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kikodipierro · 4 months
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István Orosz — Cloud with Cube  (etching, 1998)
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kikodipierro · 6 months
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27/11/2023
Estava sentado no Grande Saguão da Experiência Humana. Apoiado no sofá de parede, apenas ligeiramente torto. Apenas o suficiente para causar danos que contribuam com a minha continua lesão de coluna que irá me trazer dores terríveis no futuro.
Escaneei o saguão com um olhar sagaz. O maldito saguão. Pra que serve um saguão? Espaço transitório do caralho. Diversas personagens metafísicas povoavam aquele espaço, fingindo que iam de lugar nenhum pra nenhum lugar. Perambulando decidida e diligentemente. Vi os fantasmas no natal passado. Vi a própria figura personificada da Morte, com seu elegante chapéu de pena, uma de minhas figuras favoritas, talvez eu devesse conversar com ela, mas ao mesmo tempo acredito que ali não era o lugar propicio. A Morte não para em Saguões. Vi as musas e pior ainda, vi os musos. Todos seguindo obcessivamente e cortejando das mais patéticas maneiras a entidade da Criatividade, que flutuava afrente despreocupada, olhando para o lado de relance despretensiosamente com seus olhos infinitos e balançando seus cabelos infinitos e carregando seus fartos seios, também infinitos. Senti uma pontada de amargor, aquele gostoso amargor da frustração romântica, pensando futilmente se o que nós tivemos tinha realmente sido uma one-night-stand ou se realmente existia algo especial sobre mim. Ela provavelmente nem ligava, enquanto caminhava sobre os crânios de poetas do instagram e tiktokers de literatura alemã.
Ajeitei minha coluna no sofá (mas não se engane. Ela continuava incorrigivelmente torta). Não era desse poço que eu queria beber. Quem eu estava lá para encontrar? Quem teria marcado um encontro no Saguão da Experiência Humana e não feito a gentileza de deixar seu nome? A pergunta era tola, claro que todo mundo teria feito a mesma coisa. Eu não deixaria meu nome pra nenhuma pobre alma que fizesse o erro cósmico de pisar naquele saguão. Não que tivesse algo errado com estar lá. É só minha política pessoal tratar as forças inomináveis do universo com desdém e antagonismo. Talvez quando eu tenha dito "todo mundo teria feito a mesma coisa" eu realmente quisesse dizer "eu teria feito a mesma coisa". As vezes eu esqueço que Todas as Pessoas do Universo não são iguais a mim.
Todas as Pessoas do Universo também passaram ali pelo Saguão. Também vi a Inconsolável Melancolia e um pouco depois vi Todas Mulheres que Já Amei. Uma irônica coincidência do destino, parecia. Mas foi só a impressão, já que a Irônica Coincidência do Destino estava sentada no balcão, já bebericando o que parecia ser seu quarto drink. Talvez seja ela, sabe. Nós trocamos olhares diversas vezes e ela costuma me visitar constantemente, pregando suas pequenas peças. Decidi me levantar, num movimento elegante que necessitou uma rolada pelo sofá e o auxilio breve de uma senhora idosa para me por em pé. Andei pelo saguão tendo certeza que eu estava andando de uma maneira descolada para quem estivesse me vendo, mas que ao mesmo tempo eu era completamente invisível e ninguém estava prestando atenção em mim. Daquele jeito de sempre. Sentei do lado da minha boa amiga ICdoD e pedi um drink para um bigodudo que não era barman, mas que me fez o drink mesmo assim. Com muito esmero, diga-se de passagem.
Quando me viro para o lado, me surpreendo. Porque encontro você. E sim eu vejo ela. Ela não estava mais sentada lá, mas eu vejo ela, naquele outro sentido. Você me cumprimenta e me faz perguntas sobre mim. Eu pergunto sobre você também. Primeiro por educação e depois para saber mesmo. Nós brindamos e conversamos mais um pouco e ninguém da nem um gole de nenhum dos drinks até depois de todo o gelo derreter. Quase penso em me perguntar se era realmente você que eu vim encontrar, mas a esse ponto já tenho total consciência que essa pergunta e sua suposta resposta já são mais irrelevantes que algo tão irrelevante que nem importa o suficiente para citar nessa anedota. Você me diz que precisa ir pra um lugar, encontrar alguém. Sinto vontade de perguntar pra onde e quem é e o que você vão fazer e como você se sente sobre isso, mas só balanço a cabeça e peço pra você mandar um abraço em meu nome. Você diz tchau e vai embora. Sempre gostei de dizer tchau, apesar das dificuldades que todo mundo sempre menciona.
Me sinto satisfeito. É um sentimento menor que realizado e bem longe da perpetua felicidade ou da iluminação nirvanistica. Mas é aquele algo sabe. Algo de verdade. Me sinto satisfeito. Bom. Me levanto, agradeço. Boto o Saguão inteiro nas costas e saio pela porta da frente.
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kikodipierro · 10 months
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kikodipierro · 2 years
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08/06/2022
Porque palavras ritmadas em métricas abstratas separadas em versos elusivos nada podem me dizer a mais que a extensa expressão interrupta e fluída, gratuita e exuberante de um longo fluxo de consciência. São as curvas e devaneios e tudo aquilo que deveria ser podado e editado e retirado que me interessam. Abaixo ao minimalismo emocional, acima aquela verborragia que mesmo tímida vai se esparramando desajeitadamente como pequenas confissões acidentais. Mas não existem acidentes na verdade. As correções e as desculpas e os erros e quando a pessoa se faz de boba e se envergonha é isso que importa. A bobagem é mel, o desconforto é aconchegante. Não quero mais saber disso de lindas palavras. A gíria é erudita e eloquência é só mandar os papos na moral. Toda palavra é cantada quando dita em voz alta. A voz não faz versos, ou ela só faz versos. Se bem que tudo isso não importa, porque o que está sendo dito está sendo dito. Palavra é coisa séria e a gente acaba dando pra todo mundo. Me dê suas palavras. Fala pra mim. Fala pra caralho, mas não me enche mais o saco. 
