Tumgik
xmirtisx · 1 year
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Você Disse
Você disse que seus pés eram meus
Quando os meus não mais pudessem caminhar
E que suas mãos eram o fim dos meus braços
Quando as minhas não aguentassem segurar
O peso do meu coração
Você disse que sustentaria
Você disse que era meu amigo
Você disse
E eu nunca mais ouvi falar de você.
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xmirtisx · 2 years
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Por Cima do Balcão
Ainda me lembro daquele dia, há mais de onze anos. Eu estava prestes a iniciar a segunda série do ensino fundamental, e era época de comprar o material escolar. Naquele tempo, o bar do colégio se transformava em papelaria nas férias de verão, e, como numa praia em meados de janeiro, um turbulento mar de pais e crianças vinha em ondas volumosas para garantir os livros do novo ano letivo. Sem sombra de dúvida, aquele era o ponto alto das minhas férias; quando a gente é tão pequeno, um ano traz evoluções astronômicas, e era ali que isso ficava mais evidente. Livros didáticos apresentavam conteúdos de aparência mais complexa, livros paradidáticos tinham mais páginas do que se podia contar; um mundo novo se abria a cada janeiro.
De mãos dadas com a minha mãe, me aproximei do balcão para retirar os materiais. Naquela ocasião, o Seu Zé, que normalmente vendia salgados e outras gostosuras para crianças famintas no recreio, estava vendendo o combustível do conhecimento. Quando ele nos entregou a pequena pilha de coisas, eu não pude conter o choque; entre livros de matemática e português, estavam dois cadernos de capa roxa. Ao questionar Zé sobre a quantidade de cadernos, sua resposta veio certeira: "Pois é, parece que alguém está ficando grande! Só os pequenos ganham apenas um caderno." — ao ouvir isso, sorri com confiança; ele tinha razão, eu era grande o suficiente para preencher dois cadernos inteiros com conhecimentos, e naquele momento, esse entendimento bastou para que eu me tornasse invencível.
Agora, acabo de iniciar a terceira série… do ensino médio. Me vejo rodeada por torres de cadernos que acumulam quase o meu tamanho, mergulho em livros de vocabulário rebuscado e com mais páginas do que seria necessário. Sou constantemente questionada de maneira banal sobre o que pretendo fazer pelo resto da minha vida, e a obviedade na voz de quem me pergunta só aumenta o desespero que suas palavras me trazem. Eu não tenho resposta alguma que pudesse agradar meu interlocutor, pois de nada do que me faz viver eu poderia fazer minha vida; fosse ao dedilhar um violão, rabiscar alguns desenhos ou escrever meus sentimentos, nunca fui capaz de ultrapassar a linha da mediocridade naquilo que faço. No mundo da arte, só vejo lugar para os prodígios e os bem relacionados, e eu não sou nenhum dos dois. Sou apenas uma adolescente que sente mais do que o corpo consegue carregar, e que no espelho não vê alguém maior do que a menina que ficava na ponta dos pés para enxergar seus livros no balcão.
Entre testes vocacionais e palestras sobre saúde mental, busco incessantemente pela confiança de outrora. Sou capaz de preencher bem mais do que dois cadernos com tudo que aprendi, mas isso não me faz mais sorrir; aliás, me dá mais vontade de chorar do que qualquer outra coisa. Porque aprendi um pouco de um bocado de assuntos, e nenhum deles me guiou pra um caminho definitivo; por que não posso construir as pontes ou curar os feridos ou criar os carros voadores? As estradas que me iluminam os olhos são tortuosas e incertas e eu tenho medo de assumir o risco e dizer que quero ir por lá — até pra mim mesma. Cada dia que passa é um dia a menos que tenho para definir meu rótulo pelos próximos quatro anos, possivelmente pro resto da vida. Se eu escolher o caminho de tijolinhos faltantes, essa escolha será um voto de confiança na assertividade de meus passos, e, confie em mim, não há nesse mundo alguém que duvide mais de mim do que eu mesma. Não chego até a esquina sem tropeçar, imagina alcançar meus sonhos?!
