Viver dos esports
Uma das perguntas que me fazem recorrentemente, principalmente de malta “nova” nesta indústria, é de que forma podem singrar nos esports em Portugal, e eventualmente poder viver dele. Ora é uma pergunta perfeitamente legitima, fazendo todo o seu sentido para as pessoas que optam por desviar a sua dedicação e atenção para esta indústria que nos dias de hoje sofre de um boom em Portugal.
Singrar nos esports é fácil, viver dele, é também relativamente fácil.
Mas como tudo na vida, viver de algo que se gosta de fazer, ter um “emprego de sonho”, requer alguns sacrifícios, algumas tentativas de erro, e acima de tudo, uma persistência acima da média. O resto vem por acréscimo.
Gosto de acreditar que sou uma das poucas pessoas no nosso país que tem esse emprego de sonho, genuinamente faço o que gosto e posso afirmar que - fora algumas excepções de jogadores -, vivo dos esports, portanto, penso estar perfeitamente habilitado a falar sobre este assunto e tentar guiar todos aqueles que esperam ter as mesmas ambições.
Viver dos esports no geral, quer como jogador, quer como alguém outsider, tem as suas diferenças. Se em cima digo que é fácil viver dos esports, tem um pequeno asterisco na afirmação porque obviamente existem aqui duas categorias: jogador ou não jogador.
Para ser jogador é preciso ter talento, dedicação, tempo e vontade de evoluir, e se há muita gente que tem algumas destas características, falha essencialmente na primeira que é efectivamente o talento. São poucos os talentos que por estes dias nascem no nosso país e também são poucos os talentos que já existem e que vão podendo dizer que vivem dos esports, uns cá dentro, outros lá fora. Mas primeiro que tudo é preciso fazer uma avaliação sobre efectivamente o que é viver dos esports.
Viver dos esports não é ser pago para fazer algo relacionado com os esports porque obviamente muitos vão concordar que apesar de existirem várias centenas de pessoas a serem pagas nos esports em Portugal, certamente não é com 50, 100 ou 150 ou 300€ que essas pessoas conseguem realmente viver dos esports. Neste caso, estas pessoas, podemos tranquilamente dizer que conseguem ter algo vindo dos esports mas que ainda não lhes confere o estatuto de poderem (sobre)viver na nossa sociedade através dos esports.
A minha definição de viver dos esports aplica-se a todos aqueles que hoje em dia conseguem suportar-se e fazer a sua vida normal na sociedade através dos esports, e obviamente não é com algo equiparável a um Rendimento Social de Inserção (ou menos) que isso acontece. Falo de um razoável vencimento que permita, pelo menos, a essas pessoas viverem confortavelmente as suas vidas, e nisto, temos poucos. No que toca a jogadores, casos como o fox, maniaK, Xico, rhuckz, joo ou o Minitroupax são os mais óbvios, isto porque, não estão “cá dentro” mas fazem dos esports a sua vida, mas quando a categoria muda para “não jogador”, a coisa torna-se realmente interessante. Em Portugal, conheço poucos, fora dele, conheço mais alguns, como também conheço aqueles que injustamente recebem autênticos balúrdios para não fazerem nada decente, existe sempre esse lado - secalhar não tanto do lado dos jogadores -, mas do lado dos “não jogadores”, oh boy, há realmente pessoas a encherem-se de dinheiro sem nunca terem feito nada para o merecerem.
Como é então esse caminho para - um dia - poder viver realmente dos esports em Portugal?
Acima de tudo longo, fácil, mas longo. A não ser que sejas um fora de série, um perfeito workaholic e que tenhas no apelido algo tipo António Dedicação, porque aí certamente não irás precisar de muito tempo até que alguém comece efectivamente a notar no teu trabalho, mas como infelizmente nos últimos 6 ou 7 anos tenho visto poucos foras de série, é pouco provável que isto aconteça.
Não precisas de ser doutor ou engenheiro.
Também nas muitas mensagens que recebo, algumas pessoas dizem que têm o curso “X” e que gostavam de seguir os esports por causa disso, que pode ser mais fácil. Vejamos isto de uma forma mais directa: Sujeito A tem o 9º ano e 10 anos de experiências de esports. Sujeito B tem licenciatura/mestrado/doutoramento em ciências da comunicação ou marketing digital mas tem menos de 1 ano de experiência em esports, a minha decisão é muito simples, escolho o sujeito A.