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kikodipierro · 2 years
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17/05/2022
Eles nunca vão entender.
Tem uma coisa engraçada que acontece quando falamos de esportes eletrônicos em comparação com os outros esportes mais tradicionais. É essa coisa de ser uma história recente, sendo construída bem diante de nossos olhos. Não existem essas instituições centenárias com gerações de cartolas como a FIFA que vem controlando a história do esporte. É uma coisa construída de baixo por entusiastas, fãs e apaixonados que decidiram levar esses joguinhos virtuais muito mais a sério do que alguém jamais esperou. Até que temos atualmente algumas transações milionárias que dão esse ar de validade como um esporte de alta performance, mas sabemos que nem sempre foi assim - principalmente nas chamadas regiões menores, como o Brasil. 
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kikodipierro · 2 years
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07/04/2022
Uma fúria indescritível e inominável cavalga em meu coração. A hora das desinibições e o andar molenga pelo fluxo devem chegar ao seu fim. É na pegada dura das rédeas que se caminha em direção a um futuro. Cansado de ser escravo do acaso e da profunda rede de sentimentos nebulosos que permeia não só o meu coração, mas todos conectados a ele. Nutro um desejo finito e pontual de entender e controlar. E ao mesmo tempo o horizonte mirado pelos meus olhos é incapaz de mentir. O futuro é incontrolável. Os corações humanos são incontroláveis. O acaso é incontrolável. O controle é uma ilusão, mas montamos sociedades ao redor dele as custas de litros e litros de sangue. 
O que adianta o potencial infinito de uma alma se ela não tem direcionamento? Se ela não tem ímpeto? É preciso transformar a fé e a força de vontade em armas e cortar o futuro na ponta da adaga. Entre a confusão emocional e a nebulosidade de um sonho concreto eu sinto que sei o que eu quero. Eu sei o que minha fome clama, eu sei a sede que amaga minha essência. Uma mínima noção de toda teia caótica não é mais o suficiente. Não adianta entender os conflitos, aceitar as inseguranças, concordar com os acasos. Quero pintar meu nome na história com sangue. E isso é além dos sonhos infantis de legado e eternidade. Quero ler meu nome escrito de sangue com meus próprios olhos. Nada me importa um império em meu nome quando eu não estiver mais aqui. A vida é uma só. E ela é tudo que importa.
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kikodipierro · 2 years
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08/12/2021
Depois do artilheiro dos gols inúteis, vem ai o pereba dos gols apoteóticos.
Não é difícil perceber que futebol é um esporte muito diferente dos outros em uma infinidade de aspectos, mas em especial em como modificamos o placar de uma partida. O gol é um evento especial, diferente dos outros tipos de ponto. Existe uma questão de consistência: Uma final de basquete é disputada em uma melhor de 7 partidas que com certeza terão centenas de pontos e dezenas de cestas; Um set de vôlei insiste que as equipes comemorem pelo menos 25 vezes; A soma de gols em uma partida de handball facilmente chega na casa das dezenas e até mesmo um jogo de futebol americano raramente fica abaixo de 2 ou 3 touchdowns e ver um zero a zero no resultado seria algo praticamente histórico. No nosso futebol é diferente. Empates sem gol chegam a ser comuns naquelas partidas mornas nas quartas e domingos. Então quando esse milagre acontece e a bola estufa as redes é um momento brutal de catarse e o grito se solta da garganta e o corpo de milhares de torcedores vibra em uníssono. 
Futebol é um jogo cretino e injusto em que nem sempre o melhor time vence e isso é algo maravilhoso. Ele dá chances aos menores e mais fracos que sempre podem depender daquele um único lance em que tudo dá certo (ou errado). É um esporte de milagres. As esperanças de Davi derrotar Golias sempre existem e queimam com ardor no peito dos torcedores. Por isso aquele Super Mega Liga - ou seja lá qual era o nome dessa ideia estúpida - era uma ideia idiota. Ela tirava a possibilidade dessas histórias improváveis nas quais um time pequeno da Moldávia, como o Sheriff, derrotava o gigantesco e colossal Real Madrid numa partida de Champions League, ou aquela fatídica temporada em que o Leicester apareceu do nada para vencer um dos campeonatos mais disputados da terra.  
Apesar disso, muitas vezes teimamos em fazer futebol ser sobre os números. Céus, como gostamos de uma estatística! Analistas, comentaristas, técnicos e torcedores afins são fissurados nos números do esporte, da posse de bola, os mapas de calor, gols por partida, número de passes certos, taxa de cruzamentos. Futebol é um esporte que permite o impossível, mas consistência ainda é algo essencial. Milagres acontecem, mas o óbvio acontece muito mais. Se você colocar uma máquina de fazer gols como o time do Bayern de Munique contra um time brasileiro da série C, eles podem jogar uma centena de vezes que iriamos ter provavelmente uma centena de vitórias do Bayern. Qualquer pessoa sabe que uma defesa sólida e um ataque consistente são as coisas mais importantes. Não pode se depender de milagres. São aqueles jogadores que conseguem balançar as redes mais de uma centena de vezes que serão lembrados como os craques de suas gerações. São essas estatísticas que irão determinar seu valor de mercado. São esses números que irão dar destaque para esses jogadores nos olhos dos técnicos. 
