Tumgik
incensoequartzo · 6 months
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leito
anis-estrelado, cravo e canela. eu me cerquei de tudo que pude encontrar e, com muita fé, em uma noite de lua crescente, eu fiz minhas preces. eu tinha medo de amor, tinha medo de me sentir preso no cerco de um sentimento, agora, entretanto, tenho medo de nunca alcançá-lo. então, como quem escorrega de um penhasco, me seguro em tudo o que posso para não cair no abismo. meu tempo já acabou, minha hora passou e temo que não terei muitas histórias para contar. o rio jaz escuro e sem peixes, a terra foi salgada e as árvores incendiadas. você vê o que eu vejo? não há necessidade de consultar as cartas ou de ler o que as runas dizem. eu já tenho a resposta no meu âmago. ainda que deprimente, eu vi que esse seria o meu destino há muito tempo, muito antes de eu me tornar quem eu me tornei. sou uma manifestação vã de um ser, um recipiente vazio, outrora cheio de esperança. o amor que busco já queimou e as cinzas escapam pelas minhas mãos, pelas fendas entre meus dedos. por mais que contraditório, ainda me prostrarei em frente ao meu altar perolado iluminado pela lua, buscarei na fumaça do incenso alguma resposta e me contentarei com a esperança de encontrar algo de concreto. sei que as probabilidades são baixas, mas até a mais miserável das criaturas rastejantes dos becos sujos merece um leito confortável para se deitar e não hesito em pensar que o mesmo vale para mim. se a noite tiver piedade, ela me dará um vento frio a acalentante para beijar o meu rosto e gotas de uma chuva gélida para bombardear o meu corpo de toques há muito privados de mim. assim, descansarei em quietude e conformidade.
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incensoequartzo · 2 years
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seis meses
mais uma vez.
é, eu jurava que isso não me aconteceria, eu esperava que eu já tivesse crescido o suficiente para não deixar um devaneio tão torpe me derrubar. aqui estou, cabeça erguida e fora da janela, chove e o vento sopra. não sei mais o que é lágrima e o que é gota de chuva. ambas tão pequenas, mas causam consequências tão destrutivas. minha fachada de forte secou como uma planta reclusa e escondida dentro de um vaso seco e rachado. por que eu ainda insisto em andar em campos minados?
na lista de possíveis opções, eu abandonei todas as minhas por motivos fracos e fúteis, isto é, até me ver com a possibilidade de finalmente encontrar um ponto de parada. só não esperava que eu também pertencia à lista desse alguém. sofri o descarte como qualquer outro protótipo fraco e mal planejado e vejo quem ocupa o meu lugar. os cabelos cacheados e volumosos, o rosto oval, características tão lindas em uma pessoa que irradia um conforto e calmaria tão penetrantes que meu despeito e raiva nem sequer conseguem se justificar.
e como todos os outros corpos sem rosto que decidem ter uma breve estadia na minha estalagem, o protótipo que eu havia escolhido encontrou seu alguém tão rapidamente como quem tivesse sofrido a queda de um raio sobre a cabeça - un coup de foudre -. e esses amores que eu causo indiretamente pelo meu azar contundente duram uma eternidade ou, ao menos, uns seis meses.
poucos dias antes. apenas poucos dias, o bastante para se contar nos dedos das mãos.
eu havia recebido convites e cortejos, como se todo o mal que eu fiz estivesse morto e enterrado, como se eu tivesse recebido o perdão. e assim acreditei.
até ver as mãos juntas e apertando forte, nenhuma delas era a minha. tantos sorrisos e afeto exarcebados e inundando o rio sujo com uma corrente de água pura e palatável. seus amigos já sabiam, todo mundo pôde conhecer, tudo em plena luz do dia. me pergunto se eu teria o mesmo tratamento, mas evito fabular respostas para dúvidas que já são respondidas no momento de sua concepção. era óbvio, afinal.
eu mereci, eu havia desaparecido e deixei que tudo se alastrasse. voltei descaradamente pedindo perdão pela minha ausência e expliquei que precisava trabalhar minha insegurança, você disse que entendia. eu sabia, bem no fundo, que não poderia realmente esperar isso de você.
quem culparia um animal ferido de se esconder ao ver novamente o caçador que desferiu o golpe?
no fim das contas, apesar de ainda sentir vergonha e raiva, eu desejo que a alegria perdure, afinal, já me acostumei à minha penumbra e sei que jamais deixarei esse abrigo. só espero que aproveite sua eternidade com sua fonte de raio solar.
ou, pelo menos, os próximos seis meses.
