Tumgik
projetolunares · 3 years
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As fases de Maria Antonella
Crescimento
          Maria Antonella, uma mulher de cabelos volumosos e escuros, com olhos castanhos e brilhantes e um doce sorriso. Quem a nomeou foi ela mesma, aos cinco anos de idade virou para sua mãe e disse que o seu sonho era ser uma mulher e que quando isso acontecesse seu nome seria Antonella, que significa valioso, e é o que representa a alma de uma pessoa que mesmo com tudo que aconteceu em sua vida, continua a levando de forma doce.
           Mas diferente da sua personalidade, sua vida tinha um sabor amargo. Maria, é a mais nova de dois irmãos, o relacionamento entre seus pais não era o ideal, quando a sua mãe descobriu que estava grávida dela tentou de todas as formas não prosseguir com a gravidez, e não por não amar a sua filha e sim pela dificuldade que vivia. Mas, o destino prometia algo a mais para a vida de Antonella
           A vida continuou e Antonella nasceu no dia 12 de setembro de 1998. Virginiana, signo de terra, mulher de opinião forte, firme, convicta do que quer e corajosa. É essa coragem que marca a sua trajetória. A sua infância foi de fato começar aos nove anos de idade, pois com apenas um ano presenciou o seu pai batendo em sua mãe em frente a uma igreja, durante um culto. Sua mãe o deixou, e com três filhos para criar, precisou trabalhar mais do que deveria. A ausência maternal fez com que Antonella frequentasse a casa da sua vizinha, que tinha um filho de quinze anos. O menino a chamava falando que os dois iriam brincar e a partir daí episódios de abuso começaram a ocorrer.
           Até que um dia sua mãe presenciou, ela lembra até hoje de ver a sua mãe abrindo a porta e com os olhos arregalados demonstrando pânico, não conseguindo expressar uma palavra, o silêncio tomou conta, nada aconteceu, não houve diálogo. Até hoje, Antonella tenta achar explicações do porquê sua mãe não conversou com ela e prefere abafar esse assunto.
 Amadurecimento
           A vida continuou, e as questões sobre si começou a surgir, Antonella aos doze anos de idade começou a perceber que não gostava de pessoas do gênero feminino. O fato de ter crescido em uma instituição evangélica a fez entrar em uma depressão profunda, os dogmas pregados dentro da igreja a fizeram oprimir o seu verdadeiro eu. Ela entendia o que acontecia, mas não sabia o que era ser uma pessoa transexual e o que era a homossexualidade.
           A igreja era a parte da vida dela, estava imersa de corpo e alma, e a confusão entre o que acreditava naquela época e entre o que estava sentindo dentro de si se tornou uma luta. Tentou negar diversas vezes, foi uma batalha, leu a bíblia três vezes, passou quarenta dias a base de pão e água, se trancou durante uma semana no seu quarto, passou por sessões de exorcismo onde precisava falar “eu renuncio o homossexualismo”, e nada mudava.
           Mas insistiu, foi para uma igreja evangélica com dogmas mais rigorosos, tudo em busca de uma “cura”. Assumiu cargos de liderança, pregava uma realidade que gostaria de acreditar, um ódio que hoje em dia repugna. E mesmo com todas essas tentativas, a depressão ainda estava ali, o fato de não se sentir dona de si a fazia se cortar, tudo para que aquele vazio fosse embora.
           Não aguentou, e como diz os crentes, caiu em tentação, se envolveu com um moço da igreja, aquilo a fez afastar daquele caminho, mas continuou tentando, pelo fato de acreditar que só Deus poderia tirar aquela angústia que sentia. Mas, após ter se relacionado com homens, percebeu que gostava e que era difícil reprimir o seu verdadeiro sentimento, e decidiu se assumir, mas algo ainda não estava certo, o problema não era com quem ela se relacionava e sim com o seu corpo.
           Cansada de não se sentir bem, pediu durante três dias que Deus a mostrasse o caminho que deveria seguir, no terceiro dia que caiu em um domingo, dia de culto, se arrumou e falou que neste culto, Deus deveria a responder. Aquele dia foi diferente, ela sentiu uma presença diferente, e durante a pregação o pastor falou que Deus dizia que alguém estava indo para outro caminho, mas que não era pra se preocupar porque Deus estava no comando.  
 Florescer
           A mudança na sua vida não foi repentina, após se assumir sua mãe tentou impor regras e convicções para Maria não florescer. Com toda a coragem e força recusou a passar por toda aquela repressão de novo, sabia que Deus a aceitava e não era regras impostas por uma religião que a fariam mudar de ideia. Começou a namorar homens abertamente, mas algo ainda não estava certo dentro dela.
           E foi onde começou a tentar se expressar da forma em que se sentia, para sair utilizava saia, colocava batom, se montava como drag queen, fora do seu lar tentava de todas as formas se libertar das amarras que foram criadas, já que dentro do lugar que era pra se sentir acolhida não era aceita. Não foi fácil, alguns parentes a questionavam, outros pararam de lhe dirigir a palavra, um turbilhão se passava, mas independente disso, Maria seguiu de cabeça erguida e convicta do que queria.
           A negação por parte da sua família e amigos fez com que encontrasse no Candomblé o amor e a liberdade pregada nos púlpitos da igreja, não exclui as suas experiências com Deus, pois dentro de si sabe que tudo que passou na época em que seguia a religião evangélica foi verdadeiro, mas sabe que não conseguiria conviver em um local que não se sentiria aceita.
           Decidiu mudar, surgiu a oportunidade de cursar pedagogia em Uberlândia, e mesmo com os questionamentos presentes pensou que nesta nova fase encontraria as respostas necessárias. Com medo do julgamento dos colegas de curso, Maria decidiu se identificar como uma pessoa não-binária, em que ela transita por dois gêneros, isso era uma zona de conforto, pois para ela era complicado viver em uma sociedade e cursar um curso em que maioria das pessoas não a identificam como uma mulher
           O fato de se identificar como não-binário a incomodava porque sabia que não queria mais ser tratada no masculino e sim como a mulher que sempre foi. Decidiu procurar mais sobre, e através de uma rede de pessoas transexuais descobriu que o processo de transição, em que ela se encontrava no momento, era idêntico das pessoas que conheceu nessa nova jornada.
Ainda tinha medo, pois sabia das dificuldades que passaria após se assumir, decidiu ficar no conforto, até porque quando se sentia mal consigo mesma poderia se fantasiar como um homem e ser tratada normalmente. Mas não era confortável, estava cansada.
 Raízes
O desconforto tomou conta, aquele sentimento de não pertencimento no corpo em que habitava a incomodava, se esconder em um gênero que não se identificava a fazia se sentir no meio de espinhos. Decidiu então mudar essa situação, descobriu que na Universidade Federal de Uberlândia havia um ambulatório para pessoas transexuais, e que de forma gratuita ofereciam o apoio que Maria necessitava no momento. O primeiro passo que tomou a fez perceber exatamente e de forma clara o que queria, o entendimento a ajudou a ser ela mesma.