Então os números acabam sendo uma parte essencial do esporte. Ele acabam dando um ar de legitimidade para os feitos de um jogador. Veja a lista de recordes e todos os números de Cristiano Ronaldo e me diga que ele não é um dos maiores da história do esporte. É inegável. Números são fatos. E contra fatos não há argumentos. Exceto quando há o argumento que seus números são fracassados. Vinde o termo ‘o artilheiro dos gols inúteis’. O título caiu mais notoriamente no colo de Luís Fabiano, mas ele sempre é jogado entre cá e lá, pra cima de algum jogador que normalmente tem bons números, mas não aparece naqueles fatídicos jogos decisivos em que títulos e rebaixamentos estão em jogo. Um bom exemplo recente disso é Gabriel Jesus. É um homem que é peça chave no esquema de um dos times mais bem treinados do mundo, possui números invejáveis na carreira - sendo o segundo brasileiro com mais gols na Premier League, só atrás de Firmino - mas como falhou em marcar gol nas 5 partidas da Copa do Mundo da Rússia, ele sempre será lembrado pelos brasileiros como um pereba, indigno da camisa 9 da seleção. Seus números e consistência não importam nada, pois na hora derradeira, ele nos falhou. Nada importa 50 gols marcados contra times britânicos de meio da tabela, mas se ele tivesse marcado simplesmente 1 mero golzinho em cima da Bélgica, ele poderia ser um herói nacional. 
 Mas depois desse lenga-lenga eu posso finalmente falar de quem eu queria falar desde o começo desse texto. Um homem que jogou no time que Gabriel jogava aqui no Brasil. Queria falar sobre o Deyverson. E o que podemos falar sobre o Deyverson? Muita coisa, é bem fácil falar sobre Deyverson. Podemos falar que ele é grosso, ruim de bola, encrenqueiro, problemático, firulento, pirado, tiktoker que faz dancinha, torcedor do Vasco, tatuou o nome da namorada depois de uma semana de namoro e tatuou o nome de 14 amigos na perna. Eu amo esse fato. O cara tatuou o nome de 14 amigos na perna, meteu a lista mesmo. Um ato tão impulsivo e inconsequente e besta, mas tão honesto e emocional. Os números de Deyverson são quase pífios. Tem 30 anos e 30 gols na carreira. Vamos admitir, é um jogador medíocre. Veio do Grêmio Mangaratibense, teve passagens pelo Alavés, Levante e Getafe, mas só se encontrou notavelmente no Palmeiras. Tem mais personalidade do que futebol. É uma figura emblemática.  Faz piscadinhas cínicas para a torcida rival, simula falta com um toque do próprio juiz, arranja briga e confusão em campo. É um pereba. Pergunte pra qualquer torcedor rival, a maioria não gostaria de ter Deyverson no seu time nem pagando. Mas a partir do dia 27 de novembro de 2021, esse rapaz ganhou o titulo oposto ao artilheiro dos gols inúteis. É o pereba dos gols apoteóticos. 
O slogan que acompanha a Copa Conmebol Libertadores das Américas é a mais certeira possível. Glória Eterna. Futebol é um esporte de histórias sobre heróis e vilões, é o esporte do impossível e do milagre. É sobre esses momentos divinos e indescritíveis. Não é sobre as certezas do basquete que o time melhor vai ser superior na maioria dos 7 jogos, não é sobre a consistência do vôlei através de 5 sets. É sobre o momento do gol. Um momento único e singular que não é igual em nenhum outro esporte. É sobre aqueles lances únicos em que tudo dá muito certo ou muito errado e todas as histórias nascem daquele ponto. Um jornalista fez um texto recentemente dizendo “Abel não é gênio e Deyverson não é alma pura” em oposição aos comentários seguidos do jogo. Ele está provavelmente certo, mas não entendeu absolutamente nada da beleza desse esporte. Aquele gol fatídico no dia 27 na prorrogação de uma final de Libertadores pode ter sido muitas coisas, pode ter sido sobre esquema tático, sobre condicionamento físico, sobre pressão psicológica, sobre um erro bobo de Andreas, sobre uma defesa ruim de Diego Alves, sobre sorte da bola ter entrado, sobre oportunismo de estar no lugar certo na hora certa, sobre mil coisas. Mas quando eu contar essa história ela vai ser sobre alma pura. Vai ser sobre o coração flamejante do garoto Deyverson e seus olhos de águia e como ele incorporou a vontade latente de milhares de torcedores naquele momento singular. Vai ser sobre como ele entrou imediatamente em prantos, chorando logo após o gol, tamanha a emoção. 
Os analistas, comentaristas e os números não vão perdoar Deyverson. Ele vai continuar um jogador medíocre até o fim de sua carreira. Nunca vai ser considerado um grande craque e nem entrar nas listas de melhores jogadores. Mas os números não sabem de nada. As histórias sempre vão falar mais alto. Um gol numa final de libertadores vale mais do que 20 na fase de grupo. Nenhuma porcentagem de passes certos e cruzamentos bem sucedidos vai mudar o que realmente aconteceu entre aquelas quatro linhas em Montevidéu. Deyverson fez um gol apoteótico, assim como Breno Lopes no ano anterior e ambos conquistaram a Glória Eterna. E isso nenhuma estatística pode contar. Ele sempre será um pereba. Mas nas minhas histórias ele sempre será um herói. 
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kikodipierro · 3 years
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30/11/2021
Ela me marca a ferro e fogo.