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incensoequartzo · 4 years
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Quietude Agridoce.
O raio de sol dourado acaricia os muros e paredes da cidade quieta, onde nem os pássaros sequer cantam como antes. As árvores ficam tão mais lindas quando se as observa pela janela longínqua de uma caixa de concreto. O clima pacato e melancólico evoca a necessidade de bebericar uma xícara de café vespertino e apreciar o que as lentes dos meus olhos ignoraram por muito tempo. Nostalgia me invade como uma inundação incapaz de se conter, eu respiro e me sinto em casa. O mesmo céu, a mesma brisa que vem do litoral e que atravessa as ondas mornas de fim de tarde. Tão poucos anos vividos, mas com memórias que remetem a um tempo extremamente distante e ancião, como quem viveu inúmeras vidas em uma só e não cessará de viver. E eu vivo, tendo o oceano como pai e Vênus como mãe, eu aprecio a beleza de tudo, aprecio a arte posta em cada detalhe das esculturas da natureza. A leveza me abraça e uma epifania se instala, há muito mais do que essas paredes cinzentas, há uma imensidão de cores e sensações capazes de aquecer o meu espírito e acender um farol de esperança no meu âmago. A sensação de velejar e encontrar o seu destino é algo que eu busco, não garanto que estou perto de senti-la, mas sei que eu estou muito mais em paz comigo e repleto de uma quietude agridoce. Acredito, também, que é assim que eu deva terminar tal fragmento, coisas boas acontecem e raramente perduram, isso está claro e nesse breve instante, eu digo que momentos e cenários têm a complexidade múltipla e inúmeros sabores atrelados a eles, nem sempre ficando claro o que se está sentindo, mas que é válido sentir.
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incensoequartzo · 4 years
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Pouco em pouco.
O tempo passa como um enfermo moribundo se arrastando pelo deserto, cruelmente doloroso e letalmente real. Parece que eu finalmente acordei, foram anos em doce sono, em estado de completa ilusão, mas é aparente que a realidade me atingiu de forma repentina, rachando o meu crânio durante o processo. Um tempo recluso, bem à moda de um eremita leproso cujo objetivo de sua solidão reside na busca de sua cura. É como encontrar a tristeza em pleno verão, sentir um inverno arrebatador e não ter a quem confidenciar. Quem entenderia? Quando minhas palavras não são produzidas pela influência de Dionísio, a compreensão das mesmas é ignorada e posta de lado, como se apenas o vinho fosse o combustível do amor. Eu amo a todos, até os desertores, pois há poucos momentos de lealdade e honestidade na minha vida egoísta, mas as pessoas e os laços cultivados em mim, ao menos, jazerão eternamente, ainda que eu não faça mais parte do cenário. Eu acreditei nas falácias contadas nas noites de festividades de solstícios, mas eu deveria ter imaginado que não eram promessas, quer dizer, não eram promessas com um longo prazo de validade e bastava apenas uma breve ausência para que a onda de esquecimento imperasse. Eu ouço violinos vindo de dentro do meu quarto e latidos distantes das ruas escuras da minha cidade deserta, com sombras bruxuleantes decorando os becos escuros. Por que, Ó Criaturas da Noite, estou sozinho? Eu jurava que permaneceríamos juntos como os elos que se unem ao decorar o meu pescoço, mas nada parece encaixar. A supressão do meu fôlego ocorre, minha esperança definha e minha noite é esculpida ao som de soluços e engasgos de pequenos choros que parecem goteiras, nunca fluindo completamente, apenas de pouco em pouco.