E a partir do autoconhecimento começou a transição, um novo mundo se abriu diante dos seus olhos, desejos e medos que nunca havia sentido antes tomava conta do seu corpo e mente, era algo novo, algo que em seus momentos de questionamento nunca imaginaria passar.
Percebeu durante o processo que sempre foi Maria Antonella, e que seu antigo eu e tudo que passou durante sua vida era apenas um processo para se tornar quem realmente é hoje, entendeu que sempre foi Maria, mas que estava presa em uma realidade que não condizia com o que transparecia dentro da alma.
Mesmo se libertando e sendo quem finalmente é, as dificuldades aumentaram, agora os julgamentos e as críticas partiam de todas as direções, é como se a vida estivesse exposta em meio a uma guerra, onde o alvo principal é você. Não há respeito, não há igualdade, não há fôlego para aguentar tudo. É complicado viver em uma sociedade que a todo custo quer comparar a sua luta com as dificuldades que passam. Silenciada, e sem ninguém ouvindo.
Para Maria, a transição mostrou de fato o que é ser uma mulher, e o impacto que cinco letras podem fazer em sua vida. Sentiu na pele o que é ser sexualizada e ao mesmo tempo não ser assumida por homens, entendeu o verdadeiro significado de força, e com a mulher que se construiu percebeu que é necessário muita garra para se levantar todas as manhãs e continuar vivendo.
 Expansão
           Atualmente, Maria identifica o que vê no espelho e sabe o seu papel dentro da sociedade. Através da graduação em pedagogia, pretende desenvolver um dicionário para pessoas cis gênero sobre transexualidade, quer mudar o mundo através da educação, pois sabe que o conhecimento é libertador, e porque entende que através dele poderá quebrar barreiras, abrindo então o caminho para outras pessoas que virão depois dela.
Maria Antonella é apenas uma, de muitas pessoas que se identificam como transexuais, a luta de Maria se espelha em diversas histórias existentes, e Maria é curva da estatística, pois quantas pessoas trans que conhecemos que não tem a oportunidade de estar em uma instituição de ensino? E quantas Marias que conhecemos que infelizmente foram mortas por conta do preconceito?
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projetolunares · 3 years
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Transição capilar: Uma busca identitária
A transição capilar é um processo muito importante para muitas mulheres e pessoas com cabelo ondulado ou cacheado, que desejam parar com a química e vislumbrar seu cabelo de uma forma natural. Não é apenas a química, porém também é um processo de reconhecimento  próprio.
Beatriz Evaristo é estudante de jornalismo na Universidade Federal de Uberlândia e conta que alisava seu cabelo desde os 10 anos de idade “Sempre via meu cabelo como algo feio e ruim e minhas amigas sempre tinham cabelo liso e eu tinha o meu armado, cacheado.” 
A estudante também conta que não via referências de cabelo cacheado e não havia ninguém para se inspirar “E eu vi que pra eu ser feliz eu precisava ter o cabelo liso, como também para me sentir bonita e aceita na sociedade.”
Durante a pandemia, muitas pessoas tiveram que ficar em casa e trabalhar e estudar home office, e com isso muitas questões foram surgindo. Para Beatriz assuntos como racismo, feminismo negro e a pauta racial em si, a fizeram questionar e se aprofundar nesses estudos “Eu comecei a pesquisar mais, querendo me aprofundar no assunto. Comecei a ler muitos livros sobre negritude, racismo, feminismo negro e foi a primeira vez que eu me questionei sobre alisar o meu cabelo.” A estudante conta que depois de se inteirar e se aprofundar no assunto ela começou sua transição capilar. 
O processo de transição não é fácil, o questionamento se é a decisão certa, misturado com a falta de auto estima podem se tornar momentos difíceis para quem quer começar a transição. Beatriz conta que houveram muitos momentos difíceis, quando ela começou a trabalhar presencialmente e precisava sair de casa “Meu cabelo estava numa fase que ele não ficava nem cacheado nem liso. Eu precisava prender o cabelo ou fazer chapinha. Foi nesse momento que eu vi que a minha autoestima estava muito baixa e eu estava muito mal pelo meu cabelo.”
Um fato que ajudou e motivou muito Beatriz e também muitas pessoas que querem passar ou já passaram pela transição capilar foi o apoio “Sem dúvida nenhuma foi o apoio. Foi apoio da família, da minha mãe, do meu namorado, das minhas amigas e que me incentivou muito e que me incentiva até hoje.” 
A estudante também conta sobre  o que o processo de transição capilar significou para ela: "Foi um processo de libertação, de autoconhecimento, tudo isso tem me ajudado com outras questões, de auto imagem, tem me feito repensar coisas que faço a muito tempo. É um processo de me conhecer mesmo e entender quem é Beatriz Evaristo. Foi uma busca identitária pra mim a transição capilar.”
Como a Beatriz, muitas famosas aderiram ao seu cabelo natural, temos como exemplo disso a funkeira, Ludmilla, que veio a público em 2020 com o seu cabelo natural ao vivo no programa Altas Horas. E isso não fica apenas no âmbito nacional, como também, a cantora Beyoncé, conhecida por suas laces e perucas, mostrou o seu cabelo natural durante o produto audiovisual Lemonade. 
E através da sua música vem empoderando mulheres negras, a que ganhou mais visibilidade foi a música Brown Skin Girl, onde a mesma canta com a sua filha mais velha, Blue Ivy, e diz que a pele negra brilha igual pérola. 
É lindo ver que a cada dia mais mulheres pretas estão se amando e aceitando suas madeixas. 
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projetolunares · 3 years
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Mulheres na Ciência
Bruna Lara de Andrade tem 22 anos e é estudante de Licenciatura de Ciências Naturais da Universidade de Brasília e está no sétimo período do curso. A estudante conta que seu curso abrange 5 áreas das ciências, são elas: Biologia, Química, Física, Astronomia e Geologia. 
Bruna faz parte de um projeto na universidade chamado Pet Ciências “É um projeto que é focado em fazer a divulgação científica que é feita na UNB, e divulgar de uma forma que todos consigam compreender. A gente tenta trazer as ciências para os locais onde ela geralmente não chega.” A estudante fala um pouco também sobre como acontece essa divulgação, através de podcasts e grupos em aplicativos, onde o projeto consegue promover a ciência “Fazemos um podcast de divulgação científica, parado agora por causa da pandemia, e nele convidamos alguém da UNB que publicou um artigo recentemente, para ele ou ela falar sobre o artigo com uma linguagem fácil, para que todos possam entender. 
Outra  atividade que temos mais ação, é o grupo de dúvidas sobre o Covid. Temos um grupo chamado Pet COVID 19, que é aberto para toda a comunidade, com foco para a comunidade periférica.”
