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#conto de Hilário Silva
leaquioficial · 6 months
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O desejo de Jesus para a humanidade revelado num sonho
O desejo de Jesus para a humanidade é retratado neste inspirador conto de Hilário Silva sobre um episódio da vida de Eurípedes Barsanulfo.
O sonho que transformou uma vida. Numa noite, um sonho transformou profundamente a vida de Eurípedes Barsanulfo, quando soube do desejo de Jesus para a humanidade. Este comovente e profundo conto, trazido por Hilário Silva¹, certamente nos conduz a momentos de reflexão quanto às nossas atitudes no dia a dia da nossa vida. O conhecimento, sem dúvida, é fundamental para compreendermos a extensão…
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fabioferreiraroc · 4 years
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Cora Coralina: a história da poeta que publicou seu primeiro livro aos 75 anos
Cora Coralina é o pseudônimo de Ana Lins Peixoto dos Guimarães Bretas, nascida na Casa da Ponte, na Cidade de Goiás, — hoje Museu Casa de Cora Coralina — em 20 de agosto de 1889, quase três meses antes da Proclamação da República, e falecida em Goiânia, em 10 de abril de 1985, quase um mês após o fim da ditadura militar.
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Cora Coralina é o pseudônimo de Ana Lins Peixoto dos Guimarães Bretas, nascida na Casa da Ponte, na Cidade de Goiás, — hoje Museu Casa de Cora Coralina — em 20 de agosto de 1889, quase três meses antes da Proclamação da República, e falecida em Goiânia, em 10 de abril de 1985, quase um mês após o fim da ditadura militar.
A ascendência de Cora tem lances de ode telúrica. Pelo lado materno, ela descendia do grande bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva — o Anhanguera —, descobridor das minas dos goyazes e, por assim dizer, pai do estado de Goiás. Seu avô, Joaquim Luiz do Couto Brandão, foi proprietário de enormes sesmarias e concessionário das lendárias minas de ouro de Anicuns.
Num tempo em que as mulheres eram subjugadas e sem voz, Cora antecipou comportamentos modernos: participou da fundação do jornal literário “A Rosa”, e numa madrugada alta, sem que ninguém esperasse, deixou Goiás e partiu a cavalo com o homem que amava para um mundo desconhecido, num autoexílio, a fim de construir seu próprio destino.
Cora passou a infância entre dois cenários: a Fazenda Paraíso (o nome advém da beleza natural do lugar) e a Casa Velha da Ponte. A Fazenda Paraíso, próxima a Goiás, é a largueza da infância, onde moravam bisavó, avós, tios e primos, inclusive uma tia vitalina, cuja renúncia ao casamento se deu para atender a um chamado familiar tradicional à época: cuidar dos pais quando ficassem velhos. A fazenda foi seu cenário bucólico mais imediato e permanente, pano de fundo, quando não moldura, de diversos textos. Já a Casa Velha da Ponte, comprada por seu pai, o desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães, foi uma das pioneiras da antiga capital, tendo sido erguida com métodos construtivos do Brasil-colônia, incluindo ferragens feitas por escravos em forjas primitivas. Esta era a residência da família. Edificada em 1739 com adobes de barro cru, firmados por vigas e pilastras de aroeira sobre baldrames de pedra bruta, às margens do borbulhante Rio Vermelho, tornou-se para a poeta símbolo ao mesmo tempo do real e do imaginário, e não raro, na condição de casa grande, um disfarce para a pobreza sofrida pela família naqueles tempos de decadência do ouro e do fim da mão de obra escrava, quando a república ainda engatinhava.
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A Casa Velha da Ponte abrigou inúmeros figurões ao longo da história, até que, no final do século 19, foi habitada por dona Jacyntha (mãe de Cora) e o desembargador Peixoto, seu segundo esposo. O pai de Ana era idoso e morreu antes que a menina pudesse conhecê-lo. As dificuldades econômicas e sociais da época alcançaram a família, e por isso, Aninha teria estudado por não mais que dois ou três anos. Mais uma vez viúva, sua mãe contraiu terceiras núpcias com o médico Antônio Rolins da Silva.
Por ser meio “avoada” e franzina, Aninha sofria rejeição da família. Assim, usando roupas largas e antigas, herdadas das irmãs mais velhas, recolhia-se em seu quartinho, entregue a leituras e devaneios, fermentando o espírito da futura poeta. Seguindo currículo singular, adquiriu vasta cultura, longe da pedagogia truculenta de então, exercida à base de palmatória e de ajoelhamentos sobre grãos de milho. Os livros eram conseguidos por empréstimo do Gabinete Literário Goiano — fundado em 1864 e existente ainda hoje, exigindo reais cuidados de conservação.
A menina “avoada”, mas de espírito buliçoso, publicou aos 17 anos seu primeiro poema, “A tua volta”, dedicado ao poeta Luiz do Couto, no jornal “Folha do Sul”, editado em Bela Vista de Goiás. No ano seguinte, juntamente com três outras jovens, entre elas a poeta negra Leodegária de Jesus, tornou-se redatora do jornal literário “A Rosa”. Seu primeiro conto, “Tragédia na roça”, foi publicado em 1910, no Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás.