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incensoequartzo · 4 years
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O último gole é sempre o pior
Manhã chegou, preparo um café
Céu nublado, estrelas escassas
Tormenta se forma sobre a maré
Chuva cai sobre nossas casas
Incenso aceso, música tocando
Leio um pouco de romance noir
Melancolia está me abraçando
Melodia e voz preenchem o ar
O sono está vívido e persistente
Então tento fazer o que é melhor
Bebo o meu café tão, tão quente
Mas o último gole é sempre o pior
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incensoequartzo · 4 years
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Massacre
Foi um massacre, um banho de sangue, tanto vermelho jorrando por todos os lados que ainda não tirei todas as manchas de mim. A carnificina do dilacerar de um corpo requer coragem e frieza, mas todos esses atributos estavam presentes no seu âmago. Eu não sabia o que fazer, não conseguia parar de olhar os seus olhos e desejar que eles estivessem observando apenas a mim, mas sabemos que nunca foi e nem poderia ser assim. Você sempre conseguiu o que quis e nunca foi necessário mover mais de um dedo para ter tudo em suas mãos. O seu olhar vazio atravessou e finalizou a vida de muita gente, ninguém sobrevivia à força gravitacional contida em você, transformando todo mundo em satélites, não fazendo mais que orbitar ao redor de um astro cuja luz estava apagada há um longo tempo. O banho de sangue começou cedo, ninguém esperava que todos fossem cair tão rápido, mas havia um certo charme em todo aquele perigo dormente e silencioso. Você acabou com todas as vidas presentes e eu fui a única pessoa que sobreviveu, vivi o suficiente para ver mais um nascer do sol. No entanto, ainda carrego comigo as feridas e sinto que não me curarei, as cicatrizes abrem constantemente só de lembrar do seu olhar em direção a mim, mesmo que por um breve segundo.
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incensoequartzo · 4 years
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Silêncio
A minha tristeza se tornou minha característica mais atraente, além de, também, a mais perene. Meu corpo nu na tua cama vazia, revirando em cima do teu casaco, sentindo a frieza que deveria ser calor. Meu amor se foi, meu fogo se foi, eu sou uma carcaça vazia, mimetizando o que eu já fui. Eu choro em silêncio toda madrugada, eu grito de dor pela ausência do teu toque. Costas arranhadas, lábio sangrando, hotel de beira de estrada, silêncio, beijo forte, silêncio, gritos abafados no quarto, silêncio ensurdecedor, silêncio, silêncio! Rosto molhado de suor e lágrimas molhando os lençóis, tuas unhas não doem em mim, teu aperto violento não dói em mim, o teu silêncio me dilacera. Ao fim das noites de quinta, você vai embora do hotel, afinal, eu nunca mereci uma sexta-feira tua. O letreiro neon ilumina teu corpo e o adeus que eu recebo é um gesto vazio, sem palavra, sem beijo, sem nada.
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incensoequartzo · 4 years
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eu me deito, penso em como a solidão rasteja do escuro e decide dividir o meu leito. eu sonho com possibilidades, mas nada que venha ao plano material, estou só e assim, mais do que nunca, sinto que vou continuar.
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incensoequartzo · 4 years
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eu não sinto mais a felicidade que eu sentia, no máximo, alguns flashes de contentamento, mas de forma repentina, tudo volta ao escuro e eu não vejo mais perspectiva alguma.