Além do projeto de PET, Bruna também está escrevendo seu trabalho de conclusão do curso, o TCC, e diz que é apaixonada pela pesquisa. Com um olhar brilhante e um futuro promissor a estudante conta que, “pretendo analisar os currículos de educação básica do DF e a BNCC(Base Nacional Curricular Comum) com uma visão da CTS(Ciência, Tecnologia e Sociedade). Eu quero analisar onde a CTS se insere nesses currículos e depois comprar aonde essa CTS tem espaço para se inserir no plano político pedagógico no meu curso para ver se a gente tá aprendendo CTS para poder ensinar nas escolas.” 
Bruna também afirma sobre a importância dessa abordagem e da sua pesquisa “A abordagem CTS é uma abordagem que eu acredito que garante que o estudante seja um cidadão crítico, e tenha uma educação autônoma, com o estudante sendo o principal personagem do processo de ensino aprendizagem, além de garantir também o letramento científico do estudante.”
           Apaixonada por Física e pelas ciências exatas, a pesquisadora comenta sobre situações que já passou pela universidade sendo uma mulher pesquisadora na academia "Já passei por umas situações sim, que eu não achei que iria passar, porque a gente vive em uma bolha que a gente acha que nunca vai acontecer nada conosco.” 
Bruna relata de situações que vivenciou em aulas e com professores, que tornaram difícil e complicada sua caminhada pela academia como mulher “Eu sempre fui apaixonada em Física, sempre amei e fui muito boa, eu estava fazendo uma disciplina de Mecânica e eu estava tendo uma dificuldade em certo assunto e eu ficava no pé desse professor para ele me ajudar, e o professor via que eu tinha conhecimento e domínio da área da física, mas mesmo assim ele ficava tratando a minha pergunta como se não fosse algo importante e ele não fazia isso com outras pessoas da turma, que geralmente eram homens.
Acabou a aula e eu fui conversar com ele sobre o assunto, ele disse que eu era muito inteligente, mas que não tinha futuro na física. Na hora eu não consegui reagir, eu não entendia se era uma brincadeira, e isso foi muito forte, porque eu tenho futuro sim, eu amo a física e quero ser professora de física."
Dentre outros relatos que Bruna conta enquanto refletia sobre sua caminhada na academia, há um caso específico onde a estudante conta que “Chegou a um ponto, onde eu estava fazendo uma matéria com um professor extremamente machista que não respondia minhas dúvidas, e como a aula era em dupla e meu colega era homem eu tive que pedir para ele perguntar porque eu sabia que o professor iria responder, porque era um homem perguntando.”
Quando indagada sobre a relação da mulher com a universidade e sobre os paradigmas e barreiras enfrentadas pelas mesmas, a estudante afirma que “Eu percebo essas barreiras ainda de relações interpessoais. Muitos professores homens não entendem que a gente precisa estar pesquisando, precisamos estar ocupando esses espaços, a gente precisa estar  fazendo ciência. Eles não entendem a importância disso e acabam deixando passar isso de uma forma que não é legal o avanço das mulheres na academia.” 
Bruna também fala sobre a rede de apoio que existe na universidade entre mulheres “Na faculdade a gente tem um grupo de mulheres, onde promovemos palestras e oficinas, para as pessoas entenderem a importância da mulher na ciência.”
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projetolunares · 3 years
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O tão sonhado momento do vestido branco… será?
Carol:
Só de pensar na palavra casamento sinto arrepios, calafrios, até dor de cabeça. O conceito desta palavra me assusta, estar com alguém para sempre, na saúde, na doença, na alegria e na tristeza, até que a morte nos separe? Como posso prometer isso a alguém se mal cuido da minha planta, imagina desta imensa responsabilidade. Esta palavra não é o mais assustador, mas sim o fato de que passarei muitos dias da minha vida ao lado de alguém. O que garante que essa pessoa de fato me ama? E por que tão louca de aceitar passar os restos dos seus dias ao meu lado?
Depois que fui diagnosticada com bipolaridade, fui pesquisar relatos de pessoas que tinham a mesma doença que a minha, e a maioria deles eram escritos pelos companheiros dessas pessoas. Em todos os relatos que vi, muitos diziam que era impossível aguentar conviver com um bipolar. Com isso meu chão caiu, abriu uma cratera embaixo dos meus pés, e todo plano de me casar foi por água abaixo.
Hoje penso, por que vou casar com alguém que não irá me suportar? Que nas minhas crises tem altas chances de me trancar em um quarto e me deixar lá? Que do dia para a noite pode pegar as coisas ir embora? Isso não é para mim. 
Além de que olho muitos relacionamentos que parecem perfeitos, mas estão se acabando por coisas mínimas. Penso que no final realmente não vale a pena. Além do eu, existe outro e tem um passo que ninguém comenta: como é difícil achar o outro. Eu utilizei muito as redes sociais de relacionamento, utilizei Tinder, Badoo, até um que te leva a conhecer pessoas de outros países, porém o que me deparei é com o mesmo, sempre cai no mesmo, uma conversa básica, onde em minutos a pessoa acha que tem direito e posse sobre seu corpo, onde você se torna um pedaço de carne em uma vitrine virtual. 
Claro que ainda acredito no amor, mas tenho certeza de que ele não é para mim, a cada passo que dou na direção desta aventura louca e sem confirmações concretas sinto que não levaria jeito para coisa. Porque claro que não me sinto metade, sou completa com minhas realizações e vitórias, que conquistei sozinha e com muito suor e lágrimas. 
Penso que a cada batalha diária vencida poderia estar dividindo aquela dor e conquista com alguém, mas, ao mesmo tempo, penso que é impossível por cada um ter a sua complexidade. Me falta até palavras, se pudesse ficaria dias explicando o porquê me tranquei para o amor e prefiro ser sozinha. 
A solidão é assustadora, porém ao conviver e me relacionar com algumas pessoas, percebo todos os dias, como diria Kali Uchis, que dançar sozinha é bem melhor do que dançar com o diabo. Se sei que futuramente não conseguirei viver com o peso de que posso estar incomodando meu parceiro ou de que este amor que me entreguei pode ser só passageiro, prefiro colar os meus cacos com um band-aid e seguir em frente sem tropeços.
Gabi:
Me recordo que meu fascínio por casamentos começou desde muito nova. Para ser mais exata, quando criança tinha todo um roteiro pronto em minha cabeça, de subir no altar vestida de branco, com véu e grinalda para selar minha união com o grande amor da minha vida. Como nas comédias românticas da sessão da tarde. Aos 15, já sabia até qual seria a trilha sonora que embalaria minha caminhada ao altar de mãos dadas com meu pai, até meu futuro marido, A Thousand Years - Christina Perri. Sim, meus caros, uma pegada Bella Swan em Amanhecer Parte 1. Mas que deixemos claro, que essa era a visão da Gabriela de 15 anos, que não condiz mais com esta versão que vos escreve. 
      Acredito que toda essa visão positivista e apaixonante sobre casamentos e como isso se torna realmente uma meta de vida para algumas mulheres esteve inserida em mim por muito tempo. Meus pais não eram casados quando eu era criança, eram “amaziados”. Um termo que sempre me gerou desconforto quando me perguntavam o estado civil deles. Mas certo dia, veio a grande surpresa que eu tanto aguardava. Papai e mamãe estavam noivos, com anel e tudo. Iam casar. 