Naquele mesmo ano, o padrasto de Ana morreu de malária. Viúva pela terceira vez, sua mãe caiu em profunda tristeza. Nessa época, Ana adotou o pseudônimo Cora Coralina, talvez pela aliteração colorida, talvez para manter-se no anonimato. As duas irmãs mais velhas, Vicência Peixoto e Helena, casaram-se e foram construir suas vidas. Cora ficou na Casa Grande com a irmã mais nova, Ada, a mãe depressiva e a avó cada vez mais alheada. No ano seguinte, conheceu o chefe de polícia e bacharel em Direito Cantídio Tolentino Bretas, vindo de São Paulo desacompanhado da família. Cantídio tinha o dobro de sua idade: era contemporâneo de Totó Caiado (político então em ascensão) e formado em direito pela mesma faculdade. Cantídio e Cora travaram um relacionamento furtivo, e numa madrugada a moça, tida por alguns como “pouco afeita a namoros”, fugiu com o então Secretário de Segurança Pública rumo a São Paulo, em busca de um destino incerto. A mãe adoentada e a avó idosa ficaram sob os cuidados da irmã mais nova e das irmãs casadas. Cora e Cantídio viveram 15 anos juntos, sem casamento. Só se casaram de papel passado em 1926, quando a esposa do primeiro casamento de Cantídio já havia falecido. Juntos tiveram seis filhos, e Cora ainda criou uma filha de Cantídio, nascida de uma relação do marido com uma serviçal da casa, mestiça guajajara. Cantídio morreu em 1934. A relação entre eles durou 22 anos, mas nesse autoexílio, Cora viveu nada menos que 45 anos. Em sua obra, ela se referiu escassamente a essa fase de sua vida.
Embora a literatura nunca estivesse totalmente fora de seu campo de interesse, nesse período Cora esteve pouco presente na cena literária, com raras publicações de crônicas em jornais. Nessa época ela fez algumas colaborações à revista “A Informação Goiana”, de Henrique Silva, editada no Rio de Janeiro, onde falava das coisas da terra distante. O marido não a apoiava nessa seara, embora a tivesse conhecido e por ela se interessado num sarau literário em Vila Boa, e teria inclusive impedido Cora de participar da Semana de Arte Moderna de 22, como era seu desejo. O casal morou em Jaboticabal, onde o marido advogava, e em São Paulo, capital, onde Cora tocou uma pensão entre 1933 e 34. Quando o marido morreu de pneumonia, Cora vendeu a pensão e começou a vender livros para o famoso editor José Olympio. Mudou-se depois para Andradina, abriu uma loja de retalhos de tecidos, adquiriu um sítio, candidatou-se a vereadora (sem sucesso) e retomou com maior intensidade as atividades literárias. Um episódio dramático e hilário é narrado pela escritora Lena Castello Branco Ferreira de Freitas, em um perfil biográfico de Cora: “Todos acompanham de perto as revoluções de 1930 e de 32, quando o filho Bretinhas alista-se voluntário e é dado como desaparecido. Depois de viver situações improváveis, reaparece e a família comemora festivamente o regresso. Uma promessa feita pela mãe aos santos de sua devoção deverá ser cumprida: pais e filhos irão a pé até a igreja próxima, rezando em voz alta e segurando velas acesas. Debalde os mais jovens protestam, envergonhados; mas têm de participar e ponto final. Cedinho, na manhã cinzenta, forma-se o cortejo que segue, com a luz das velas bruxuleando sob a garoa fria. Passam bondes cheios de trabalhadores que estranham a cena: aquilo parecia um cortejo fúnebre a que falta o caixão. Começam a rir e a provocar: ‘Cadê o defunto? Cadê o defunto?”
Em 1956, 45 anos depois de sua partida e já esquecida na cidade, Cora retornou a Goiás. Proprietária por herança de uma quarta parte da Casa da Ponte, comprou as partes dos demais herdeiros e assumiu o antigo casarão. Escreveu o panfleto “Cântico da Volta”. Continuou escrevendo bastante em seus cadernos escolares, mantendo tudo ou quase tudo inédito, até que em 1965, aos 76 anos, publica seu primeiro livro, pela José Olympio, editora de seu antigo patrão: “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”.
Cora, desde os tempos de viuvez em São Paulo, continuara a fazer doces para complementar o orçamento, valendo-se de receitas ancestrais, adaptadas das antigas portuguesas. Eram doces de frutas regionais cristalizadas, em parte colhidas no próprio quintal. Na década de 1980, criou “O Dia do Vizinho”, que se comemora em 20 de agosto, data do aniversário da poeta.
Nos meados da década de 1980, uma influente universidade do Centro-Oeste atestou que a obra de Cora era inconsistente e imprópria para ser usada como corpus para dissertações ou teses, mesmo depois de Carlos Drummond de Andrade, na crônica “Cora Coralina, de Goiás”, publicada no “Jornal do Brasil”, ter afirmado que “Cora Coralina, para mim, é a pessoa mais importante de Goiás”.
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Passados os primeiros percalços de aceitação, a obra e o nome de Cora continuaram crescendo de maneira firme e permanente. A autora foi premiada com o troféu Jaburu do Conselho Estadual de Cultura, em 1981; o presidente da República lhe outorgou a Comenda do Mérito do Trabalho, em 1984; no mesmo ano, a FAO — organismo da ONU — homenageou-a como símbolo da mulher trabalhadora; foi agraciada com o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal de Goiás; no mesmo ano foi eleita, por aclamação, para ocupar a cadeira 38 da Academia Goiana de Letras, cujo patrono é Bernardo Guimarães. Foi eleita a intelectual do ano e contemplada com o Prêmio Juca Pato da União Brasileira dos Escritores e jornal “Folha de S. Paulo”, concorrendo com dois outros intelectuais de peso: Teotônio Vilela e Gerardo Melo Mourão. Em de janeiro de 1999, sua principal obra, “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”, foi aclamada por meio de um seleto júri organizado pelo jornal “O Popular”, de Goiânia, como uma das 20 obras mais importantes do século 20. Enfim, Cora tornou-se autora canônica. Em 2006 ela recebeu, postumamente, a condecoração de Ordem do Mérito Cultural do Governo de Goiás. O Museu Casa de Cora Coralina foi inaugurado no dia 20 de agosto de 1989, data comemorativa dos 100 anos de nascimento da poeta. O Museu da Língua Portuguesa homenageou-a com a exposição “Cora Coralina — Coração do Brasil”, em comemoração aos 120 anos de seu nascimento (2009). Foi criado recentemente, pela área de Turismo de Goiás, o Caminho de Cora (caminhos dos antigos bandeirantes), um trecho de 300 km que vai de Vila Boa a Corumbá de Goiás
Cora morreu, nonagenária, em 10 de abril de 1985, a tempo de ver seu nome brilhar no panteão dos escritores brasileiros. Está sepultada no cemitério São Miguel, na Cidade de Goiás, e em sua lápide se lê:
“Não morre aquele Que deixou na terra A melodia de seu cântico Na música de seus versos.”