Ao contrário do que acontece na sociedade “normal”, um dos grandes factores de decisão no que toca a “empregos” nos esports, é a experiência. É claro que teres um curso superior ou algo que possa ligar ao emprego em si, aliado a essa experiência, torna-se mais fácil o teu trabalho em si, mas a experiência é meio caminho andado para que as coisas aconteçam. E os esports têm sempre várias posições e empregos disponíveis um pouco por todo o mundo fora, desde vídeo, fotografia, design, coding, finanças, social media, management de secções, management de equipas, relações públicas, um número sem fim de posições existentes e que estão disponíveis para todos.
Thing is, já disse isto publicamente e não tenho problemas em dizê-lo outra vez, tenho o 12º ano, sempre disse que não queria fazer ensino superior porque sabia que era uma perda de tempo, não só do meu tempo em si, mas também esforço financeiro, numa área que pouco ou nada me interessava. Tomei essa decisão de consciência tranquila porque simplesmente olho para o meu círculo de amigos e vejo pessoas licenciadas a trabalhar em fnac’s ou lojas de roupa, não que isto seja mau, ou que seja um trabalho menos digno, nada disso, mas certamente não era o que eles idealizavam quando terminaram os estudos e é por isso que optei por saltar essa fase da vida.
No entanto, levo praticamente 15 anos de esports, uns com menos sucesso como jogador - onde pouco ou nada a nível financeiro ganhei - e outros com mais sucesso fora do espectro de jogadores, onde vivo actualmente de uma forma confortável, quer a nível financeiro, quer a nível profissional. Não confundir com o termo “rico”, porque se efectivamente fosse rico, não estaria a escrever isto através do meu quarto, em casa dos meus pais, mas sim numa localização qualquer remota com uma hot-chick a passar-me aquela brasa com uma folha de bananeira.
Ora são esses anos e especialmente o trabalho que fiz, que secalhar faz pesar um pouco naquilo que digo, escrevo ou falo, e que certamente ajuda em algumas decisões de algumas pessoas no que toca a trabalho, não porque tenha apenas o 12º ano e não esteja em “igualdade” de estudos com outras pessoas.
Portanto, o tal mito de que precisas de ter um curso especifico ou um curso superior para entrar nos esports, é apenas e só isso, um mito. Experiência é a chave e anos de trabalho visível.
Dedicação, consistência e pro-actividade.
A par da experiência, estes são os restantes aspectos que determinam o teu futuro na indústria. Podes não ser muito bom no que fazes, mas se te dedicares, estiveres disposto a aprender com quem sabe, saberes ouvir e saberes aprender com os erros, vai-te ajudar pelo caminho.
Ao longo dos tempos em que estive no FRAGlíder, passaram por mim muitas pessoas com “ganas” de fazer algo pela comunidade, tinham a tal “tesão do mijo” como frequentemente dizia (e digo). Poucas foram aquelas que ficaram e menos ainda as que marcaram. As pessoas têm a vontade inicial de pertencer a X ou Y mas acabam por se perder pelo caminho, desistindo, acima de tudo pelo facto de que não gostam de “trabalhar” e só gostam de receber.
Se não te dedicas, não és consistente, se não és consistente, vais ter muitos problemas na vida profissional porque não há trabalhos de ficar de rabo para o ar e o dinheiro aparece na conta. Neste aspecto tive uma grande lição e que, novamente, gosto de partilhar apesar de muita gente poder pensar que é algo mau ou “humilhante”, quando para mim não o é. O meu primeiro emprego foi trabalhar 8 horas num McDonalds, e meu deus, não houve nenhum outro sitio por onde tenha passado, onde tenha sido obrigado a mexer-me, a procurar soluções por mim mesmo, a ter que ter decisões por mim mesmo e ser obrigado a ter que fazer do que pedir para fazer.
Se gostas mesmo de estar nos esports, dedica-te a ele. Perde um par de horas do teu dia a perceber o que podes fazer na área que escolheste, sê consistente nessa área, e procura por ti mesmo fazer as coisas, não estando à espera que os teus superiores venham ter contigo e te mandem fazer algo. Sê participativo, comunicativo e não tenhas medo de pedir ajuda a quem sabe, a quem tenha mais experiência, porque perguntar não ofende e só assim o teu trabalho, não só é valorizado como também irá sair certamente melhor.
Trabalha primeiro, recebe depois. Sê humilde.