Na época eu deveria ter uns 7 anos, por aí. Já me imaginava como daminha de honra, em um vestido deslumbrante, levando as alianças até o altar. A igreja toda de pé para me ver passar, minhas tias tirando inúmeras fotos e papai e mamãe me olhando orgulhosos enquanto eu levava os anéis até eles. Fanfiqueira e leonina nata, não é mesmo? Até no casamento alheio eu queria meus 5 minutos de atenção. Mas foi só uma fanfic mesmo. Nunca cheguei a ter meus flashs pois meus pais não chegaram a se casar. 
        A partir daí, eu coloquei em minha cabeça que teria meu casamento dos sonhos, já que meus pais não tiveram. E foi assim por muito tempo, em todos os meus planejamentos e metas estava lá, “casar até os 30”. Conhecer aquela pessoa que me faria perder o ar e eu saberia na hora que ela seria meu futuro marido. Mas o tempo foi passando e outras prioridades e sonhos foram surgindo e graças as deusas, o amadurecimento também foi dando as caras. A idealização que eu tinha de casamentos e do amor pra vida inteira foi se desfazendo com as decepções amorosas que tive ao longo do caminho. 
     Também fui entendendo, vendo o relacionamento de meus pais, que quando se tem amor, companheirismo e compreensão dos dois lados, casar se torna algo pequeno e simbólico. Casamento é só um compromisso formal que duas pessoas que se amam, na maioria das vezes, assinam perante a sociedade. Amor é um compromisso que é construído diariamente. Como se fosse uma planta que tem que ser regada todos os dias pela manhã, se não morre. Que precisa de atenção, cuidado e muita dedicação.
       Hoje em dia meus pais têm uma união estável, no papel e tudo. O que pra mim e pra toda nossa família não mudou em nada. Foi literalmente só a assinatura de um papel. Com a relação deles, percebi que eu colocava muita expectativa em casamentos à toa. Atualmente, isso não é mais uma meta para mim, nem um sonho. Isso não quer dizer que eu não tenha vontade de me casar um dia. Mas não é algo que eu espere ansiosamente e planeje até os tons do vestido das madrinhas. 
Por um tempo, romantizei o casamento, achando que aquilo era o contrato da felicidade duradoura. Tinha pavor de ser a tia dos gatos, a solteirona das irmãs. Agora, a meta é ser a tia dos cachorros mesmo. A tia rica e a favorita dos sobrinhos. Continuo amando assistir a casamentos no youtube e a chorar litros tanto quando assisto online, quanto quando vou presencialmente. Acho lindo e emocionante. De certa forma, aquela cerimônia é a celebração do amor dos noivos naquele momento, não é mesmo?  Enfim, a vida é uma estrada com diversas curvas e eu deixo que ela me leve. Se um dia eu irei me casar? Essa resposta eu deixo pra Gabi do futuro.
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projetolunares · 3 years
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Ser mãe na pandemia
Nicoli Tassis
Acordo como se fosse responsável por despertar o sol. Segunda ou domingo. Dia útil ou feriado. O despertador ficou obsoleto. A pandemia parece ter esculpido o “cronos” no meu corpo, como se fosse um membro, um órgão ou um sentido a mais. Há quem diga que é um super poder que tem-se manifestado, de modo geral, em um grupo bem particular: as mães. Eu não tenho uma opinião formada, nem dados que comprovem essa afirmação. Só sei que mesmo quando as crianças ainda dormem, eu juro que posso ouvi-las. Em todo lugar. O tempo todo. No trabalho ou no descanso. Sem descanso.
Durante a pandemia, tenho sonhado com outros tempos e lugares. Períodos em que ter as crianças ao meu lado 24 hrs parecia ser o meu mundo ideal. Sou transportada para as últimas semanas de gestação do meu filho mais velho. De súbito, sou arrebatada por aquela sensação ambígua de querer tê-lo logo em meus braços e, ao mesmo tempo, não querer deixá-lo nascer. Porque, até então, éramos um. Juntos, concluímos o primeiro ano de Doutorado, terminamos o MBA, orientamos 17 monografias, coordenamos dois cursos e ministramos mais de uma centena de aulas.
De repente, se aproximava a tão sonhada hora de ver o seu rostinho pela primeira vez. Mas, eu vivia assombrada e não era pelas dores do parto. Era a ideia de que tudo iria mudar com a chegada do bebê. Então, teríamos que encontrar um jeito de construir um mundo em que alguém pode ser mãe e profissional, sem culpa.
Ser profissional e mãe, sem limitações. Apenas ser. Uma questão que sequer passava pela cabeça do meu esposo porque os homens não precisam lidar com o ser. Eles, simplesmente, são. Acordo ciente de que essa é uma questão coletiva, repleta de disputas e sem data para se resolver. Assim como também é, sabemos bem, a pandemia.
Um dia desses, ouvi na fila do supermercado uma mulher dizer que passava pelo menos meia hora na garagem do prédio, dentro do carro, antes de subir com as compras, simplesmente para ter um tempo sem os filhos. “Nem o banheiro é lugar de privacidade depois que a gente se torna mãe”, afirmou. Eu olhei aquela estranha através da máscara e sorri com os olhos. Ela me retribuiu o olhar, como se eu fosse uma velha conhecida. Saí dali decidida a fazer o mesmo. Mas, logo me lembrei que não podia porque moro em casa e a garagem dá de cara com a janela da sala de TV. Que lástima!
Enquanto lavava as compras, a mais odiada tarefa doméstica dos últimos tempos, as crianças correram ao meu encontro. “Preciso de ajuda com o dever de casa”. “Tem que buscar minhas apostilas novas na escola”. “Passei de fase do videogame, vem ver”. “Hoje, tem prova”. “Tô com fome”. “Não quero mais estudar“. “Mamãe, você brinca comigo?” “Mamãe?”…. “Tá, de brincadeira?! Silêncio, por favor!” — penso, mas não digo.
Uso o vírus como desculpa para ter um momento de paz. “Gente, a mamãe está lavando as compras, não encostem nas coisas. Vão brincar. Olha o Corona!”. E antes que você me pergunte, são (só?) dois, mas nesses tempos pandêmicos pareço ter gerado um time de futebol inteiro, com reservas, técnico, juiz, bandeirinhas e tudo mais que tiver direito. Acredite, não sou louca. Ou talvez seja! Afinal, está na moda o tal “novo normal”…
Enquanto eles se afastam e continuam falando comigo (agora, ainda mais alto, é claro!), eu penso o quanto o meu desejo por silêncio é contraditório e até, certo ponto, egoísta. São apenas duas crianças, as mais importantes e intensamente desejadas da minha vida, querendo um pouco de atenção e afeto. Afinal, estamos há mais de um ano em distanciamento social. Quantas mulheres têm o sonho de ser mãe e não podem? Quantas gostariam de ter os filhos consigo, em segurança, e não conseguem? Quantas choram uma despedida cruel e precoce? Nenhuma mãe deveria viver para ver seus filhos partirem…
A esse ponto, já estou quase em lágrimas. Maior do que o cansaço é a culpa que me consome. Aliás, tem horas que os termos “mãe” e “culpa” parecem até serem sinônimos. Reconheço que somos abençoados por seguirmos juntos, com saúde, um teto confortável e comida farta na mesa. Preciso ser (e sou) grata. O que mais alguém em sã consciência poderia desejar em meio a uma pandemia?