É tão pouco as vezes. Tão pontual. As vezes é o jeito que ela coloca o ponto final nas mensagens. Ou uma escolha tão delicada de palavras que sempre me pega desprevenido. Acho que isso é uma coisa. Algumas pessoas são meio previsíveis. Ela sempre me arrebata. É a choques elétricos e tudo que um dia Tom Zé disse sobre Gal Costa. Talvez algo sobre o jeito que ela olha, com aquele olhar infinito como uma lua de cristal. Cheio de mistérios. Ou aqueles toques comedidos. Tudo tão tenro, intencional, tão leve, mas tão pesado. Toques que até certo ponto são meio tímidos, meio hesitantes e ansiosos sem saber seus limites. Um estranhamento comum de existir entre dois corpos estranhos. A gente se conhece, mas não se conhece. 
Essa distância que é tão elusiva. Pois ela é inalcançável e tudo são projeções. De outro clique. Outras vidas. Muita areia. Mas mesmo assim ela está tão perto. Por algum motivo ela teima em se fazer notar na minha vida. Sempre foi assim. Como se buscasse minha atenção de proposito. Como quem insiste em chamar atenção de um menino quieto da turma, o forçando pra fora de uma zona de solidão. Um ato que vem mais de simpatia e altruísmo e menos de condescendência. É um afeto legitimo inexplicável. Um abraço só um pouco longo demais, uma insistência em só me olhar profundamente dentro dos olhos. Mas nunca é procura. São sempre encontros. A distância dignifica um pouco. Dá todo um ar mítico. Nunca tem tempo o suficiente pra ver as ranhuras. Ela carrega elegância e uma polidez esmaltada. Talvez por isso que agora que ela está mais próxima do que nunca, sua presença queime mais. Antes existia uma distância segura desse fogo. 
E eu acho que vemos algo de nós mesmos um no outro. Eu sei que é normal se sentir diferente. Mas ela parece sentir coisas que eu nunca soube explicar para os outros que sentia. Eu não teria que balbuciar mil besteiras e tentar formar uma frase que explique essa emoção tão complexa e abstrata. Ela entenderia. Eu não tenho como saber isso, mas eu sinto que ela entenderia, como se até certo ponto olhássemos o mundo com os mesmos olhos. Um entendimento de o que realmente significa estar vivo no planeta terra. Parece que eu nunca vi ela perdida no passado ou projetando muito no futuro. Sempre me pareceu caminhar no agora. Como se soubesse o que está fazendo. É claro que ela sabe o que está fazendo. O jeito que ela fala e o jeito que ela move. Existe intenção e delicadeza na valsa que ela faz pelas curvas da vida. E sei que tudo não é perfeito e nem tudo da certo. A vida as vezes te embasbaca. Tal como ela me embasbaca. A vida é assim as vezes, afinal. 
O problema realmente é o vicio no jeito que você me faz sentir. De querer mais e não saber a distância certa. Talvez seja isso mesmo. E por chances a gente se encontre. E serei tratado por toques que me causam choques elétricos, olhares que me queimam e palavras que ressoam na minha caixa óssea dias afins. E é exatamente o que eu quero. Mas ao mesmo tempo não posso mentir pra mim essa obsessão. Eu quero mais. Pura e simplesmente. É a vida que eu escolhi viver e eu sempre gostei de calor. 
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kikodipierro · 3 years
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08/11/2021
Hoje as mortes por Covid na cidade de São Paulo bateram zero. Nenhuma morte. Demoraram mais de 600 dias, mas hoje amanheceu com o céu claro e um aroma palpável no ar com o cheiro daquele instante onde o pesadelo se quebra e o ar gelado da realidade invade as narinas. O coração ainda bate acelerado e o terror e o trauma ainda estão sensíveis na superfície da pele, mas o céu está claro e parece que está tudo bem. 
Claro que o ‘estar tudo bem’ é uma das questões mais cretinas e desonestas da etiqueta humana. Em essência é uma mera burocracia sem relação com a realidade ao seu redor. Mas burocracias e formalidades ainda existem por um motivo e ‘estar tudo bem’ é uma âncora contra as incertezas e uma vela para as possibilidades. Estar tudo bem nunca é um definitivo e um ponto final, mas uma virgula que pede justificativas da felicidade ou contrapontos sobre o seu sofrimento. Estar tudo bem é um degrau necessário para se permitir sentir outras coisas, inclusive não se estar na bem. 
Mas pelo último mês em muitos lugares as coisas parecem estar tudo bem. É tão fácil esquecer o trauma sanitário e ser apático quanto as numerosas pilhas anônimas de corpos mortos. É tão simples afirmar para si mesmo que está tudo bem e se permitir viver do mesmo jeito que se vivia antes. Praticamente indolor. Talvez alguma paranoia ou ansiedade excruciante pelas multidões, mas nada que não seja reprimível. Talvez alguns possam enxergar essa atitude como trágica e até revoltante, um atentado contra o sonho eterno da comunhão humanitária na qual dividimos todas as dores e alegrias e um atestado que a humanidade está perdida, fadada ao egoísmo e individualismo e que nunca respeitaremos ou honraremos de fato a memória daqueles que já se foram. Mas a apatia é uma ferramenta essencial para um ser vivo nesse planeta. A morte e sofrimento alheios são colaterais, e variam entre serem insignificantes até serem necessárias para a própria sobrevivência. Os mortos não me abalam, meu problema é com os vivos. 