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incensoequartzo · 5 years
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manifesto
Frio cortante, beira mar, piscina vazia e o uivo ecoa pela noite inquieta. O vento carrega as corujas brancas e meus olhos não largam a imagem das linhas do fundo da piscina sendo retorcidas sob a água agitada pela ventania. Os coqueiros pendem, o mar recua e avança. Procuro conforto e refúgio nas curvas das ondas, nas curvas da serra enevoada e nas curvas do meu cabelo. A minha identidade estava perdida desde quando eu brincava com as luzes bruxuleantes de natal que se erguiam na árvore do quintal da minha avó. Talvez eu não saiba muito sobre mim, talvez eu seja o meu tópico mais frustrante de conversa, mas a única certeza que eu tenho é que o silêncio depois do fim faz parte de mim. Eu amo situações onde eu possa sentir inspiração, eu amo esses cenários que nunca perduram, mais até do que já amei qualquer pessoa. É um velejar em direção ao vazio, em um mar frio, turbulento e sem nenhum farol. Eu estaria mentindo se eu dissesse que não gosto dessas sensações que a minha mente fabrica, mas as longas pausas sem elas me perfuram e me preenchem de enfado e nojo. Longos períodos de estagnação contrastavam com momentâneas epifanias e vontades de continuar caminhando, escrevendo e, quem sabe, vivendo. Eu sibilo as minhas fantasias e o destino, ao ouví-las, garante que nenhuma delas se realize. E eu vivo nostalgia, em uma névoa de boas sensações que já morreram, restando apenas a lembrança de como eu me senti ao respirar cada uma delas. Ainda não encontrei alguém que entendesse, mas, talvez, em algum desses lapsos de inspiração e vontade, eu possa escrever um manifesto que detalhe muito bem cada uma dessas aflições e prazeres. Eu não me sinto como um poeta, não sinto que crio arte, sinto que transformo o egocentrismo em palavras, pois, mesmo que eu não seja meu tópico de conversação favorito, eu sou, definitivamente, meu melhor tópico de escrita.
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incensoequartzo · 5 years
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eu já dei inúmeros sinais, já deixei completamente explícito, agora, mais do que nunca, só peço que não se arrependam quando tudo terminar pra mim e eu já não estiver por perto.
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incensoequartzo · 5 years
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Névoa de Êxtase
Eu tenho vergonha de quem me tornei, eu escondo minha cara diante de tudo que fiz e tudo que falei, principalmente quando essas memórias vêm me assombrar durante a noite. Eu tenho saudades de tudo, eu vivo inspirando nostalgia e expirando tristeza, como se meu fôlego fosse carregado de pesar. Eu fragmentei a minha vida e deixei cada um dos pedaços em uma lembrança infeliz, podendo tropeçar em um deles em uma paleta de cores frias, em uma estrada à noite, em um certo mês, em específicas conversas na tela azul que eu encaro noite após noite. Uma vida calcada na ideia de procurar significado em páginas brancas, como se o eterno silêncio e ausência de sinal fossem ser cessados por uma espécie de solução divina, um Deus Ex Machina com uma prontidão para resolver meus problemas. Mas ele nunca veio, tudo esteve tão longe, sempre esteve e sempre estará, menos a estagnação, ela permanece e tem ditado a minha vida desde que se instalou em mim. Eu beijei pessoas desconhecidas, me aventurei pelas ruas noturnas, eu fiz tudo no intuito de achar algo, mas eu me amargurei cedo e hoje, mais do que nunca, vivo em reclusão e apatia, um celibato nada sacro e com a natureza perversa e profana de um demônio que espia sua vítima pela brecha do armário. Eu só penso em letreiros neon e cidades vazias em plena madrugada, eu busco nesses cenários a inspiração que me mantém escrevendo e pensando cada vez mais, lapidando a minha capacidade de decodificar a minha melancolia. Então eu sumo, eu desapareço, eu caminho sob uma sombra e nela permaneço, escondo meu rosto e finjo que a luz vai voltar, o gosto de amargura perdura e meus olhos ardem e se enchem de lágrimas. Sempre foi fácil ir embora, a minha dor só vem depois, só quando eu percebo que eu perdi algo que jamais ousará voltar, mas há situações tão marcantes e reverberantes que a memória e o gosto persistem em não cessar. E eu não me permito viver, me enclausuro em uma semivida reclusa, como um eremita que caminha apenas para a própria ruína e não encontra mais uma maneira de reverter o que virá. Eu não falo com os outros sobre tristeza, ela afasta, mas é só nela que eu encontro conforto e me sinto em casa, em uma nuvem muito familiar, afinal de contas, eu nunca estive fora dela. Agora, celebro meus sabás com as criaturas da minha mente, passo cada solstício e equinócio ansiando por uma névoa de êxtase que me proporcione novas memórias, umas que sejam mais libertadoras que as déspotas atuais, umas que façam com que eu comece a viver, sendo combustível para a minha busca por inúmeras outras.