Silêncio. O mesmo que, paradoxalmente, tanto me fez sofrer em outros tempos e lugares. Lembro-me de quando meu filho caçula nasceu quatro semanas antes da hora prevista e foi direto para a UTI Neonatal. O eco do vazio me fez chorar silenciosamente nas madrugadas insones, enquanto ouvia os choros de bebês vindos dos outros quartos da maternidade. Mais uma vez, sou invadida pela solidão que me torturou durante as primeiras noites em casa, encolhida na cama-babá, em posição fetal, ao lado do berço vazio. Naquela época, tudo o que eu queria era preencher a falta que o silêncio alardeava na minha alma. Hoje, que falta ele me faz!
Mais (ou menos) um dia, nomeie como quiser, eu finalmente me preparo para dormir. Mas, o silêncio acorda tantas vozes, tempos e lugares dentro de mim que as noites parecem ser ainda mais barulhentas que os meus dias. Chego à curiosa conclusão de que ser mãe na pandemia é aprender a conviver com a ausência do silêncio, mesmo diante dele. É se pegar, aos gritos, pedindo pela milésima vez para não gritarem mais. É planejar uma rota de fuga e, inexplicavelmente, incluir as crianças que, a princípio, eram o seu motivo principal. Pego-me rindo sozinha, pensando que enquanto há barulho, há vida.
Cada parte do corpo e da mente exaustos pulsam: estamos vivos! Faço uma última ronda pelos quartos, para contemplar o som calmo e compassado das respirações dos meus filhos. Essa é a canção de ninar mais poderosa do universo. Se você é mãe, sabe exatamente o que eu digo. Desconfio que essa seja uma das estratégias que o Eterno criou para sussurrar aos nossos ouvidos que vai ficar tudo bem, mesmo durante os tempos pandêmicos.
Vai dormir, mãe, durma… Afinal, amanhã alguém precisa acordar para despertar o sol.
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projetolunares · 3 years
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Maternidade e o mercado de trabalho: por que tantas mães optam por  empreender?
Uma pesquisa feita pela Rede Mulher Empreendedora (RME), revelou que 75% das empreendedoras começaram um negócio depois da maternidade. O estudo foi realizado em 2016 e contou com a participação de 1376 mulheres. Essa proporção de mães que decidem empreender aumenta na classe econômica C, indo para 83%.
Cristina Santos é uma mãe empreendedora que coordena uma empresa de marketing digital. Ela conta que sempre teve o desejo de criar um negócio próprio, em que pudesse dar sua cara e suas cores para a marca, mas tinha insegurança de sair do emprego formal CLT.
“Eu realmente me tornei empreendedora por ser mãe. Houve uma tentativa de me imputar goela abaixo que carreira e maternidade não combinam, que para ser profissional de verdade, a mãe teria que optar por dedicação total a uma empresa e deixar seus filhos pequenos integralmente em escolas especiais. Sinceramente, regras de vida e imposição nunca tiveram lugar na minha vida”, conta a social media.
A empreendedora relata que decidiu acreditar em si mesma e montar seu próprio negócio durante a pandemia, que consequentemente trouxe algumas mudanças na rotina, mas permitiu que ela ficasse mais perto dos filhos, uma menina e um menino de 6 e 5 anos. “A rotina é agitada, power, punk, nível hard (risos). É menino debaixo de mesa ou usando computador da secretária, escrevendo no meu flip chart, desenhando nos briefings, fazendo aula online do lado, mas vamos tirando de letra, sofro mas amo muito essa loucura”, revela.
Cristina vê no empreendedorismo uma forma de crescimento pessoal e profissional, que já não enxergava mais no trabalho formal. Ela explica que no mercado tradicional há uma falta de empatia com as mães trabalhadoras e uma necessidade de se encaixar em padrões prontos. 
Essa falta de preparo do mercado tradicional de receber mães trabalhadoras é notada pelo número de mulheres que saem do mercado após a maternidade. 50% das mulheres perdem o emprego em até dois anos depois da licença maternidade, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), sendo que a possibilidade de ser demitida seis meses depois de  se tornar mãe é de 10%.
A advogada Roberta Bazon explica que a lei garante proteção a mulher que teve filhos apenas durante os primeiros 5 meses de vida do bebê. Após esse período, ela pode ser demitida sem indenização, e muitas empresas esperam esse tempo para poder demitir sem custos tais mulheres.
Além disso, de acordo com a pesquisadora Aline Schuch, em entrevista para o Correio Braziliense publicada em 2018, a ausência de creches públicas para crianças de até 03 anos em diversas partes do país, agrava bastante a situação das mulheres no mercado de trabalho. De acordo com a reportagem, sem acesso à rede pública universalizada de cuidados para seus filhos, essas mães sofrem uma série de exclusões no mercado corporativo, o que prejudica a inserção e o desenvolvimento profissional  feminino. 
Mães que possuem bebês que ainda amamentam no peito, também sofrem com a falta de um local adequado para amamentar  em um horário de intervalo ou almoço no local de trabalho, ou até de poderem ordenhar os seios, retirando o excesso de leite, sem contar com o assédio e a discriminação que algumas pessoas possuem ao ver mulheres amamentando em público. 
A advogada Roberta Bazon afirma que é obrigatório que a empresa ou local empregatício que esta mãe esteja trabalhando tenha um espaço adequado para que ela amamente seu filho durante a jornada de trabalho, desde que a empresa conte com mais de 30 mulheres contratadas. Tal obrigação é assegurada na Consolidação das Leis Trabalhistas, CLT, assim, não atendendo a obrigação legal nos ditames estabelecidos, pode haver parâmetros para a indenização trabalhista desta mulher.
Roberta também relata que a discriminação da mãe empregada é punível por lei e podem trazer severas sanções ao empregador, “Casos em que haja discriminação no âmbito do trabalho, a empregada tem as opções de denunciar para a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho ou para a ouvidoria do Ministério Público do Trabalho (MPT) ou ainda, através de reclamação trabalhista perante a Justiça do Trabalho”, afirma a advogada. 
Além do mais, uma pesquisa realizada pela estudante Lisandra Reis mostra que muitas das mães se tornam empreendedoras pela necessidade. Elas buscam uma renda maior ou horários mais flexíveis para poderem cuidar dos filhos. O estudo também constatou que a maioria dessas mulheres atua nas áreas de artesanato e decoração e seus negócios surgem com pouco estudo e planejamento e em sua maioria  não possuem registro de legalização. 