E os vivos teimam a viver. Essa teimosia primordial é o que faz o mundo ser do jeito que é, a mesma teimosia que a terra tem insistindo em girar em torno do próprio eixo dia pós dia. Os vivos ainda se submetem aos seus desejos e são escravos de suas emoções. Guiados por essas ondas químicas desgovernadas que agem em nossos corpos ao seu bel-prazer e sem prestar satisfações. Um exército de borboletas na boca do estômago, uma fina serpente congelada que sobe a espinha, a queimação nervosa entre as têmporas e aquele tilintar de estrelas caminhando pelas cavidades nasais. Mas os piores, mais violentos e mais indescritíveis se dão no choque ao se deparar com outro ser humano inteiro. Que presença aterradora é outro par de olhos te encarando através dos seus. 
A pandemia foi sobre morte, mas talvez até mais importantemente foi sobre solidão. A humanidade sempre foi acostumada a morte, pois ela é por definição, uma inevitabilidade. Mas a solidão vai contra a nossa programação. A falta de um toque quente, um timbre de voz diferente, o cheio de outro xampu, até do desentendimento e das falhas de comunicação, causam sequelas no nosso ser. E subitamente após seiscentos dias nossas almas atrofiadas se deparam contra o turbilhão de todos os sentimentos do mundo. 
Essa experiência não é por si só algo necessariamente agoniante. Esse éter emocional que me convém chamar de alma - mais por motivos comunicativos do que por alguma filosofia religiosa - foi feito para sentir esses sentimentos até certo ponto. A experiência de ter uma nova gama de sentimentos imposta no seu cerne por outro ser humano é na verdade gloriosa, é algo que beira o divino. A essência da experiência humana e dos laços que nos unem e a semente de todos os sentimentos que ainda temos dificuldade de nomear. Mas esses sentimentos que antes desciam a garganta como ambrosia, ácida e refrescante, agora passam por engrenagem enferrujadas e órgãos empoeirados e se acumulam desajeitadamente no plexo solar. Me sinto mais sensível e como se estivesse sendo afligido por uma gastrite que me impede de digerir todos esses sentimentos. Cada olhar me fura com um punhal e todos os abraços deixam bolhas purulentas na minha pele fervida. Os sorrisos me desmontam, os beijos me congelam e só o odor leve de outros xampus me traz uma sensação pungente na cabeça, capaz de me deixar tonto. E as palavras, aquelas que eu nunca imagino ouvir - e óbvio que eu sou incapaz de imaginar, são palavras que se originam em um lugar proibido, o mais distante o possível de onde eu hábito; no coração de outras pessoas - entram em meus ouvidos e retumbam pelos meus ossos se rebatendo de um lado até o outro do meu crânio. Meu peito é um caldeirão de bruxa borbulhante em cores vividas e vapores tóxicos. É sufocante, desconcertante. A cada esquina cruzada sou violentamente invadido por mil histórias de tudo que já foi e de tudo que podia ser e a cada dia me afundo em angustias e aflições sobre todas as coisas que existem no planeta terra. E mesmo assim, no fim do dia, o meu único e mais ardente desejo, é mais disso. 
O vício nesse fel pulsa dentro de mim. Me consome. O emaranhado caótico de sentimentos, emoções, intenções e frustrações que não me deixa descansar direito me coloca em um estado de completo estupor. O desenrolar fractal dessas ideias me deixa apavorado pela escala, infinita e intransponível, de tudo que eu posso sentir e eu sinto cada fibra do meu corpo espernear agonizada, mas em alguma parte de mim eu sei que esse grito, por mais que um pouco assustador, é um cântico conciso e intencional que me reafirma “eu estou vivo”. Foi tanto tempo que eu tinha me esquecido. Mas eu ainda consigo lembrar. Viver machuca. Sentir doí. Sempre foi assim. Sorrisos, olhares, beijos e abraços sempre foram corpos estranhos invadindo a santidade segura de nossa solidão, que mesmo tão tenros, ainda configuram uma espécie de violência. Esses sentimentos são promulgados em nosso corpo sem o nosso consentimento e nada pode impedir o estrago a ser feito. Os românticos sempre souberam isso sobre o amor, dos fogos que ardem sem se vez ou como só é bom se doer. Essas emoções angustiantes são como uma droga, que me força pra longe do futuro e do passado e me retira violentamente da solidão da minha própria mente e me colocam no aqui e no agora e quando mais potentes, para dentro de outras pessoas. E apesar das dores, eu clamo por mais. Talvez eu esteja desacostumado, quem sabe num período vulnerável ou realmente só mais sensível. Mas viver machuca e eu amo cada instante. E eu me sinto obrigado a buscar um clichê, mas os clichês, assim como as burocracias, as formalidades e as inevitabilidades, existem por um motivo. E as vezes realmente, inevitavelmente, inexoravelmente, as é vezes é sobre isso. É sobre isso. E está tudo bem.
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kikodipierro · 3 years
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06/10/2021
Então, eu queria te falar uma coisa pq eu to processando nossa conversa e eu fiquei com um arrependimento meio forte e eu não queria ficar carregando esse arrependimento e a fita é que você nem precisa me dar uma resposta decente pq isso é mais sobre eu precisar passar a limpo os meus sentimentos 
ai eu queria até te pedir desculpas e falar que eu me arrependo de ter falado que te amo. Pq pra mim isso é uma coisa que carrega muito peso. E eu fui te chamar pra conversar pq eu passei por alguns lugares emocionalmente complicados ao longo desse ano e fiquei refletindo sobre como eu tento racionalizar meus sentimentos e acabo me fechando pra certas coisas e com você eu achava que eu podia ir para um lugar de me abrir e ser vulnerável o suficiente pra conseguir falar isso sem medo, nervosismo e insegurança.
