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mulhereseahistoria · 23 days
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Trabalhadores de todos os países, quem lava suas meias?
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“O homem mais oprimido pode oprimir um ser, a sua mulher. Ela é a proletária do próprio proletário.” Flora Tristán (1803–1844); Chloderlos de laclos, oeuvres complètes, ed. Maurice Allem (Paris: Gallimard, 1951).
O trabalho é reconhecido como algo que dignifica o homem e dá ao mesmo condição de vida e sustância. O homem que trabalha é, consequentemente, reconhecido como indivíduo dentro do capitalismo. Mas o mesmo não acontece às mulheres.
A lógica da produção foi criada e pensada no quanto um homem pode servir ao capitalismo através da sua força de trabalho. No caso das mulheres, além de serem exploradas pela sua capacidade de produção, também são exploradas pela sua capacidade reprodutiva.
A mulher além de gerar a força de trabalho que vai servir ao capitalismo, faz a maior parte do trabalho não-remunerado que sustenta o capital, trabalho esse que é desempenhado fisicamente e também emocionalmente. Alienadas da sua enorme contribuição para a formação dos indivíduos, que mais tarde serão mão de obra, as mulheres não reconhecem e entendem o seu trabalho como digno e importante.
O amor que é ensinado socialmente e institucionalmente às mulheres é estratégico. Seja pela forma que são socializadas desde a infância, sendo presenteadas com bonecas e brinquedos que simulam o cuidar e o criar, seja mais tarde através das instituições sociais, como o casamento. É dentro das relações amorosas que as mulheres são mais exploradas e exercem o papel principal que o patriarcado destina para elas: o de domesticação. O casamento como uma instituição tem como único e principal intuito preparar as mulheres para relações onde todas as suas capacidade reprodutivas serão exploradas.
Quem nunca ouviu que “por trás de um grande homem, existe uma grande mulher”? Essa frase além de expressar o apagamento das mulheres dentro das relações, também exemplifica a exploração do trabalho feminino. Mulheres abdicam de suas vidas, seus sonhos e suas realizações para sempre estarem em segundo plano. A socialização feminina nos faz acreditar que nossas produções, sejam elas quais forem, nunca serão dignas de reconhecimentos. Nunca acreditamos no potencial que temos para criar coisas que possam impactar a vida humana, como os homens fizeram ao longo da história.
Um fenômeno muito observado mas recentemente nomeado entre as mulheres é o que conhecemos como Síndrome da Impostora. Segundo Jose A. M. Vela, sociólogo e doutorando em estudos Interdisciplinares de Gênero da UAM (Universidade Autônoma de Madrid), “a Síndrome da Impostora corresponde a essa autopercepção pela qual uma pessoa se considera menos qualificada para uma determinada função, cargo ou desempenho que seus companheiros”. O sociólogo continua explicando que “a socialização diferenciada, pela qual homens e mulheres são educados em papéis distintos e em valores distintos, cria o caldo de cultura perfeito para que as mulheres sintam de forma maciça a síndrome da impostora”. Ou seja, não importa o quão boa uma mulher seja no que faça, ela sempre vai sentir o peso do insuficiente. Esse sentimento dá palco para que muitas se sabotem ao ponto de não seguir seus sonhos e sempre ficar à sombra da aprovação masculina.
É observado também que ao longo da história, além do dificultoso acesso à educação, as mulheres sempre tiverem suas obras roubadas e suas histórias apagadas por homens.
“Reconheço uma parte de um velho diário meu que desapareceu misteriosamente logo após meu casamento, além de pedaços de cartas que, embora editadas de maneira considerável, soam-me vagamente familiar.” — Zelga Fitzgerald sobre o livro “Este lado do Paraíso”.
Esse é o tipo de exploração que nem Marx conseguiu explicar. Ele também tinha alguém que lavava suas roupas e fazia sua comida, assim como o Adam Smith e muitos outros homens que deixaram seus nomes na história.
A autora Katrine Marçal em sua pesquisa sobre a vida de Adam Smith nos conta que “Adam Smith nunca se casou. O pai da economia viveu com a mãe durante a maior parte da sua vida. Ela cuidava da casa, e um prima cuidava das finanças. Quando foi nomeado agente alfandegário em Edimburgo, sua mãe se mudou com ele. Ela cuidou do filho a vida toda, e essa é uma parte que Adam Smith omite da resposta à questão de como nosso jantar é servido. Para que o açougueiro, o padeiro e o cervejeiro pudessem ir trabalhar, na época em que Adam Smith estava escrevendo, suas esposas, mães ou irmãs tinham de passar horas e horas, dia após dia, cuidando das crianças, limpando a casa, cozinhando, lavando roupas, enxugando lágrimas e brigando com os vizinhos.”
Esse é o trabalho invisível desempenhado pela maioria das mulheres. Já imaginou se um dia você acordasse e todas suas roupas estivessem por lavar? E a comida por ser feita? E as crianças chorando por não ter ninguém pra cuidar? É a importância do trabalho que as mulheres exercem no nosso dia a dia, que segundo a ONU, representa até 39% do PIB de países. A “economia invisível” sustenta o capitalismo. O trabalho não-remunerado é o sustento do capital.
As mulheres entraram no mercado de trabalho e acharam que a situação poderia se reverter, mas não é o que vemos hoje. A partir dessa ingressão, nasce a dupla jornada de trabalho feminina. As mulheres trabalham, em média, 7,5 horas a mais que os homens por semana devido à dupla jornada, que inclui tarefas domésticas e trabalho remunerado. Além disso, toda a estruturação do trabalho, incluindo o ideal de horas que devemos trabalhar, foi criado e estruturado nas necessidades dos homens.
A maioria das pessoas trabalham em média 8,8 horas por dia, de acordo com Bureau of Labor Statistics (Escritório de Estatísticas do Trabalho, algo equivalente ao Caged no Brasil). Mas segundo o IBGE, por exemplo, em 2016, as mulheres dedicavam, em média, 18 horas semanais a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, 73% a mais do que os homens (10,5 horas). Essa diferença chegava a 80% no Nordeste (19 contra 10,5). Isso explica, em parte, a proporção de mulheres ocupadas em trabalhos por tempo parcial, de até 30 horas semanais, ser o dobro da de homens (28,2% das mulheres ocupadas, contra 14,1% dos homens).
Quando a Silvia Federici diz: o que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho não-remunerado, é que esse trabalho não é natural, é naturalizado. Não nascemos com instinto materno e o trabalho doméstico não é uma necessidade interna. Ele foi transformado em atributo natural para a auto identificação. Se as mulheres acreditam, mais que ninguém, que o trabalho doméstico é algo instintivamente feminino, nada e nem ninguém pode dizer o contrário. Essa é uma das maiores molas propulsoras do patriarcado: a alienação da importância das nossas capacidades reprodutivas.
“Essa fraude, que passa sob o nome de amor e casamento, afeta todas nós, mesmo quando não somos casadas, porque uma vez que o trabalho doméstico foi totalmente naturalizado, uma vez que se tornou um atributo feminino, todas nós somos caracterizadas por ele.”
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