A pesquisa de Reis também ressalta a necessidade de melhorias trabalhistas para as mães, “para que elas não se sintam obrigadas a escolher entre a carreira e a criação dos filhos”, ressalta. Nesse sentido, o início da maternidade é, sem dúvida, um momento único na vida de uma mulher, mas junto a ele podem vir angústias e inseguranças que são pouco faladas. Segundo uma pesquisa realizada pelo CineMaterna e pela NOZ Pesquisa e Inteligência em 2019,  quando o assunto é julgamentos e cobranças, 45% das mães se sentem julgadas  ou cobradas, sendo a vida profissional e pessoal um dos principais fatores. A pesquisa também mostrou que 44% das mães entrevistadas consideravam muito difícil conciliar maternidade e trabalho, enquanto 25% consideravam apenas difícil. 
A advogada Roberta Bazon explica que “A evolução das mulheres, em geral, no mercado de trabalho se mostra estagnada, principalmente ao alcance dos cargos de gestão. Sendo assim, é imprescindível que haja a inserção de políticas públicas a fim de prover e aplicar pautas/ações que possibilitem maior visibilidade e acessibilidade da mulher/mãe no mercado de trabalho. Ações que ressaltem a competência, o desenvolvimento, o modo de trabalho e o resultado que elas geram a sociedade”.
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projetolunares · 3 years
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Maternidade compulsória: reflexões em pleno século XXI
Os direitos feministas conquistam mais espaço a cada dia, porém ainda há um julgamento que persiste sob mulheres que escolhem seu caminho. Basta fazer o teste: se você é mulher, experimente dizer “Eu não quero ser mãe”. Repare nos olhares e observe as perguntas que virão logo em seguida. No mínimo, irão prontamente questionar o porquê desta escolha, com espanto.
É preciso refletir por que a mulher que escolhe ser mãe e afirma seu desejo sobre a maternidade, não é repreendida ou, no mínimo, questionada por sua escolha, como acontece na situação contrária.
A maternidade compulsória é uma realidade que pode e precisa ser discutida, em diferentes aspectos sociais. Patrícia Librenz promove este debate em suas redes sociais, a idealizadora do canal e blog “Sem filhos” afirma que essa doutrinação faz com que algumas mulheres passem a acreditar que a maternidade é o seu maior sonho, sem ao menos questionarem ou perceberem como esta ordem social, instituída pelo patriarcado, as mantêm restritas ao ambiente doméstico.
“A maior dificuldade ao debater este assunto, é acertar o tom da crítica. A minha intenção não é ofender ninguém. Sempre tento deixar claro que minhas críticas não são para as mães e sim para a ‘instituição maternidade’, cujo modelo atual foi criado pelo sistema patriarcal para aprisionar e oprimir as mulheres” conta Patrícia.
Segundo a psicóloga Nilce Leide, o mito da maternidade reforça a ideia da reprodução humana como manutenção da espécie e coloca a mulher como a maior responsável desse processo. Porém essa narrativa não considera a nova formatação de exercício da sexualidade, nem leva em consideração que a maternidade não é uma característica obrigatória, já que algumas mulheres realmente vão desejar ser mães, outras não.
“Todos os mitos têm a função de reforçar uma ideia. Eles são culturalmente construídos, principalmente, pelo contexto religioso, como por exemplo pelas Igrejas, que afirmam o papel da família e da maternidade”, comenta a psicóloga.
Maternidade real
O termo “compulsório” é etimologicamente relacionado à compulsão, algo que nos priva da autonomia na decisão. A expressão maternidade compulsória surge da ideia de que, socialmente, o ato de ser mãe é visto como algo sagrado, ou ainda como o destino para a felicidade plena. Há ainda a noção idealizada de que a mulher nasce para ser mãe e que é detentora de um “instinto materno”, por isso, desde pequena, é incentivada a participar de brincadeiras que lembram situações domésticas.
A psicóloga Nilce alerta que “este estereótipo criado de que menina deve brincar de casinha e vai cuidar da bonequinha e fazer a comidinha, é uma forma de manter o mito da maternidade”.
A especialista reitera que a responsabilidade na decisão de ser mãe é muito maior do que a de não ser. Ser mãe “é realmente abrir mão de um determinado caminho, por um tempo você vai ficar ali realmente amarrada ao cuidado, ao zelo e ao direcionamento de outra vida. Algo que vai muito além de colocar no mundo, dar comida e roupas”, afirma Nilce.
Direitos Femininos
Ao escolher não ser mãe, muitas mulheres ainda não sabem, mas é possível realizar o procedimento de esterilização feminina pelo SUS, a partir de 25 anos, mesmo sem ter filhos. No entanto, este direito ainda é negado em diversas ocasiões. “Esse é um assunto muito importante. Não é apenas no SUS que há negação, eu mesma já tive esse direito negado por uma médica que atendia em plano de saúde. Por mais incrível que pareça, eu escuto menos casos de negação pelo SUS do que pelo plano” relata a advogada Evelyn Lima.
A especialista indica que, neste caso, a mulher deve pedir ao médico que negou o procedimento, um documento formalizando o motivo por escrito e encaminhar esse documento para a Secretaria de Saúde da região em que mora, contando que solicitou a laqueadura, mas ela foi negada. Se em 15 dias não houver resposta, a mulher pode buscar judicialmente por seu direito.
Caso o processo seja aceito, a mulher tem o prazo de 60 dias para realizar a cirurgia, período em que irá se consultar com assistente social para informar o porquê desta decisão. Entretanto, neste momento, alguns profissionais desencorajam as mulheres sobre sua escolha, ao contestá-las como forma de desestimular a realização do procedimento.
“No Brasil, não vejo razão de desencorajar uma esterilização que não para manter a mulher em local submisso. Mulheres são a população mais pobre no mundo inteiro, são as que cuidam e criam os filhos sem ajuda de homens e governos. É interessantíssimo para o patriarcado e para o capitalismo manter as mulheres em situação de pobreza, para que assim continuem dependendo dos dois sistemas. Uma mulher que faz laqueadura é uma mulher mais livre para exercer sua sexualidade e dona de seu próprio corpo, o que enfurece o capitalismo” reforça a advogada. A especialista comenta que o prazo é uma ideia razoável, mas 60 dias é um período longo e pouco prático e as mulheres podem engravidar nesse período.
No caso de mulheres, sem filhos e acima de 25 anos, que possuem o desejo de realizar a cirurgia, o procedimento é o mesmo. No entanto, a advogada Evelyn Lima conta que esta imposição sobre a idade pode gerar uma gravidez acidental, considerando que gravidezes acidentais ocorrem muito mais em mulheres jovens até 25 anos.