A bibliografia de Cora, que começou com “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”, de 1965, hoje conta com mais de 15 livros publicados e, segundo sua filha Vicência Bretas Tahan, existe material inédito em seus “caderninhos escolares” para pelo menos mais sete livros. Dezenas de obras biográficas, críticas literárias, teses e dissertações já foram produzidas sobre a autora, no Brasil e no exterior.
Sem dúvida, Cora Coralina foi uma mulher à frente de seu tempo, que fazia doces para a alma e poesia como quem cultiva árvores com as raízes entranhadas na terra e os galhos envolvendo o mundo. Não foi por acaso que se tornou o ícone da cultura de Goiás, e é por mérito que, nos 130 anos de seu nascimento, 2019 foi decretado, pelo Governo de Goiás, o “Ano Cora Coralina”.
Dois poemas de Cora Coralina
VOLTEI
Voltei. Ninguém me conhecia. Nem eu reconhecia alguém. Quarenta e cinco anos decorridos. Procurava o passado no presente e lentamente fui identificando a minha gente. Minha escola primária. A sombra da velha Mestra. A casa, tal como antes. Sua pedra escorando a pesada porta. Quanto daria por um daqueles duros bancos onde me sentava, nas mãos a carta de “ABC”, a cartilha de soletrar, separar vogais e consoantes. Repassar folha por folha, gaguejando lições num aprendizado demorado e tardo. Afinal, vencer e mudar de livro. Reconheço a paciência infinita da mestra Silvina, sua memória sagrada e venerada, para ela a oferta deste livro, todas as páginas, todas as ofertas e referências Tão pouco para aquela que me esclareceu a luz da inteligência. A vida foi passando e o melhor livro que me foi dado foi Estórias da Carochinha, edição antiga, capa cinzenta, papel amarelado, barato, desenho pobre, preto e branco, miúdo. O grande livro que sempre me valeu e que aconselho aos jovens, um dicionário. Ele é pai, é tio, é avô, é amigo e é um mestre. Ensina, ajuda, corrige, melhora, protege. Dá origem da gramática e o antigo das palavras. A pronúncia correta, a vulgar e a gíria. Incorporou ao vocabulário todos os galicismos, antes condenados. Absolveu o erro e ressalvou o uso. Assimilou a afirmação de um grande escritor: é o povo que faz a língua. Outro escritor: a língua é viva e móvel. Os gramáticos a querem estática, solene, rígida. Só o povo a faz renovada e corrente sem por isso escrever mal.
CONCLUSÕES DE ANINHA Estavam ali parados. Marido e mulher. Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça tímida, humilde, sofrida. Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho, e tudo que tinha dentro. Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar novo rancho e comprar suas pobrezinhas. O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula, entregou sem palavra. A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou, se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar E não abriu a bolsa. Qual dos dois ajudou mais? Donde se infere que o homem ajuda sem participar e a mulher participa sem ajudar. Da mesma forma aquela sentença: “A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar.” Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada, o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso e ensinar a paciência do pescador. Você faria isso, Leitor? Antes que tudo isso se fizesse o desvalido não morreria de fome? Conclusão: Na prática, a teoria é outra.
Cora Coralina: a história da poeta que publicou seu primeiro livro aos 75 anos Publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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Cora Coralina: a história da poeta que publicou seu primeiro livro aos 75 anos
Cora Coralina é o pseudônimo de Ana Lins Peixoto dos Guimarães Bretas, nascida na Casa da Ponte, na Cidade de Goiás, — hoje Museu Casa de Cora Coralina — em 20 de agosto de 1889, quase três meses antes da Proclamação da República, e falecida em Goiânia, em 10 de abril de 1985, quase um mês após o fim da ditadura militar.
A ascendência de Cora tem lances de ode telúrica. Pelo lado materno, ela descendia do grande bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva — o Anhanguera —, descobridor das minas dos goyazes e, por assim dizer, pai do estado de Goiás. Seu avô, Joaquim Luiz do Couto Brandão, foi proprietário de enormes sesmarias e concessionário das lendárias minas de ouro de Anicuns.
Num tempo em que as mulheres eram subjugadas e sem voz, Cora antecipou comportamentos modernos: participou da fundação do jornal literário “A Rosa”, e numa madrugada alta, sem que ninguém esperasse, deixou Goiás e partiu a cavalo com o homem que amava para um mundo desconhecido, num autoexílio, a fim de construir seu próprio destino.