Se para ti é difícil perceber que ao fim de 2 dias de trabalho não te dá o direito de receberes qualquer coisa, então os esports não são bem uma coisa para ti. Obviamente que este pensamento não se aplica a pessoas já com algum peso e a tal experiência adquirida, mas sendo este texto principalmente dirigido a toda a essa malta mais nova, que tenta perceber como pode fazer as coisas, isto é algo que vos vai passar pela cabeça a certa altura.
Não é por teres estado uma semana a fazer notícias que no fim do mês alguém te vai recompensar, mais, que alguém te vai recompensar financeiramente, porque esta é uma grande ilusão no que toca aos esports em Portugal. Já dizia o ditado “quando a esmola é muita, o pobre desconfia” e aqui aplica-se na mesma. Há imensa gente a prometer fundos e mundos para depois no fim, depois de realmente um esforço, dedicação feitos num trabalho, esses fundos não aparecem.
És novo, tens que mostrar trabalho, tens que mostrar que podem confiar em ti. Os esports em Portugal não permitem recompensar no imediato as pessoas que trabalham, mesmo que esse trabalho não seja o melhor, tal como acontece na sociedade “normal”, no entanto, os esports em Portugal permitem recompensar aqueles que durante uns bons tempos se dedicam, são consistentes, são pro-activos e acima de tudo, mostram humildade no seu trabalho e personalidade.
Não esperes algo no imediato, espera algo num futuro a curto-médio prazo, e até pode não ser algo financeiro, mas sim uma recompensa que te dê a entender que as pessoas para quem trabalhas estão gratas pelo teu trabalho e que estão atentas ao que fazes. Uma ida a um evento, um rato, um teclado, algo que para ti pode ser “menos bom” ou banal, mas que a intenção e a gratidão pelo teu trabalho estejam presentes. Atenção que não estou a dizer que deve ser SEMPRE assim, mas tal como eu percebi, vais chegar a um ponto que através da valorização do teu trabalho, do feedback da comunidade, vais perceber que recompensas desse género já não são suficientes, mas aí também certamente já estarás a pensar noutros voos.
Engole sapos.
Ao longo destes anos todos, nem sempre a minha vontade foi feita, nem sempre o que quis que acontecesse, aconteceu. Tive que engolir muitos sapos e também, tive que muitas vezes ceder e perceber que estava errado em ter feito algo.
Ter o rei na barriga não ajuda ninguém, e não te vai ajudar no caminho até “lá acima”, muito pelo contrário, só te vai prejudicar. Temos vários exemplos de “reis” actualmente nos esports em Portugal e a única coisa que são donos, são de si mesmos. Estes reis fazem gestão de projectos falhados, de projectos que estão à beira do abismo, fazendo de tudo para que outros tenham o mínimo de sucesso, inclusive passar por cima de tudo e todos e esperar que ninguém note.
Acredito genuinamente no karma, e ele sempre me disse que “what goes around, comes back around” (hail to JT pela música), portanto se algum “rei” passar por cima de ti, mais cedo ou mais tarde, vais vê-lo na lama sem sitio para onde ir, enquanto tu fazes o teu caminho tranquilamente.
No entanto, sê tu mesmo. Luta por aquilo que acreditas mas ao mesmo tempo, está disposto a ouvir o que outros te dizem. Não tenhas receio de convergir a tua opinião com a de outros, mesmo que no imediato aquilo que tu pretendes não seja atingido, mas que num futuro próximo, lá chegues. Não deixes de lutar pela verdade, não tenhas medo de dizer a verdade, mesmo que isso te dê alguns inimigos pelo caminho, é normal, são gente próxima de “reis” que tal como os seus superiores, vão cair mais cedo ou mais tarde. Sê genuíno, mesmo que isso implique teres que engolir sapos. O karma não se vai esquecer.
Experimenta várias áreas.
Como referi em cima, os esports no geral têm várias áreas disponíveis e nunca é mau saberes de tudo um pouco. Eu comecei como um jogador relativamente mediano, depois pensava mesmo que ia fazer filmes de gaming para o resto da vida, de seguida e por ser relativamente decente a fazer isso mesmo, comecei a escrever conteúdo por mero gosto e por ver algumas das minhas influências na altura, comecei também a fotografar, sendo que hoje sou fotógrafo a full-time no maior site de CS:GO a nível mundial e de acordo com algumas pessoas, uma “voz” importante na comunidade Portuguesa, pelo conteúdo e trabalho feito.