“As justificativas ditas jurídicas são sempre pautadas em costumes, princípios, comportamentos sociais. Nada do direito é baseado apenas em lei. Infelizmente não são raros os casos em que mulheres se arrependem da laqueadura, mas não são tantos quanto imaginamos. Cerca de apenas 10% das mulheres laqueadas se arrependem. É muito pouco. Não acho que valha a pena impor um limite de idade e tantas dificuldades práticas e ilegais para uma margem tão pequena de arrependimento. Mesmo assim, convencionou-se legalmente impor a idade para que não haja arrependimento futuro, a partir de uma ideia de que mulheres mais velhas têm mais maturidade para decidir” finaliza a advogada.
Liberdade Feminina
Este reflexo patriarcal da sociedade ainda afeta grande parte das mulheres, principalmente quando o assunto em pauta é a maternidade. Patrícia, idealizadora do canal “Sem filhos”, afirma que teve contato com muitas mulheres que são ou tiveram algum comportamento machista e infelizmente, esta realidade ainda é muito comum. “A maioria das mulheres que foram referência na minha infância eram extremamente machistas. (…) Eu demorei a aceitar o feminismo, quando decidi começar a ler mais a respeito, fiquei chocada com a revelação. Sim, eu era feminista e não sabia! Então, acredito que grande parte das mulheres também seja sem saber. Comecei a falar sobre feminismo no blog de uma forma não tão direta, para que elas se identifiquem com o que estou escrevendo, para que pensem: ‘Sim, essa fala me representa’ — e só depois, sutilmente, eu menciono que aquela é, também, uma bandeira da luta feminista.”
Patrícia conta que entre os maiores benefícios de não ser mãe é a liberdade, “Eu posso fazer o que quiser com o meu tempo livre, aos finais de semana por exemplo. Não preciso cumprir horários, nem ter uma alimentação muito regrada. Se eu quiser almoçar miojo e jantar pizza, tudo bem, a única pessoa que irá sofrer as consequências disso serei eu mesma. Além de ser uma baita vantagem eu poder viver com metade do meu salário e a outra metade eu consigo poupar para a minha aposentadoria, ou investir no conforto da minha casa, afinal, eu trabalho para comprar qualidade de vida!”.
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projetolunares · 3 years
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Quem realmente sou eu?
Caroline Soares
Não me vejo como um ser singular, uma única personalidade, um único sentimento. Sou três, quatro, cinco. Encho um quarto com tudo que sinto e sou, não me defino em uma palavra e muito menos em um único ser. Prazer, eu sou …
Quem eu sou? Da última vez que refleti sobre foi depois de entender que tenho uma doença psíquica. Após ouvir de um psiquiatra “você é bipolar”, entendi que essa questão nunca poderei responder com precisão. Me divido em três, Caroline, Carolzinha e Karine. Me definir em uma só nunca foi meu forte, e nunca será, até porque o que sinto dentro de mim se divide em pedaços até se tornar inteiro.
A eu, Caroline, meu nome de nascença, o nome que me chamam, é o que normalmente é visto, o que eu escrevo e pinto para os outros, a garota forte, amiga, que sempre está ali. Aquela que faz Jornalismo na UFU, que saiu de São José dos Campos, uma cidade do interior paulista, aos 17 quando mal sabia que o futuro a esperava, que sentia que algo ali não era normal, mas silenciava, por saber que se um dia eu falasse tudo que cabe no meu peito eu preencheria páginas, escreveria uma saga maior que Crepúsculo, ou até mesmo maior que Harry Potter.
A Carolzinha, ah… ela é o meu mundo sombrio, o que desejo que ninguém veja. A que tem medo de tudo, que não sabe se o caminho que seguiu é o certo, que desconfia de todo ser humano existente. Que com tanto medo se torna praticamente uma tartaruga, com sua casca grossa entra para dentro e carrega consigo toda a dor e todo o sentimento ruim, e que no seu casulo encontra conforto. Quando ela me visita, é como se um silêncio imenso tomasse conta, o que antes era cheio se torna vazio, escuro, porém com um eco que ecoa sem parar com toda aquela insegurança que ronda. Ah, como eu queria silenciar isso, mas as lágrimas que escorrem em meu rosto quando estamos juntas não me fazem pensar, não me fazem querer.
As suas visitas são frequentes, tudo depende do que acontece ao redor, sabemos que quando não temos mais forças para lutar contra aquilo que está nos afligindo, nos silenciamos e assim ficamos, por uma semana, um mês, um ano, não há horário e dia definido. Tem horas que grito “vai embora, eu não quero mais me sentir assim”, porém me lembro: como irei me despedir de algo que sou eu?
A Karine, essa é a alma da festa, a que topa tudo e que faz tudo sem pensar nas consequências do amanhã, como ela mesma me diz o “amanhã pode não chegar, aproveita tudo hoje”. Porém o amanhã chega, e o arrependimento vem. Com a sua máscara ela sai e finge que aquilo tudo não passou de um sonho, uma brincadeira, já que fez, não tem como voltar no passado e refazer. Eu não penso durante a sua companhia, eu só faço, só vou lá e faço. Como um impulso para aquilo que não presta, me afasto daquilo que me faz bem, pois para a Karine, não precisamos de ninguém, somos suficientes, nós duas preenchemos aquele espaço, mas na verdade, só ela tem essa energia que de tão grande, sufoca, esmaga.
E a cada partida da Karine, ela vai e deixa para trás os cacos, os relacionamentos quebrados, os problemas para que eu no final resolva. Diferente da Carolzinha, eu não falo para ela ir embora, eu deixo ela ali, depois de tanto tempo, ter a habilidade de sorrir me faz sentir confortável, porém o que vem depois é o maior problema.
Descobrir que as duas viriam com frequência cada vez maior me assustou. A última vez que as duas vieram me visitar, o grito foi tão ensurdecedor, o vazio era tão escuro que no final eu quase me entreguei, eu quase fui embora da vida de todos, só por querer o silêncio. “Não queria encher você com meu caos”, disse a Karine, “e eu só quero que isso acabe” disse a Carolzinha. E eu no meio, assustada, com medo, então parei e fiquei de fora observando todo aquele caos, e me questionei “quem sou eu?”.
Busquei por todos os cantos e finalmente saí daquele cômodo, e, ao descobrir, entendi que tudo aquilo fazia algum sentido. Mas mesmo assim, fazer sentido não significa a perfeita compreensão da situação, mas te dá um poder, o controle. Claro que agora consigo entender perfeitamente o porquê das visitas, mas ainda não controlo o que faço, sinto e demonstro. Após todo esse caos gravei um vídeo pedindo perdão, orei durante um mês e questionei Deus, “por que não sou normal?”.
Quem sou eu? Sinceramente, não sei responder, estou no caminho para descobrir, mas sei que meus atos podem machucar, que posso te afastar e que posso me isolar a qualquer momento. E não é porque não te amo e não te quero bem. O primeiro passo para entender o que se passa dentro de mim é conhecer essas três versões. É saber que quando a Carolzinha chegar é só me abraçar e quando a Karine vier é só me conter.