Cora passou a infância entre dois cenários: a Fazenda Paraíso (o nome advém da beleza natural do lugar) e a Casa Velha da Ponte. A Fazenda Paraíso, próxima a Goiás, é a largueza da infância, onde moravam bisavó, avós, tios e primos, inclusive uma tia vitalina, cuja renúncia ao casamento se deu para atender a um chamado familiar tradicional à época: cuidar dos pais quando ficassem velhos. A fazenda foi seu cenário bucólico mais imediato e permanente, pano de fundo, quando não moldura, de diversos textos. Já a Casa Velha da Ponte, comprada por seu pai, o desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães, foi uma das pioneiras da antiga capital, tendo sido erguida com métodos construtivos do Brasil-colônia, incluindo ferragens feitas por escravos em forjas primitivas. Esta era a residência da família. Edificada em 1739 com adobes de barro cru, firmados por vigas e pilastras de aroeira sobre baldrames de pedra bruta, às margens do borbulhante Rio Vermelho, tornou-se para a poeta símbolo ao mesmo tempo do real e do imaginário, e não raro, na condição de casa grande, um disfarce para a pobreza sofrida pela família naqueles tempos de decadência do ouro e do fim da mão de obra escrava, quando a república ainda engatinhava.
A Casa Velha da Ponte abrigou inúmeros figurões ao longo da história, até que, no final do século 19, foi habitada por dona Jacyntha (mãe de Cora) e o desembargador Peixoto, seu segundo esposo. O pai de Ana era idoso e morreu antes que a menina pudesse conhecê-lo. As dificuldades econômicas e sociais da época alcançaram a família, e por isso, Aninha teria estudado por não mais que dois ou três anos. Mais uma vez viúva, sua mãe contraiu terceiras núpcias com o médico Antônio Rolins da Silva.
Por ser meio “avoada” e franzina, Aninha sofria rejeição da família. Assim, usando roupas largas e antigas, herdadas das irmãs mais velhas, recolhia-se em seu quartinho, entregue a leituras e devaneios, fermentando o espírito da futura poeta. Seguindo currículo singular, adquiriu vasta cultura, longe da pedagogia truculenta de então, exercida à base de palmatória e de ajoelhamentos sobre grãos de milho. Os livros eram conseguidos por empréstimo do Gabinete Literário Goiano — fundado em 1864 e existente ainda hoje, exigindo reais cuidados de conservação.
A menina “avoada”, mas de espírito buliçoso, publicou aos 17 anos seu primeiro poema, “A tua volta”, dedicado ao poeta Luiz do Couto, no jornal “Folha do Sul”, editado em Bela Vista de Goiás. No ano seguinte, juntamente com três outras jovens, entre elas a poeta negra Leodegária de Jesus, tornou-se redatora do jornal literário “A Rosa”. Seu primeiro conto, “Tragédia na roça”, foi publicado em 1910, no Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás.
Naquele mesmo ano, o padrasto de Ana morreu de malária. Viúva pela terceira vez, sua mãe caiu em profunda tristeza. Nessa época, Ana adotou o pseudônimo Cora Coralina, talvez pela aliteração colorida, talvez para manter-se no anonimato. As duas irmãs mais velhas, Vicência Peixoto e Helena, casaram-se e foram construir suas vidas. Cora ficou na Casa Grande com a irmã mais nova, Ada, a mãe depressiva e a avó cada vez mais alheada. No ano seguinte, conheceu o chefe de polícia e bacharel em Direito Cantídio Tolentino Bretas, vindo de São Paulo desacompanhado da família. Cantídio tinha o dobro de sua idade: era contemporâneo de Totó Caiado (político então em ascensão) e formado em direito pela mesma faculdade. Cantídio e Cora travaram um relacionamento furtivo, e numa madrugada a moça, tida por alguns como “pouco afeita a namoros”, fugiu com o então Secretário de Segurança Pública rumo a São Paulo, em busca de um destino incerto. A mãe adoentada e a avó idosa ficaram sob os cuidados da irmã mais nova e das irmãs casadas. Cora e Cantídio viveram 15 anos juntos, sem casamento. Só se casaram de papel passado em 1926, quando a esposa do primeiro casamento de Cantídio já havia falecido. Juntos tiveram seis filhos, e Cora ainda criou uma filha de Cantídio, nascida de uma relação do marido com uma serviçal da casa, mestiça guajajara. Cantídio morreu em 1934. A relação entre eles durou 22 anos, mas nesse autoexílio, Cora viveu nada menos que 45 anos. Em sua obra, ela se referiu escassamente a essa fase de sua vida.
Embora a literatura nunca estivesse totalmente fora de seu campo de interesse, nesse período Cora esteve pouco presente na cena literária, com raras publicações de crônicas em jornais. Nessa época ela fez algumas colaborações à revista “A Informação Goiana”, de Henrique Silva, editada no Rio de Janeiro, onde falava das coisas da terra distante. O marido não a apoiava nessa seara, embora a tivesse conhecido e por ela se interessado num sarau literário em Vila Boa, e teria inclusive impedido Cora de participar da Semana de Arte Moderna de 22, como era seu desejo. O casal morou em Jaboticabal, onde o marido advogava, e em São Paulo, capital, onde Cora tocou uma pensão entre 1933 e 34. Quando o marido morreu de pneumonia, Cora vendeu a pensão e começou a vender livros para o famoso editor José Olympio. Mudou-se depois para Andradina, abriu uma loja de retalhos de tecidos, adquiriu um sítio, candidatou-se a vereadora (sem sucesso) e retomou com maior intensidade as atividades literárias. Um episódio dramático e hilário é narrado pela escritora Lena Castello Branco Ferreira de Freitas, em um perfil biográfico de Cora: “Todos acompanham de perto as revoluções de 1930 e de 32, quando o filho Bretinhas alista-se voluntário e é dado como desaparecido. Depois de viver situações improváveis, reaparece e a família comemora festivamente o regresso. Uma promessa feita pela mãe aos santos de sua devoção deverá ser cumprida: pais e filhos irão a pé até a igreja próxima, rezando em voz alta e segurando velas acesas. Debalde os mais jovens protestam, envergonhados; mas têm de participar e ponto final. Cedinho, na manhã cinzenta, forma-se o cortejo que segue, com a luz das velas bruxuleando sob a garoa fria. Passam bondes cheios de trabalhadores que estranham a cena: aquilo parecia um cortejo fúnebre a que falta o caixão. Começam a rir e a provocar: ‘Cadê o defunto? Cadê o defunto?”