Portanto como vês, não fiquei quieto num único sitio, decidi experimentar várias coisas e saber essas coisas foram-me ajudando pelo caminho. Gostas de jogar? Fixe! Eu também e também vou jogando de vez em quando, mas se sabes que nunca irás ter aquele potencial para ser um jogador fantástico mas gostas mesmo de esports, mete-te noutra coisa que te permita ter tempo para jogares e tempo para essa coisa que escolheste.
Gostas de uma organização em especifico e gostarias de os ajudar? Fala com eles, certamente não se vão negar a alguma ajuda, naquilo que lhes seja possível. Não gostas de alguém em especifico mas gostavas de ajudar a tua comunidade/jogo? Faz conteúdo. Faz vídeo. Faz fotografia. Gostas de matemática e números? Entra no aspecto mais detalhado dos números da tua comunidade e apresenta conteúdo relevante. Não tens onde publicar isso mesmo? Fala com os sites da especialidade, certamente serás uma boa ajuda para eles e também não se vão negar a bom conteúdo. Gostas de publicar cenas no Facebook ou Twitter e és todo geek das redes sociais? Há por aí muita organização que precisa de ajuda na área de social media. Gostas de organizar cenas, dinamizar a comunidade com torneios e isso? Ajuda os organizadores de eventos já existentes e aprende com eles como fazer as coisas.
Queres fazer um pouco de tudo isto? Não é impossível, eu fi-lo mas devo confessar que precisas de muito tempo livre, muita dedicação, fazer imensos sacrifícios, paciência e tudo aquilo que já escrevi em cima.
Se és novo nisto nos esports, não abras a tua barraquinha.
Percebo a necessidade e a ideia de muita gente querer começar uma coisa sua, mas os esports não são propriamente um brinquedo que se possa brincar, usar e meter para o lado quando se cansa. Se és alguém sem grande experiência mas que gostava mesmo de estar nos esports, a melhor forma de adquirires essa experiência, esse conhecimento inicial, é poderes estar junto de outras pessoas que te possam guiar e aconselhar, e isso é feito dentro de projectos já existentes.
A boa vontade vai-te ajudar mas obviamente a vontade de aprender tem que estar presente. Não há um tempo especifico para isto mas conheço pessoas que optaram por estar dentro de uma organização durante algum tempo e depois saíram para começarem o seu próprio projecto, como conheço pessoas que começaram lá em baixo de tudo numa organização e hoje em dia já são alguém de relevante e “importante” nessas mesmas organizações. O tempo e o caminho irá ditar a tua decisão mas a real questão aqui é não começares algo “só porque o meu vizinho também tem” ou porque “só para ter algo meu”, é errado e provavelmente não te vai ajudar em nada.
Conclusão
Os esports em Portugal são um tema em clara ascensão e que precisa de muita gente para concretizar um plano de tornar tudo isto mais pacifico e mais que tudo, rentável.
Não há muito dinheiro nos esports dentro do nosso país, de tal forma que (praticamente) todos os Portugueses de real valor nos esports, quer estejam cá dentro, ou lá fora, trabalham precisamente para empresas Internacionais. Existem 2 ou 3 mecos que lá vão enchendo os bolsos de dinheiro porque vão colocando meia dúzia de frases que eles bem tentam em chamar conteúdo, mecos que não tem qualquer experiência nos esports mas que por via do factor C (cunha), estão lá ao invés de outras pessoas mais indicadas e que mesmo passando algum tempo, continuam sem aprender e perceber como se fazem as coisas.
Não acho que trabalhar para empresas Internacionais seja mau para os esports em Portugal, até acho bom porque torna visível que o nosso país consegue exportar os poucos talentos que tem e isso acaba por colocar o nosso país no mapa mas é difícil conseguir efectivamente viver realmente dos esports em Portugal. No entanto, os esports em Portugal são uma excelente rampa para futuros acontecimentos - nomeadamente sair lá para fora -, mas para ser fácil e ter essa vida nesta indústria são precisos grande parte dos factores que referi em cima.
E é isto. Espero que a minha experiência ao longo dos anos possa ajudar quem venha ou quem esteja a pensar vir aí, porque os esports em Portugal vão crescer, lentamente, mas vão crescer e melhor que crescerem, precisam de pessoas dedicadas para isso. Se te encaixas neste texto, e tens algumas dúvidas, podes mandar-me uma mensagem via Twitter ou Facebook que sempre que possível, respondo de volta!
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