Vivo dentro dos extremos, sinto demais, amo demais, fico triste demais e irei fazer de tudo para que aquela dor vá embora. Durante esses anos de amizade entre nós três, dedos foram apontados, questões foram levantadas, mas não respondidas, até porque não sei te responder, eu simplesmente não sei, são tantos extremos que a voz cala e as palavras não são suficientes para expressar.
Posso passar horas pedindo desculpa, mas entenda, por favor, não exija mudança de algo que não mudará. Quem sou eu? Bipolar. Sim, bipolar, e o restante se desenvolve no meio disso, o que eu sou e o que irá acontecer não depende só de mim e sim de nós três.
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projetolunares · 3 years
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Saúde Mental da Mulher: um paradigma a ser quebrado
Com altos números de problemas psicológicos acometidos em mulheres, a procura de ajuda é fundamental
Com diversos fatores que implicam em um sistema de opressão para a mulher, a saúde mental feminina fica cada vez mais abalada. Muito além de receber flores e frases como “feliz dia da mulher” no dia 08 de março, é preciso que ações efetivas sejam tomadas em benefício desta parcela de nossa sociedade. A cobrança para ser uma boa mãe, uma boa filha e uma boa mulher, são sufocantes e com isso a saúde mental feminina acaba ficando de lado e se tornando algo secundário na vida das mulheres.
Com a pandemia do corona vírus em 2020, ficou ainda mais difícil cuidar da saúde mental. Fazendo um recorte de gênero percebemos que a saúde mental feminina é abalada por diversos fatores e com a pandemia, isso piorou. É notório que muitos fatores podem contribuir para um adoecimento mental da mulher, como cobranças sociais, fatores hormonais e até a relação que a mulher tem com o que a rodeia em sua rotina.
Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Uberlândia, UFU, Elaíny Carmona conta como começou a perceber que sua saúde mental não estava bem. “Eu comecei a dar mais atenção e entender que eu precisava cuidar da minha saúde mental ao longo da graduação. Me formei em jornalismo pela UFU em 2019 e ao decorrer do curso fui percebendo como o dia a dia ou o estresse e mais algumas questões como a distância de casa” .
A jornalista também conta sobre como estar em uma cidade, longe de sua família e a pressão academicista que sofria, foram fatores que contribuíram para um adoecimento mental. Elaíny comenta sobre formas alternativas, que a ajudaram a lidar com suas questões “ Em um primeiro momento eu lidei com esse autocuidado através da religião. Eu conheci a umbanda na época e foi algo que me ajudou bastante e também com alguns outros recursos mais artísticos, como escrita, desenho, pintura. Era uma forma de eu me expressar porque eu tinha muita dificuldade de falar sobre o que eu sentia.”
Atualmente , a jornalista afirma que está firme e forte na terapia e que está vivendo o melhor momento de sua saúde mental. “Tenho conseguido lidar melhor comigo mesma, lidar melhor com as situações, pessoas à minha volta, com relacionamento e família. Eu percebo que eu consigo ter mais foco, fazer o meu trabalho e estudos de uma forma mais consistente e me livrando da cobrança e do peso que eu colocava em mim em algumas situações.”
Além disso, Elaíny também conta sobre como a terapia é importante para ela e que, hoje em dia, também trabalha na saúde de seu corpo como um fator que auxilia em sua saúde mental, fazendo caminhadas e praticando dança.“Eu acho que a terapia é um processo muito bom, muito mágico que a gente aprende a lidar com diversas situações, Mudei muito a forma como eu dei significado para algumas coisas, mudei minha forma de me colocar no mundo e de conversar com as pessoas. Estou em um momento de amadurecimento muito importante por conta disso.”
Assim como Elaíny percebeu a importância da terapia em sua vida, outras pessoas também se deram conta da necessidade de se praticar o autocuidado, em meio a pandemia da COVID-19. Cuidar da saúde mental e física em tempos tão instáveis não é uma tarefa fácil, especialmente para as mulheres que sofrem diversos tipos de cobranças e abusos sociais. Além de uma ajuda profissional, o Psicólogo Marcelo Souza conta sobre outros tipos de autocuidado que as mulheres podem fazer por elas mesmas “Eu destacaria dois em especial com relação ao autocuidado. Atividade física, mesmo com a pandemia existem técnicas online onde está sendo proveitosa e estão ajudando bastante. Outro cuidado é reservar um tempo no seu dia a dia para você mesma, mesmo que sejam 5 minutos para poder respirar um pouco e lembrar sempre que a coisa mais importante da vida é que você está viva.” Marcelo também discute sobre a importância de se ter um psicólogo que te acompanhe em sua jornada do autocuidado e destaca os benefícios de procurar a ajuda de um profissional “Quando temos alguém que nos ouve, que realmente nos escuta que nos vê e também nos enxerga, nós nos sentimos amparados e acolhidos. Ter alguém que se importa e que trilha este caminho com você e que te acompanha durante a sua caminhada é muito importante.”
O acompanhamento psicológico é de extrema importância para o autocuidado de nossa saúde mental, principalmente no contexto de pandemia que estamos inseridos. Todavia, ainda existem muitos preconceitos acerca da procura deste tipo de ajuda, principalmente para as mulheres. Marcelo diz que antigamente a terapia era reservada apenas para pessoas que possuíam um elevado valor aquisitivo e que era uma realidade distante da maioria da população. Porém, atualmente, segundo o psicólogo, existem diversos tipos de terapias, com preços para todos os bolsos.
Além disso, Marcelo também dá dicas para as pessoas que possuem medo de procurar a ajuda de um profissional “Funciona assim: você tem alguém que te acompanha por um período, seja qual for, pelo tempo que você quiser, alguém que estudou no mínimo 5 anos sobre muitos aspectos do comportamento do corpo humano, por um preço que cabe no seu bolso. Não é legal ter uma pessoa que fica completamente dedicada a você e a qualquer questão que você trouxer para ela? Porque não se dá uma chance e aproveitar um pouco do conhecimento que essa pessoa pode te oferecer? Eu te garanto que você vai se surpreender.”
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projetolunares · 3 years
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Lunares, um projeto sobre feminismo!
A Lua possui os movimentos de rotação e translação sincronizados e sua energia extremamente poderosa, assim como a das mulheres, tem uma força singular sobre a humanidade.
A Lua é única, o que muda é a porção que resta iluminada pela luz do Sol e visível para nós. Neste mês, teremos quatro semanas especiais.
A partir do mês de Maio, iremos tratar de temas sobre Saúde Mental, durante a lua Minguante. Na segunda semana, durante a lua nova, vamos falar sobre a maternidade e aspectos gerais sobre família, filhos e casamento. Afinal, maio é o mês das mães e também mês das noivas!
Com a mudança da lua para crescente, uma fase de ação e determinação para as mulheres, vamos debater sobre o empreendedorismo e conquistas feministas. Por último, uma lua cheia será um momento de autoconhecimento e aceitação, em que será tratado de autoestima e LIBERDADE!
😉 Acompanhe a Lunares e faça parte deste movimento!
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