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incensoequartzo · 5 years
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Culpa
A luz do poste brilha, adentrando a pequena brecha da janela e sendo refletida pelo látex preto. Eu choro, encaro o chão, sinto minha garganta fechar e meus olhos arderem. Observo o corpo que ri em satisfação ao meu lado, esboçando um sorriso perverso. Vou ao banheiro, luzes neon azuladas e vermelhas iluminam, enfio meu rosto na pia e choro novamente. Cheiro de cigarro e suor, muitas pessoas devem ter estado aqui, chorado aqui, bem em frente ao espelho e fodido em cima dessa pia. Tomo um banho e observo boa parte da tinta do meu recém tingido cabelo cair e descer ralo abaixo, colorindo o chão de azul. Sinto tudo caindo, sinto essa sensação de vazio, como se eu tivesse me dopado de uma forma que todo o sentimento de humanidade tivesse sido expulso. Eu não me sinto eu, não me sinto nada, um contraste gritante em comparação à pessoa que eu era, a pessoa que se inspirava com tão pouco e era capaz de viver uma vida em uma noite, mas agora eu sinto como se boiasse no tempo, sem correnteza ou direção. Talvez eu tenha mascarado muita coisa ou tentado esconder, como se eu estivesse bebendo café com leite adocicado para esquecer o gosto do café preto, amargo e cortante. Me perdi no disfarce e perdi a chance de abandonar essa infelicidade oscilante, eu esperei de forma casta por alguém que viesse me salvar, dar mais sentido a tudo, mas disperdicei as chances que me foram dadas e boio no nada. Minha necessidade de uma presença física seria cessada e substituída por medo, talvez meu subconsciente sabia o que estava fazendo ao me empurrar nessas ambições. Só percebo agora, tendo uma pessoa completamente estranha que eu nem sequer gosto me esperando numa cama vazia e desarrumada. Eu sinto culpa sempre que tudo acaba, quando o êxtase chega, como se eu estivesse profanando algum âmbito sacro e eu tivesse que receber uma punição, essa mesma que eu constantemente imploro na cama. Saio do banheiro, vejo aquele corpo de pé, completamente vestido e guardando suas roupas especiais e todos os objetos, meu olhar vai em direção ao que foi usado para deixar minhas costas doídas ao meu mando, fruto do meu desejo de sentir dor ou sentir, apenas. A culpa me inunda, eu não entendo a causa disso, como se qualquer pessoa com quem eu me envolvesse fosse errada, como se essas situações fossem erradas. Minhas expectativas pesaram e meus traumas me impedem de relaxar, tudo é preocupante. Saio do carro do meu caso de hoje à noite e vou andando pela parcela escura da minha vizinhança, a chuva engrossa, meu casaco felpudo indica que em breve vai se encharcar e pesar como pedra. Acendo um cigarro, não resisto, o maço estava sentado no fundo do bolso do meu casaco por mais de um mês, tempo que foi minha tentativa de evitá-lo, mas parece que essa noite vai ser insuportável de aguentar sem um trago rápido enquanto eu espero a chuva passar. Me parece muito estranho uma chuva de inverno pesada como essa ter passado tão rápido, eu aproveito e dou passos apressados entre as poças e ainda sinto que minha culpa não passou e que ela vai continuar me acompanhando por esse caminho iluminado pelos postes de luzes brancas e oscilantes, assombrosas até.
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incensoequartzo · 5 years
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eu vivo respirando o fôlego de memórias que nunca vivi, eu continuo esperando que a vida me traga concretude, eu sonho que a noite me proporcione respostas.