Em 1956, 45 anos depois de sua partida e já esquecida na cidade, Cora retornou a Goiás. Proprietária por herança de uma quarta parte da Casa da Ponte, comprou as partes dos demais herdeiros e assumiu o antigo casarão. Escreveu o panfleto “Cântico da Volta”. Continuou escrevendo bastante em seus cadernos escolares, mantendo tudo ou quase tudo inédito, até que em 1965, aos 76 anos, publica seu primeiro livro, pela José Olympio, editora de seu antigo patrão: “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”.
Cora, desde os tempos de viuvez em São Paulo, continuara a fazer doces para complementar o orçamento, valendo-se de receitas ancestrais, adaptadas das antigas portuguesas. Eram doces de frutas regionais cristalizadas, em parte colhidas no próprio quintal. Na década de 1980, criou “O Dia do Vizinho”, que se comemora em 20 de agosto, data do aniversário da poeta.
Nos meados da década de 1980, uma influente universidade do Centro-Oeste atestou que a obra de Cora era inconsistente e imprópria para ser usada como corpus para dissertações ou teses, mesmo depois de Carlos Drummond de Andrade, na crônica “Cora Coralina, de Goiás”, publicada no “Jornal do Brasil”, ter afirmado que “Cora Coralina, para mim, é a pessoa mais importante de Goiás”.
Passados os primeiros percalços de aceitação, a obra e o nome de Cora continuaram crescendo de maneira firme e permanente. A autora foi premiada com o troféu Jaburu do Conselho Estadual de Cultura, em 1981; o presidente da República lhe outorgou a Comenda do Mérito do Trabalho, em 1984; no mesmo ano, a FAO — organismo da ONU — homenageou-a como símbolo da mulher trabalhadora; foi agraciada com o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal de Goiás; no mesmo ano foi eleita, por aclamação, para ocupar a cadeira 38 da Academia Goiana de Letras, cujo patrono é Bernardo Guimarães. Foi eleita a intelectual do ano e contemplada com o Prêmio Juca Pato da União Brasileira dos Escritores e jornal “Folha de S. Paulo”, concorrendo com dois outros intelectuais de peso: Teotônio Vilela e Gerardo Melo Mourão. Em de janeiro de 1999, sua principal obra, “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”, foi aclamada por meio de um seleto júri organizado pelo jornal “O Popular”, de Goiânia, como uma das 20 obras mais importantes do século 20. Enfim, Cora tornou-se autora canônica. Em 2006 ela recebeu, postumamente, a condecoração de Ordem do Mérito Cultural do Governo de Goiás. O Museu Casa de Cora Coralina foi inaugurado no dia 20 de agosto de 1989, data comemorativa dos 100 anos de nascimento da poeta. O Museu da Língua Portuguesa homenageou-a com a exposição “Cora Coralina — Coração do Brasil”, em comemoração aos 120 anos de seu nascimento (2009). Foi criado recentemente, pela área de Turismo de Goiás, o Caminho de Cora (caminhos dos antigos bandeirantes), um trecho de 300 km que vai de Vila Boa a Corumbá de Goiás
Cora morreu, nonagenária, em 10 de abril de 1985, a tempo de ver seu nome brilhar no panteão dos escritores brasileiros. Está sepultada no cemitério São Miguel, na Cidade de Goiás, e em sua lápide se lê:
“Não morre aquele Que deixou na terra A melodia de seu cântico Na música de seus versos.”
A bibliografia de Cora, que começou com “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”, de 1965, hoje conta com mais de 15 livros publicados e, segundo sua filha Vicência Bretas Tahan, existe material inédito em seus “caderninhos escolares” para pelo menos mais sete livros. Dezenas de obras biográficas, críticas literárias, teses e dissertações já foram produzidas sobre a autora, no Brasil e no exterior.
Sem dúvida, Cora Coralina foi uma mulher à frente de seu tempo, que fazia doces para a alma e poesia como quem cultiva árvores com as raízes entranhadas na terra e os galhos envolvendo o mundo. Não foi por acaso que se tornou o ícone da cultura de Goiás, e é por mérito que, nos 130 anos de seu nascimento, 2019 foi decretado, pelo Governo de Goiás, o “Ano Cora Coralina”.
Dois poemas de Cora Coralina
VOLTEI
Voltei. Ninguém me conhecia. Nem eu reconhecia alguém. Quarenta e cinco anos decorridos. Procurava o passado no presente e lentamente fui identificando a minha gente. Minha escola primária. A sombra da velha Mestra. A casa, tal como antes. Sua pedra escorando a pesada porta. Quanto daria por um daqueles duros bancos onde me sentava, nas mãos a carta de “ABC”, a cartilha de soletrar, separar vogais e consoantes. Repassar folha por folha, gaguejando lições num aprendizado demorado e tardo. Afinal, vencer e mudar de livro. Reconheço a paciência infinita da mestra Silvina, sua memória sagrada e venerada, para ela a oferta deste livro, todas as páginas, todas as ofertas e referências Tão pouco para aquela que me esclareceu a luz da inteligência. A vida foi passando e o melhor livro que me foi dado foi Estórias da Carochinha, edição antiga, capa cinzenta, papel amarelado, barato, desenho pobre, preto e branco, miúdo. O grande livro que sempre me valeu e que aconselho aos jovens, um dicionário. Ele é pai, é tio, é avô, é amigo e é um mestre. Ensina, ajuda, corrige, melhora, protege. Dá origem da gramática e o antigo das palavras. A pronúncia correta, a vulgar e a gíria. Incorporou ao vocabulário todos os galicismos, antes condenados. Absolveu o erro e ressalvou o uso. Assimilou a afirmação de um grande escritor: é o povo que faz a língua. Outro escritor: a língua é viva e móvel. Os gramáticos a querem estática, solene, rígida. Só o povo a faz renovada e corrente sem por isso escrever mal.