E eu realmente estava achando que a gente ia conversar e eu ia poder me abrir pra caminhar pra esse lugar, mas ai quando eu percebi que você tava me chamando pra terminar me bateu esse desespero e eu achei que ia me arrepender se eu não te falasse e aquela ia ser claramente a ultima oportunidade então eu só falei, mas na real foi super pedante e apelativo e ridículo e não foi honesto nem comigo nem com você e eu quero até pedir desculpas por ter te colocado nessa situação 
Eu realmente pensei que poderia ter sido e que poderia ter rolado isso na nossa relação, mas na real simplesmente não rolou e não era pra ser e tudo bem, sabe? Morreu na praia, faz parte. E eu me arrependo de ter dito isso no pior momento possível de uma maneira completamente não honesta. E é um negócio realmente sério e pesado pra mim e eu não quero carregar esse peso do jeito que foi. 
E assim, eu sei que retirar o que eu disse também é ridículo e pedante, mas eu já me humilhei uma vez falando então eu me humilho uma segunda retirando o que eu disse e foda-se né tá valendo
A fita é que por mais que você tenha dito algumas coisas que me magoaram bastante, são uns ressentimentos que eu consigo lidar com o tempo e abstrair, mas ter falado que te amo desse jeito tão desonesto acho que ia ficar me amargurando e ia dificultar pra eu conseguir me relacionar com você como amigos. Pq apesar de tudo ainda gosto de você como pessoa e quero q a gente tenha uma relação suave. E eu realmente preciso tirar isso do caminho pra poder trabalhar esses sentimentos de uma maneira mais honesta comigo mesmo e não ficar pensando nas coisas que poderiam ser, mas sim no que elas realmente foram. 
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kikodipierro · 3 years
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05/10/2021
É difícil escapar do tempo e da intempérie que ele faz em nossos sentimentos. É um pensamento tão óbvio e tão natural, mas esquisitamente ele é um pouco difícil de engolir. Fomos criados com juras de eternidade e imortalidade. Papos tolos sobre amores únicos e verdadeiros e que seriamos felizes para todo o sempre. Não sei como tais bobagens perduraram tanto em nosso consciente, já que são mentiras tão básicas e tolices que contamos para as crianças. O tempo come tudo. E as inevitabilidades não deveriam ser tão trágicas. Os processos e ciclos fazem parte essencial da vida. Mas quem sou eu pra pedir coerência de um povo que tem medo da morte, a única das certezas? 
Mas temos que pensar que o tempo tem muitos efeitos sobre a vida. Algumas coisas envelhecem como vinho, ganham sabor e complexidade e tem tons de sabedoria. Algumas coisas envelhecem como leite, estragam rápido e apodrecem com o passar de algumas luas. O tempo apaga paixões flamejantes e forja e solidifica relações inseparáveis. 
Engraçado que nos relacionamos em um período onde o tempo não estava se comportando como costuma. Foi tudo posto em hiato e os dias se borraram com as semanas e vivíamos por espaços de 3 dias intensos separados por meses vazios. Não sei o que isso fez com nossa relação. Se é uma paixão que queimou rápido demais, brasas que eram reacendidas teimosamente, ou se o ato de apagar e acender esse fogo tantas vezes acabou desgastando algo. 
Mas na verdade acho que quando terminou eu senti que não era sobre nós, mas era sobre você. Senti isso quando a Sofia terminou comigo também. Não tive participação na decisão e não era sobre mim. Com ela tive problemas de distancia. Com você, problemas com o tempo. Talvez isso fale um pouco de mim e minha ansiedade de não poder viver todas as coisas ao mesmo tempo e como por muito tempo eu ia nas festas e ficava rodando de um lugar para o outro, tentando estar em todos os lugares ao mesmo tempo, pra só no final perceber que eu perdi a festa e não estive em lugar nenhum. E é esquisito lidar com esse sentimento de passar batido. Os filmes falam tanto de términos acontecerem por ações erradas e estarem carregados de culpa e arrependimento. Mas eu não sinto culpa e nem arrependimento. Sinto como se tivesse apenas sido esquecido, superado, deixado de lado. Obrigado pela participação, infelizmente não prosseguiremos. Um sentimento amargo de não passar em um processo seletivo, mas você é obrigado a dar de ombros porque realmente, o que você pode fazer? Simplesmente não era pra ser. É esquisito pensar no tipo de dor que eu sinto agora, pois sei que as coisas demoram pra processar. Da última vez esperei mais de 500 dias pra chorar. Será que amadureci e consigo esperar menos? Será que ainda preciso chorar? Eu ainda não entendo os abalos que isso fez em meu peito e nem as consequencias disso na minha vida. Mais um rosto esquecido no horizonte carregado com pequenas dores que ficam se desdobrando entre as costelas. Aquele gostinho de tudo que poderia ser e nunca foi. 
É esquisito Mariana, pois eu já estava a mais de seis meses sem você quando você me avisou que não estava mais comigo. Eu tenho meu apego pelas pessoas e principalmente por aquelas que fazem questão de escrever o próprio nome na minha história. Queria saber se daqui 500 dias, o quanto vai ser importante eu falar sobre o seu nome. 
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kikodipierro · 3 years
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traps
a unica mina que eu chamo de bih’ uh 
é minha amiga bianca 
no fut eu faço meu flex uh
faço gol depois tomo dorflex 
meu body não tá tão no shape 
to chapado pareço um skate uh 
descendo ladeira tipo rolimã mano
eu já beijei sua irmã mano 
manda um salve pra familia uh
e um abraço lá pra tia uh 
os cara só fala de boot uh 
mas eu só uso chinelo 
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kikodipierro · 3 years
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15/07/2021
No meu sonho as cobertas são quentes e temos mais travesseiros do que precisamos. O frio fica lá fora e é sempre quente ao seu lado. Você segura minha mão e assistimos Mad Men juntos, o que nos inspira a beber whisky, mas seus lábios continuam tendo o gosto de mel. 