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incensoequartzo · 5 years
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não aprendo
eu bebi o sol da meia-noite e engoli o contorno prateado de cada nuvem que sucedeu uma tempestade do litoral. Eu nunca paro, eu nunca aprendo, eu vivo ignorando a certeza profunda que tenho que a vida é uma roleta russa. Não há amor em nenhum lugar, não há paixão em quem vem fácil e vai rápido, não há conforto em destilados e não há descanso para quem não cansa de continuar procurando. Eu não vou absorver a minha lição, eu rompo minhas correntes para poder me acorrentar a novos fardos e vivo assim, de rosto colado ao infortúnio e de pescoço marcado pelo beijo do mau agouro. A fina membrana que sustenta os fluídos da minha insanidade e a separa da minha realidade está mais próxima de ser rompida do que nunca, eu sinto nos meus ossos. Eu me sinto constantemente desconfortável, em estado de alerta e profunda agonia, como se algo em mim tivesse sido completamente danificado, me tornando uma crisálida com um interior repleto de frustrações, esperando a metamorfose torná-las em algo ainda pior. A noite é o portal para que todas as reflexões saiam rastejando de dentro dos esgotos com o intuito de pairar com suas asas de morcego sobre minha cabeça e impedir o meu almejado sono de ser encontrado. Será que sentem a minha falta? Penso em cada pessoa que deixei nos portos e cais ao longo da minha vida, observo que cada mar velejado me encheu de riquezas valiosas, tamanho valor que existiu apenas para, posteriormente, infligir uma grande dor quando eu as perdia. Um oásis sagrado foi a minha capacidade de anestesiar minha dor e fantasiar sobre um amanhã menos escuro, sem corvos gritando palavras assombrosas e árvores de galhos mortos e retorcidos. Eu vivo nessa constante doce submissão pelos eventos que a vida me lança, sempre me deparando com meus erros e arrependimentos voltando como se estivessem presos a um pêndulo, assim, eu nunca aprendo.
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incensoequartzo · 5 years
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sempre buscando o afeto de quem nunca se importou
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incensoequartzo · 5 years
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À Mercê
Caminhando sob a lua, o vento de inverno traz movimento às minhas roupas escuras e as poças d'água encharcam meus sapatos. Eu espero sob a árvore de oliva roxa, nada acontece, os carros passam dispersos e soturnos, cada feixe dos faróis iluminando meu semblante preocupado. Eu acendo um cigarro, trago uma vez, duas, nunca gostei desse gosto e sinto que só desenvolvi o hábito por sua causa. Aquelas noites nos hotéis da estrada, você me encarando da cama e eu fumando enquanto sentava na janela e observava os letreiros dos estabelecimentos noturnos. Você dizia que amava ver a fumaça saindo dos meus lábios e eu, da forma mais imbecil possível, fazia de tudo para agradar. Pulmões fracos e coração danificado, espero pela sua chegada repensando se tudo valeu a pena. Eu não deveria me encontrar nesse estado de surpresa, com você sempre foi assim, sempre esperando no escuro e sem hora ou momento certo, sem resposta e sem chance de perguntar. A chuva engrossa, a copa da árvore já não protege mais e eu me encharco completamente, o frio me faz ranger os dentes os faróis são cada vez mais escassos. Não entendo o motivo de eu me meter nessas situações, sempre à mercê, nunca tomando as rédeas, nunca tendo pulso forte e atitude. Me enfureço, ninguém merece passar por isso, ninguém merece se entregar demais assim. Eu analiso todas as outras vezes que eu tive que passar por isso e pondero se valeram a pena ou não. Não, não valeram, eu cansei, vou esperar a chuva passar e vou embora daqui. Mal me preparo para ir embora e vejo você no fim da rua, andando lentamente com um guarda-chuva preto. Você me abraça, não diz nada e puxa minha mão com força, eu não resisto e deixo que você me conduza e percebo que não posso fazer nada, não contra você, nunca contra você.
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