CONCLUSÕES DE ANINHA
Estavam ali parados. Marido e mulher. Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça tímida, humilde, sofrida. Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho, e tudo que tinha dentro. Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar novo rancho e comprar suas pobrezinhas. O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula, entregou sem palavra. A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou, se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar E não abriu a bolsa. Qual dos dois ajudou mais? Donde se infere que o homem ajuda sem participar e a mulher participa sem ajudar. Da mesma forma aquela sentença: “A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar.” Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada, o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso e ensinar a paciência do pescador. Você faria isso, Leitor? Antes que tudo isso se fizesse o desvalido não morreria de fome? Conclusão: Na prática, a teoria é outra.
Cora Coralina: a história da poeta que publicou seu primeiro livro aos 75 anos publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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leaquioficial · 3 years
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O sonho de Jesus para a humanidade
Em sonho, Eurípedes Barsanulfo se encontra com Jesus que lhe dá uma breve mensagem sobre sua expectativa com os caminhos da humanidade.
O conhecimento é valioso quando colocado em ação. Este é um comovente e profundo conto de Hilário Silva¹, que nos leva a refletir sobre o que sabemos e o que fazemos no cotidiano de nossa vida. O conhecimento é um campo estéril se não o colocamos em prática para que frutifique e, assim, se transforme num campo fértil onde semeamos as palavras e a ações que transformam em realidade o sonho de…
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leaquioficial · 3 years
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O desapego movimenta a prática do bem
O desapego movimenta a prática do bem, pois o que não tem uso para nós pode ser útil para alguém, como vemos neste conto de Hilário Silva.
Desapego: bom para os outros, bom para nós. O desapego é um importante elemento que movimenta as engrenagens da prática do bem, da caridade, da compaixão e do auxílio ao próximo. Porque tudo aquilo que não tem utilidade para nós, que fica encostado num canto, pode ser de grande ajuda para alguém. E mesmo o sentimentalismo que nos prende a alguns objetos pode, em certos momentos, exigir de nós…
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fabioferreiraroc · 4 years
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Cora Coralina: a história da poeta que publicou seu primeiro livro aos 75 anos
Cora Coralina é o pseudônimo de Ana Lins Peixoto dos Guimarães Bretas, nascida na Casa da Ponte, na Cidade de Goiás, — hoje Museu Casa de Cora Coralina — em 20 de agosto de 1889, quase três meses antes da Proclamação da República, e falecida em Goiânia, em 10 de abril de 1985, quase um mês após o fim da ditadura militar.
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Cora Coralina é o pseudônimo de Ana Lins Peixoto dos Guimarães Bretas, nascida na Casa da Ponte, na Cidade de Goiás, — hoje Museu Casa de Cora Coralina — em 20 de agosto de 1889, quase três meses antes da Proclamação da República, e falecida em Goiânia, em 10 de abril de 1985, quase um mês após o fim da ditadura militar.
A ascendência de Cora tem lances de ode telúrica. Pelo lado materno, ela descendia do grande bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva — o Anhanguera —, descobridor das minas dos goyazes e, por assim dizer, pai do estado de Goiás. Seu avô, Joaquim Luiz do Couto Brandão, foi proprietário de enormes sesmarias e concessionário das lendárias minas de ouro de Anicuns.
Num tempo em que as mulheres eram subjugadas e sem voz, Cora antecipou comportamentos modernos: participou da fundação do jornal literário “A Rosa”, e numa madrugada alta, sem que ninguém esperasse, deixou Goiás e partiu a cavalo com o homem que amava para um mundo desconhecido, num autoexílio, a fim de construir seu próprio destino.
Cora passou a infância entre dois cenários: a Fazenda Paraíso (o nome advém da beleza natural do lugar) e a Casa Velha da Ponte. A Fazenda Paraíso, próxima a Goiás, é a largueza da infância, onde moravam bisavó, avós, tios e primos, inclusive uma tia vitalina, cuja renúncia ao casamento se deu para atender a um chamado familiar tradicional à época: cuidar dos pais quando ficassem velhos. A fazenda foi seu cenário bucólico mais imediato e permanente, pano de fundo, quando não moldura, de diversos textos. Já a Casa Velha da Ponte, comprada por seu pai, o desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães, foi uma das pioneiras da antiga capital, tendo sido erguida com métodos construtivos do Brasil-colônia, incluindo ferragens feitas por escravos em forjas primitivas. Esta era a residência da família. Edificada em 1739 com adobes de barro cru, firmados por vigas e pilastras de aroeira sobre baldrames de pedra bruta, às margens do borbulhante Rio Vermelho, tornou-se para a poeta símbolo ao mesmo tempo do real e do imaginário, e não raro, na condição de casa grande, um disfarce para a pobreza sofrida pela família naqueles tempos de decadência do ouro e do fim da mão de obra escrava, quando a república ainda engatinhava.
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A Casa Velha da Ponte abrigou inúmeros figurões ao longo da história, até que, no final do século 19, foi habitada por dona Jacyntha (mãe de Cora) e o desembargador Peixoto, seu segundo esposo. O pai de Ana era idoso e morreu antes que a menina pudesse conhecê-lo. As dificuldades econômicas e sociais da época alcançaram a família, e por isso, Aninha teria estudado por não mais que dois ou três anos. Mais uma vez viúva, sua mãe contraiu terceiras núpcias com o médico Antônio Rolins da Silva.
