que me crismou disse que eu deveria rezar pra que Deus tirasse de mim os “sentimentos confusos” que haviam crescido dentro de mim por uma amiga. As meninas me contaram suas próprias histórias de amor com outras mulheres. Eu via as gays se beijando no corredor da Escola. As professoras falavam de suas esposas, os alunos falavam das namoradas das professoras. Foi a primeira vez que não forçaram goela abaixo a ideia de que o que eu sentia era confusão ou amizade ou admiração. As minhas desventuras heterossexuais deixaram de ser uma “perda de interesse logo após a conquista” e passaram a ser “amiga, acho que tu és sapatão”.
           Por que tu não entras no Tinder?
           Eu tinha um Tinder. Era cheio de matches parados e conversas que quando começavam a ir pra frente, eu desistia. Me interessavam aqueles caras que não me davam bola. Assim como o meu primeiro namorado – que mora no Rio de Janeiro, a mais de 3.300 km de distância de mim e que eu nunca cheguei a encontrar – e com um outro boyzinho, também carioca, que eu viria a me apaixonar nesse mesmo ano. Acho que enquanto a possibilidade concreta do encontro não acontecia, eu permanecia interessada. Mudei o interesse para “homens e mulheres” e depois de zapear muito, quebrar muito a cara com os caras chatos do Tinder e ficar cada vez menos excitante passar pra um lado e pro outro, encontrei uma menina que me fez ficar mais presa no celular do que os recursos de engajamento que a equipe da ocitocina do Facebook criou.
           Ela é geminiana, então são duas tagarelas que adoram trocar figurinhas. O assunto foi naturalmente trocado de o que fazíamos na faculdade para músicas preferidas e séries que amávamos, livros que tínhamos lido, coisas que gostávamos de cozinhar, relacionamentos falidos, e nessa história de troca de assunto, um dia inteiro se passou sem que ficássemos sem nos falar por muito tempo. Um convite pro show de uma banda conhecida na cidade – que eu só tinha ouvido falar até aquele dia – surgiu num momento em que eu não tinha muito dinheiro, mas por algum motivo que depois vir a descobrir ser sede de sapatão por mulher, fiz vaquinha na família e comprei o ingresso do lote mais caro na hora de entrar no local do show.
           Sabe aquele embrulho gostoso na boca do estômago? Quando eu encontrei essa mulher na porta do banheiro do Hangar, ele veio acompanhado de um negócio quente que eu não sabia se subia ou se descia dentro de mim. Meu melhor amigo estava me acompanhando, como todo bom melhor amigo, então o nervosismo que eu sentia era disfarçado de dancinhas com ele enquanto a banda tocava umas músicas bem fofinhas no palco. Quando não estávamos tagarelando sobre a nossa vida, eu a abraçava na expectativa de um beijo.
           O beijo não veio na hora do show.
           O beijo também não veio quando o show terminou e ficamos esperando o Uber chegar pra que ela voltasse pra casa. Fiz massagem, cafuné, dei colo, tudo o que uma pessoa que sabe que está ficando trouxa pra alguém faria. O Uber chegou e eu a acompanhei, desesperançosa, até a porta do carro.
           E foi aí que o beijo veio. E junto com ele veio tudo o que eu não tinha sentido por todos os garotos que eu já tinha sentido algum interesse. A vontade de ficar, o calorzinho que sobe e que desce dentro da gente misturado com o embrulho gostoso, o coração acelerado e as pernas que não sabem se permanecem em pé ou se caem de tão fracas. Acrescido a isso, havia o fato de que estávamos na frente de um local público, possível passarela de um homofóbico e com um motorista que poderia ser homofóbico a esperando num carro. O iminente perigo deixou tudo desengonçado, o receio de beijar alguém do mesmo sexo em um lugar que não fosse fechado fez uma gota de suor escorrer pela nuca. Eu via todo o castelo de teorias sobre como eu nunca havia me deixado ficar com um garoto desmoronarem ali mesmo: a conquista, que me disseram que era meu foco, tinha sido gostosa, mas o beijo... ah, o beijo... aquele beijo era o beijo que eu queria beijar pra sempre.
           A primeira e mais importante saída do armário que tive foi nesse dia: pra mim mesma. Eu já sabia que tinha gostado das duas outras geminianas anteriores que detalhei histórias aqui, mas foi nesse dia que a ficha finalmente caiu e eu pude ter certeza de que beijar mulheres e me apaixonar por mulheres e amar mulheres tinha sido a minha missão na terra. Na frente de um Hangar lotado de sapatonas, eu pensei que tinha sido uma perda de tempo todo aquele choro, angústia, negação e beijos com vontade de ir embora que eu havia beijado em todos os garotos até ali. Voltei pra dentro do Hangar com o sorriso mais lindo que meu rosto tivera a sorte de sorrir, encontrei os amigos e fiz dancinha, deitei no colo de um deles enquanto lembrava do cheiro dela. Peguei cada pedrinha do castelo da heterossexualidade dentro de mim e atirei dentro de um rio só pra descobrir que eles eram feitos de qualquer coisa que não fosse sólida, sorrindo ao vê-los se transformar em fumaça enquanto eu escrevia pra ela que a noite tinha sido incrível e tentava marcar um segundo encontro.
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leticiaaemocionada · 5 years
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Kat Hernandez, eu te amo <3
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leticiaaemocionada · 9 years
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Sobre momentos felizes ❤
E naquele momento tudo estava bem. Nada mais importava. O suor já não incomodava, o calor sentido era só o dos seus braços em volta do corpo dela. Nunca havia sentido isso antes e se sentia maravilhosa, mesmo sabendo que depois de algumas horas tudo voltaria normal, e todos os quilômetros que os separavam antes, voltariam a separá-los. Mas ela estava feliz! Seu sorriso nunca tinha sido tão verdadeiro como naquele dia! Ela apertou as mãos deles já entrelaçadas nas suas e respirou fundo: absorvendo, sentindo, memorizando. Ela precisava sentir, ela precisava beijá-lo e beijá-lo muito, afinal seriam as suas últimas duas horas juntos. Ela sabia que acabaria. Sabia que ele estava inseguro, meio na defensiva, quase que a evitando. Mas, sem que ela pedisse, com seus corpos fazendo morada um para o outro, ele a apertou num abraço que poderia durar pra sempre. Não seria, ele disse. Mas pra ela, sim. O mundo poderia acabar e amor poderia desaparecer mas, em sua mente, ela gravou aquele fragmento de tempo como o momento mais feliz de sua vida.
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leticiaaemocionada · 10 years
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Cinco anos comemorando aniversários juntas, né, meninas? *-* Nossa neguinha ficando veeia :B #19YearsOld #Allyne'sBday
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leticiaaemocionada · 10 years
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Saudades de passar meu Carnaval assim :/ #MemóriasdosAntigosCarnavais #SaudadesSerColombina
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leticiaaemocionada · 10 years
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Nosso Dia das Mulheres furado, mas que se tornou incrível assim rapidinho *-*
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leticiaaemocionada · 10 years
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Semana Acadêmica na ETDUFPA, a melhor calourada de todas *-*
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leticiaaemocionada · 10 years
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leticiaaemocionada · 10 years
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leticiaaemocionada · 10 years
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leticiaaemocionada · 10 years
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Noite de despedida do Lucas e, quem sabe do Renan :/ “Marcos Paulooo" xD
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