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kikodipierro · 3 years
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27/05/2021
Faz mais de 2 anos, mas sua risada continua a mesma. 
São praticamente 12 anos se for contar de verdade que sua risada continua a mesma. Mas pelo menos uns dois anos desde a última vez que cruzamos olhares. E posso dizer que cruzamos olhares muitas vezes ao longo dessa década de relação e esses olhares já significaram uma infinidade de coisas. Eu lembro que eles começaram curiosos, se testando. Tentando entender o que estava acontecendo ali e o que tinha do outro lado. Eles já foram receosos, querendo se encontrar, mas fugindo no último instante, sem saber onde estavam. Já tivemos nossos olhares de parceria e de confidência e os olhares distantes do arrependimento e do amargor, olhares de saudade e olhares de desejo. Mas acho que meu jeito favorito de olhar pra você é quando bate aquela calma. Que é isso mesmo. Que tá tudo bem. Me dava uma certeza de saber que você escolhia estar ali comigo. Porque eu te conheço muito bem e sei que se você não quisesse estar ali comigo, você com certeza não estaria. Daria no pé, dava a fuga e caia fora, que você não é otária de ficar pagando o pato em lugar que você não quer estar.  
É meio engraçado, porque por mais que a gente tenha essa relação e dinamica de duas pessoas de verdade (sabe, seres humanos mesmo?), ainda tem um lado meu que se apega muito a imagem que eu tenho de você e as coisas que você representa não só na minha vida, mas no jeito em como eu me entendo como pessoa. Foi bem importante pra minha construção de personagem que você tenha quebrado meu coração. E foi mais importante ainda que tenhamos remendado ele juntos depois. Essa coisa de segundas chances e que as pessoas mudam e principalmente o que é se relacionar com alguém que você ama de um jeito que da certo pra vocês e que na verdade não é sobre namoros e casamentos e relacionamentos e amizades, mas que no fim das contas vocês querem participar da vida um do outro. 
E é, dois anos inteiros sem você na minha vida me deixou um pouco inseguro e incerto, quem sou eu pra mentir? Fiquei incerto, mas não muito. Nem pensava tanto sobre, porque sabia que existia algo de verdade e que quando nos encontrássemos de novo tudo daria certo. Mas sabe como são as coisas, né? Você iria viajar o mundo e conhecer tanta gente e será que você ia mudar? Será que eu ia mudar? Na verdade sabia que eu tinha mudado. Será que a gente ia se reencontrar e não se entender? E que ia ser esquisito e ficar um gosto estranho no ar de as coisas já não são mais como antes? Mas não. Sua risada imbecil ainda é a mesma. Você ainda me encara com seus olhos gigantes e com a cara de panaca antes de dar risada de algo idiota. Sua risada realmente me acalma tanto. O jeito que eu sei que vou falar algo bobo pra fazer você rir e você vai falar algo estupido que vai me fazer rir e o jeito que a gente vai rindo junto com as nossas bobagens do jeito que a gente sempre fez. E fala sobre as coisas sérias e as coisas bobas e todas nossas histórias. E nem sempre a gente vai estar junto e na verdade essa distancia é uma parte preciosíssima da nossa relação e do porque ela dá certo. Somos independentes demais. Rebeldes demais. Muito malas e prepotentes e egomaniacos e gostamos de fazer nossas próprias coisas e que ninguém encha o saco e talvez se der vontade de sumir por uns anos ninguém pode nos impedir. No fim, nós não precisamos um do outro. Eu sei que você não precisa de mim. E não querendo jogar na cara, mas vivi esses dois anos na maior tranquilidade e sem muita crise, sabe? Eu não preciso, preciso. Mas eu quero. E sei que você quer também, porque se não quisesse, você não estaria aqui. 
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kikodipierro · 3 years
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06/04/2021
as vezes é sobre
vinte poucos anos de planeta terra 
um coração inteiro e mais um pouco 
peito no cabelo, faz cafuné, que nem as ondas do mar
não saber pra onde ir, mas saber onde está
as vezes é sobre
não precisar ser sobre nada 
coluna ereta e torcicolo e não saber como ser 
não saber querer ser, que nem as ondas do mar
e cheiro de tinta e cheiro de sal
e nunca olhar pra trás, mas sempre olhar pra trás 
pegar na mão e sentir o gosto
e parar de tentar me explicar
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kikodipierro · 3 years
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15/03/2021
Uma carta de saudades e trezentos e sessenta e cinco dias sem te ver,
Eu ainda lembro da batida da caixa, daquela fumaça de suor evaporado que preenchia aqueles espaços com poucas janelas, ainda lembro de todas aquelas gamas de mensagens com tons de súplicas “vamos se ver?”, “qual a boa de hoje?”, “onde você tá?”, “você vai?”. Eu lembro de muita coisa. Lembro dos estranhos. Porra, que saudades dos estranhos. Cada pequeno aglomerado de pessoas, sentados em uma mesa de bar ou agrupados numa rodinha num canto do fumodromo, eram um pequeno microcosmo. Gostava de pensar nas relações entre aqueles emaranhados de estranhos, quem tinha uma paixão platônica em quem, quem era ex de quem, quem era melhor amigo de quem, quem contava segredos pra quem, como eles se olham, como eles se tocam, quais eram suas piadas internas e gírias próprias. Não que eu sentasse no meio da noite e ficasse encarando as pessoas e especulando vividamente sobre suas vidas. Mas um olhar de relance neles e já me vinha essa impressão, como um odor leve de uma vida inteira, o cheiro de muitas histórias. 