Por ser meio “avoada” e franzina, Aninha sofria rejeição da família. Assim, usando roupas largas e antigas, herdadas das irmãs mais velhas, recolhia-se em seu quartinho, entregue a leituras e devaneios, fermentando o espírito da futura poeta. Seguindo currículo singular, adquiriu vasta cultura, longe da pedagogia truculenta de então, exercida à base de palmatória e de ajoelhamentos sobre grãos de milho. Os livros eram conseguidos por empréstimo do Gabinete Literário Goiano — fundado em 1864 e existente ainda hoje, exigindo reais cuidados de conservação.
A menina “avoada”, mas de espírito buliçoso, publicou aos 17 anos seu primeiro poema, “A tua volta”, dedicado ao poeta Luiz do Couto, no jornal “Folha do Sul”, editado em Bela Vista de Goiás. No ano seguinte, juntamente com três outras jovens, entre elas a poeta negra Leodegária de Jesus, tornou-se redatora do jornal literário “A Rosa”. Seu primeiro conto, “Tragédia na roça”, foi publicado em 1910, no Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás.
Naquele mesmo ano, o padrasto de Ana morreu de malária. Viúva pela terceira vez, sua mãe caiu em profunda tristeza. Nessa época, Ana adotou o pseudônimo Cora Coralina, talvez pela aliteração colorida, talvez para manter-se no anonimato. As duas irmãs mais velhas, Vicência Peixoto e Helena, casaram-se e foram construir suas vidas. Cora ficou na Casa Grande com a irmã mais nova, Ada, a mãe depressiva e a avó cada vez mais alheada. No ano seguinte, conheceu o chefe de polícia e bacharel em Direito Cantídio Tolentino Bretas, vindo de São Paulo desacompanhado da família. Cantídio tinha o dobro de sua idade: era contemporâneo de Totó Caiado (político então em ascensão) e formado em direito pela mesma faculdade. Cantídio e Cora travaram um relacionamento furtivo, e numa madrugada a moça, tida por alguns como “pouco afeita a namoros”, fugiu com o então Secretário de Segurança Pública rumo a São Paulo, em busca de um destino incerto. A mãe adoentada e a avó idosa ficaram sob os cuidados da irmã mais nova e das irmãs casadas. Cora e Cantídio viveram 15 anos juntos, sem casamento. Só se casaram de papel passado em 1926, quando a esposa do primeiro casamento de Cantídio já havia falecido. Juntos tiveram seis filhos, e Cora ainda criou uma filha de Cantídio, nascida de uma relação do marido com uma serviçal da casa, mestiça guajajara. Cantídio morreu em 1934. A relação entre eles durou 22 anos, mas nesse autoexílio, Cora viveu nada menos que 45 anos. Em sua obra, ela se referiu escassamente a essa fase de sua vida.
Embora a literatura nunca estivesse totalmente fora de seu campo de interesse, nesse período Cora esteve pouco presente na cena literária, com raras publicações de crônicas em jornais. Nessa época ela fez algumas colaborações à revista “A Informação Goiana”, de Henrique Silva, editada no Rio de Janeiro, onde falava das coisas da terra distante. O marido não a apoiava nessa seara, embora a tivesse conhecido e por ela se interessado num sarau literário em Vila Boa, e teria inclusive impedido Cora de participar da Semana de Arte Moderna de 22, como era seu desejo. O casal morou em Jaboticabal, onde o marido advogava, e em São Paulo, capital, onde Cora tocou uma pensão entre 1933 e 34. Quando o marido morreu de pneumonia, Cora vendeu a pensão e começou a vender livros para o famoso editor José Olympio. Mudou-se depois para Andradina, abriu uma loja de retalhos de tecidos, adquiriu um sítio, candidatou-se a vereadora (sem sucesso) e retomou com maior intensidade as atividades literárias. Um episódio dramático e hilário é narrado pela escritora Lena Castello Branco Ferreira de Freitas, em um perfil biográfico de Cora: “Todos acompanham de perto as revoluções de 1930 e de 32, quando o filho Bretinhas alista-se voluntário e é dado como desaparecido. Depois de viver situações improváveis, reaparece e a família comemora festivamente o regresso. Uma promessa feita pela mãe aos santos de sua devoção deverá ser cumprida: pais e filhos irão a pé até a igreja próxima, rezando em voz alta e segurando velas acesas. Debalde os mais jovens protestam, envergonhados; mas têm de participar e ponto final. Cedinho, na manhã cinzenta, forma-se o cortejo que segue, com a luz das velas bruxuleando sob a garoa fria. Passam bondes cheios de trabalhadores que estranham a cena: aquilo parecia um cortejo fúnebre a que falta o caixão. Começam a rir e a provocar: ‘Cadê o defunto? Cadê o defunto?”
Em 1956, 45 anos depois de sua partida e já esquecida na cidade, Cora retornou a Goiás. Proprietária por herança de uma quarta parte da Casa da Ponte, comprou as partes dos demais herdeiros e assumiu o antigo casarão. Escreveu o panfleto “Cântico da Volta”. Continuou escrevendo bastante em seus cadernos escolares, mantendo tudo ou quase tudo inédito, até que em 1965, aos 76 anos, publica seu primeiro livro, pela José Olympio, editora de seu antigo patrão: “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”.
Cora, desde os tempos de viuvez em São Paulo, continuara a fazer doces para complementar o orçamento, valendo-se de receitas ancestrais, adaptadas das antigas portuguesas. Eram doces de frutas regionais cristalizadas, em parte colhidas no próprio quintal. Na década de 1980, criou “O Dia do Vizinho”, que se comemora em 20 de agosto, data do aniversário da poeta.