De todos os medos que esse ano fatídico me traz, o que mais me assombra é a possibilidade de decepcionar minha pequena eu de sete anos de idade. Ela, de sorriso iluminado e autoestima incomparável, que dizia "Eu quero pintar quadros e atuar em filmes e abrir um restaurante. Talvez eu seja cantora também." com a convicção de que, para ela, tudo aquilo era possível. E era. Quero que ela olhe pra mim e veja pelo menos um pouquinho do que tinha sonhado; quero olhar pra ela e reconhecer nossa essência brincalhona tão particular. Acima de tudo, quero olhar pra mim e enxergar algo que se aproxime de quem realmente sou, porque, quer saber? Tenho dezessete anos e uma vida que ainda nem começou, então eu digo: quero escrever livros pra pessoas grandes e pequenas e quero traduzi-los pra todos poderem ler. Ah, talvez eu seja ilustradora também. E quero crer que, pra mim, tudo isso é possível. E é.
Há pouco mais de onze anos, descobri que crescer podia ser muito legal. Agora, estou prestes a deixar pra trás os verões no bar do Zé e os livros de matemática e os cadernos que preenchi, mas levo comigo pra sempre a sensação de cada nova porta que se abriu nos meus anos de colégio — a esperança, a liberdade, e também o medo; todos essenciais para me mostrar que eu sou capaz de lidar com os passos e os voos que a vida pede. Tem um voo grande me esperando, mas estou tentando olhar pra ele e esboçar um sorriso, pois costurei bem minhas asas e sou grande o suficiente pra voar longe. E eu (finalmente!) não preciso mais ficar na ponta dos pés pra enxergar minha vida depois do balcão.
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xmirtisx · 2 years
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sinestesia
Ouvir the cure me transporta pra memórias diferentes. Escuto A Letter to Elise e é como se visse as paisagens urbanas pela janela do carro, de passeios pelo lado alternativo da cidade; In Between Days é a trilha das idas ao cinema e Just Like Heaven embala tardes de jogos e filmes no apartamento, com muitas risadas na melodia de The Caterpillar. Boys Don’t Cry traz as histórias dos tempos de tua adolescência, e Love Cats tem o solo que tiraste de ouvido no violão. Será que sabes que tu foste o responsável por me apresentar à minha banda favorita? São tantos momentos já tão revividos que eu nem sei mais se os recordo do jeito certo. Se ao menos eu soubesse enquanto tudo aquilo acontecia que aquelas seriam as últimas vezes que te teria comigo, talvez os tivesse vivido mais. Talvez não tivesse me aborrecido tanto com onde estávamos indo e me alegrasse apenas porque íamos. Talvez. Ou talvez tivesse feito tudo do mesmo jeito, afinal, o desfecho seria o mesmo.
Mas os últimos dias têm sido difíceis, sabe? Ontem completou mais um ano da tua fuga de mim, e em alguns dias vai fazer um ano que não te vejo. Eu sei que "it doesn’t matter what you say, I just can’t stay here every yesterday" era o que nos definia quando eu finalmente desisti. Todo dia era o mesmo, um eterno jogo de "make-believe we never needed any more than this", quando, na verdade, "I’m running towards nothing". Mais do que nunca, "from me to you there’s worlds to part", e eu nem sei por onde começar. A luta contigo é inútil, uma batalha travada sozinha; não sabes te colocar vulnerável, mas "I just can’t hold my tears away the way you do". De tanto forçar, "the make-believe ran out", e agora só me resta viver "looking so long at these pictures of you, that I almost believe that they’re real", porque eu queria tanto que fossem; porque eu precisava que fossem.
Sabe, eu acho que tu gostarias de mim se me conhecesses. Se me desses uma chance, verias que poderíamos ser grandes amigos. Viveríamos entre horas de devaneios no violão e análises exageradas da psicologia de filmes e músicas. Te faria rir com meu jeito teatral de ser, o mesmo que te é tão natural. Como nunca percebeste nosso interior tão parecido? Talvez porque não viste isso florescer em mim, porque estavas muito ocupado vivendo uma vida o mais distante possível da minha. Nunca me deste uma chance de mostrar que a vida poderia ser muito mais fácil sem tanta desavença. O desfazer de laços dói e minhas palavras já são repetitivas, nada que não seja de costume. Pode ser que eu viva nessa constante redundância na expectativa de que, entre um pensamento e outro, venhas me reencontrar. Talvez seja uma saudade do inalcançável, uma inconsciente manutenção da insatisfação com a vida de agora. Talvez. Ou talvez não seja nada, porque nem tudo é tão profundo assim.
Ou porque eu já não tenho mais forças de me aprofundar.
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