Acho que o que eu mais sinto falta é dançar. Não sei dançar sozinho. O que é meio estranho, porque sempre dancei como se não tivesse ninguém me olhando, mas quando estou sozinho me sinto mais exposto do que quando estou disfarçado no meio de uma multidão. Eu sei que tem muita gente que se esforça pra se destacar e se sentir especial - e eu as vezes faço o mesmo - mas tem algo tão acolhedor em ser apenas mais um. Sinto falta de ser parte desse cenário, de ser um coadjuvante nas histórias de outras pessoas, de participar efemeramente na vida de alguém e me tornar “aquele cara, daquela noite.” 
Sinto falta do céu. De me ver na rua no meio de uma noite quente e ter o abismo cósmico se estendendo infinito entre os prédios acima da minha cabeça. Lembro quando me mudei pro interior, o que já parece três vidas atrás, e andar pelas ruas quadriculadas e vazias da cidade me dava uma sensação esquisita no peito que eu não sabia descrever. Até que eu percebi que era o horizonte. Estava tão acostumado com o céu recortado por prédios de São Paulo, que a linha do horizonte tão nua me dava uma sensação esquisita, mas deliciosa. E agora sinto saudades do horizonte recortado e lotado de arranha-céus da capital, que pelo menos me permitia ver o céu. Trancado no meu quarto, ele só aparece na fresta da janela. Não é mais um oceano infinito, mas uma pequena poça, com área contabilizada. E a lua? Minha namorada, meu flerte eterno. Só a vejo quando me conformo que vou dormir na companhia de mosquitos zumbindo em minha orelha e deixo a janela aberta de noite. Isso se eu der sorte de contemplar uma pontinha de seu sorriso amarelo do pequeno ângulo que minha janela dispõe.
Sinto saudades de você que está lendo isso e de quem nem vai ler, sinto saudades de quem eu via só de vez em quando, de quem eu nunca via e de quem eu sempre vejo. Eram os pequenos encontros e desencontros que acendiam a chama entre minhas orelhas e me davam aquela impressão de que tudo podia acontecer. Céus, como eu sinto saudades da imprevisibilidade. Do desconhecido. De cada dia ser um novo dia. Hoje é tudo tão engraçado, porque ninguém sabe como vai ser o futuro, todos temos dúvidas sobre o dia de amanhã, mas todos os dias são iguais. Antes quando pensávamos saber o que o futuro reservava, cada dia era uma surpresa. 
Bati 1 ano desde a última vez que eu sai de verdade. Sai pra dançar, sentei em um boteco e pedi uma cerveja, vi amigos e sai sem máscara e sem medo. Trezentos e sessenta e cinco dias. Esse número estúpido e arbitrário me faz pensar em uma realidade na qual o ano é cinco dias mais curto e as orbitas dos planetas são círculos e não elipses e tudo possui uma elegância e precisão matemática. Só que vivemos nesse universo que é tudo um pouquinho meio torto e esquisito e temos que contar um dia a mais no ano a cada quatro anos, porque o universo nunca se importou muito com o jeito que contamos o tempo. As vezes eu agradeço por viver nesse universo meio torto e as vezes ele me cansa. 
E por um ano ele só tem me cansado mais do que tudo. Eu queria ficar lembrando das coisas que eu sentia antes. Porque eu lembro de muita coisa. Mas é impossível ignorar as coisas que eu sinto agora. De ter que ver um contador de mortes todo dia. Das paredes do meu quarto. De ficar um pouquinho apavorado toda vez que saio de casa pra correr ou caminhar, com medo de matar meus pais no processo. De ignorância, apatia, negligência, negacionismo, e o que eu só posso descrever como filhadaputice. Me frustra, me frustra terrivelmente ter que ficar olhando as coisas que eu tomo como importantes e sagradas serem jogadas as traças e ignoradas por alguma agenda absurda e sem sentido. Me frustra terrivelmente não poder fazer nada. Mas as vezes deve-se aceitar que algumas coisas são, apesar de microscópicas, muito maiores do que nós. E nos resta esperar. Esperar que alguém faça as coisas que devem ser feitas e que nós não podemos fazer. Terrivelmente frustrante. Mas devemos esperar. 
Fiquem em casa, se cuidem. Feliz e amargo primeiro ano de quarentena.
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kikodipierro · 3 years
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11/03/2021
tudo no mundo é sobre histórias e pessoas. 
provavelmente não tudo, mas eu sou assim e eu gosto de reduzir as ideias as suas essências irredutíveis. e me é bem fácil falar que tudo no mundo é sobre apenas uma coisa, porque realmente é. É sempre sobre uma coisa só. Todas as coisas no mundo são sobre uma coisa só e tudo é sobre todas as coisas do mundo. 
É esse raio de pensamento paradoxal. De pensar em opostos complementares, que são coisas totalmente diferentes entre si de maneira tão profunda que você é obrigado a considerar elas opostas. Porém tão entrelaçadas em sua existência que você é obrigado a pensar elas como complementares. Luz e sombra, ou o espaço e o vazio. Ou quando um conjunto de unidades acaba se tornando uma unica unidade, e o conjunto dessas unidades se torna outra unidade, como átomos formando células e células formando tecidos formando corpos que formam pessoas que formam famílias que formam tribos que formam nações. E no fim nações são átomos. E luz é sombra e a sombra é a ausência da luz.
É tão esquisito mergulhar os dedos no suco viscoso da existência e tentar pegar significado daquela bagunça. Procurar forma nas nuvens. Então não tem fuga, tem que ir devagar, uma coisa de cada vez. E uma coisa são todas as coisas. 
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