Nos meados da década de 1980, uma influente universidade do Centro-Oeste atestou que a obra de Cora era inconsistente e imprópria para ser usada como corpus para dissertações ou teses, mesmo depois de Carlos Drummond de Andrade, na crônica “Cora Coralina, de Goiás”, publicada no “Jornal do Brasil”, ter afirmado que “Cora Coralina, para mim, é a pessoa mais importante de Goiás”.
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Passados os primeiros percalços de aceitação, a obra e o nome de Cora continuaram crescendo de maneira firme e permanente. A autora foi premiada com o troféu Jaburu do Conselho Estadual de Cultura, em 1981; o presidente da República lhe outorgou a Comenda do Mérito do Trabalho, em 1984; no mesmo ano, a FAO — organismo da ONU — homenageou-a como símbolo da mulher trabalhadora; foi agraciada com o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal de Goiás; no mesmo ano foi eleita, por aclamação, para ocupar a cadeira 38 da Academia Goiana de Letras, cujo patrono é Bernardo Guimarães. Foi eleita a intelectual do ano e contemplada com o Prêmio Juca Pato da União Brasileira dos Escritores e jornal “Folha de S. Paulo”, concorrendo com dois outros intelectuais de peso: Teotônio Vilela e Gerardo Melo Mourão. Em de janeiro de 1999, sua principal obra, “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”, foi aclamada por meio de um seleto júri organizado pelo jornal “O Popular”, de Goiânia, como uma das 20 obras mais importantes do século 20. Enfim, Cora tornou-se autora canônica. Em 2006 ela recebeu, postumamente, a condecoração de Ordem do Mérito Cultural do Governo de Goiás. O Museu Casa de Cora Coralina foi inaugurado no dia 20 de agosto de 1989, data comemorativa dos 100 anos de nascimento da poeta. O Museu da Língua Portuguesa homenageou-a com a exposição “Cora Coralina — Coração do Brasil”, em comemoração aos 120 anos de seu nascimento (2009). Foi criado recentemente, pela área de Turismo de Goiás, o Caminho de Cora (caminhos dos antigos bandeirantes), um trecho de 300 km que vai de Vila Boa a Corumbá de Goiás
Cora morreu, nonagenária, em 10 de abril de 1985, a tempo de ver seu nome brilhar no panteão dos escritores brasileiros. Está sepultada no cemitério São Miguel, na Cidade de Goiás, e em sua lápide se lê:
“Não morre aquele Que deixou na terra A melodia de seu cântico Na música de seus versos.”
A bibliografia de Cora, que começou com “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”, de 1965, hoje conta com mais de 15 livros publicados e, segundo sua filha Vicência Bretas Tahan, existe material inédito em seus “caderninhos escolares” para pelo menos mais sete livros. Dezenas de obras biográficas, críticas literárias, teses e dissertações já foram produzidas sobre a autora, no Brasil e no exterior.
Sem dúvida, Cora Coralina foi uma mulher à frente de seu tempo, que fazia doces para a alma e poesia como quem cultiva árvores com as raízes entranhadas na terra e os galhos envolvendo o mundo. Não foi por acaso que se tornou o ícone da cultura de Goiás, e é por mérito que, nos 130 anos de seu nascimento, 2019 foi decretado, pelo Governo de Goiás, o “Ano Cora Coralina”.
Dois poemas de Cora Coralina
VOLTEI
Voltei. Ninguém me conhecia. Nem eu reconhecia alguém. Quarenta e cinco anos decorridos. Procurava o passado no presente e lentamente fui identificando a minha gente. Minha escola primária. A sombra da velha Mestra. A casa, tal como antes. Sua pedra escorando a pesada porta. Quanto daria por um daqueles duros bancos onde me sentava, nas mãos a carta de “ABC”, a cartilha de soletrar, separar vogais e consoantes. Repassar folha por folha, gaguejando lições num aprendizado demorado e tardo. Afinal, vencer e mudar de livro. Reconheço a paciência infinita da mestra Silvina, sua memória sagrada e venerada, para ela a oferta deste livro, todas as páginas, todas as ofertas e referências Tão pouco para aquela que me esclareceu a luz da inteligência. A vida foi passando e o melhor livro que me foi dado foi Estórias da Carochinha, edição antiga, capa cinzenta, papel amarelado, barato, desenho pobre, preto e branco, miúdo. O grande livro que sempre me valeu e que aconselho aos jovens, um dicionário. Ele é pai, é tio, é avô, é amigo e é um mestre. Ensina, ajuda, corrige, melhora, protege. Dá origem da gramática e o antigo das palavras. A pronúncia correta, a vulgar e a gíria. Incorporou ao vocabulário todos os galicismos, antes condenados. Absolveu o erro e ressalvou o uso. Assimilou a afirmação de um grande escritor: é o povo que faz a língua. Outro escritor: a língua é viva e móvel. Os gramáticos a querem estática, solene, rígida. Só o povo a faz renovada e corrente sem por isso escrever mal.
CONCLUSÕES DE ANINHA Estavam ali parados. Marido e mulher. Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça tímida, humilde, sofrida. Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho, e tudo que tinha dentro. Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar novo rancho e comprar suas pobrezinhas. O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula, entregou sem palavra. A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou, se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar E não abriu a bolsa. Qual dos dois ajudou mais? Donde se infere que o homem ajuda sem participar e a mulher participa sem ajudar. Da mesma forma aquela sentença: “A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar.” Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada, o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso e ensinar a paciência do pescador. Você faria isso, Leitor? Antes que tudo isso se fizesse o desvalido não morreria de fome? Conclusão: Na prática, a teoria é outra.
Cora Coralina: a história da poeta que publicou seu primeiro livro aos 75 anos Publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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