Tumgik
form-aj-blog · 6 years
Audio
0 notes
form-aj-blog · 6 years
Text
Diário de Bordo I
Maya caminhava em silêncio, o jovem meio-sangue avançava devagar pelas falésias junto ao mar. A brisa cálida trazia o aroma das flores e, a leste, as árvores da floresta balançavam lentamente. O sol de verão provocava um reflexo quente sobre o oceano. Acima das ondas, gaivotas podiam ser vistas pairando no ar, e depois mergulhando na água em busca de alimento. Lá no alto, vagavam grandes nuvens brancas. Maya lembrou-se dessa manhã enquanto fitava uma grande rocha presente na praia, fazia uma semana em que ele se encontrava isolado, naufragado sem a ajuda de ninguém. O pior de tudo é que ele sequer sabia quem era, mas mesmo assim um instinto de sobrevivência o obrigava a continuar lutando pela vida. Aquela Ilha era tranquila e não apresentava nenhum perigo ao semideus. Entretanto, ele deveria dar um jeito para se alimentar. Por dias, Maya privou-se de explorar a Ilha, consumindo somente a água que o coco lhe fornessia e seu fruto. Pensando sobre isso por alguns minutos, o menino resolveu caçar alguns caranguejos, para que pudesse cozinhar mais tarde, em uma fogueira.
A caçada começou. Maya saltava pelas rochas, encontrando pouco apoio para os pés no caminho entre as poças deixadas pela maré baixa.
Os seus olhos escuros iam de um lado para outro ao examinar cada poça d’água debaixo da parte externa da falésia, procurando as criaturas espinhosas arrastadas para os bancos de areia pela tempestade que ali havia passado por outros dias. Por algum motivo, os caranguejos não apresentavam nenhuma defesa quanto as emboscadas do jovem semideus, como se o obedecessem. Os músculos de Maya contraíam-se sob sua camisa, ao levar o saco com rastejadores de areia e caranguejos apanhados naquele jardim marinho. O sol da tarde fazia cintilarem as ondas que rebentavam à sua volta, ao mesmo tempo que o cabelo queimado pelo sol esvoaçava ao vento oeste. Maya largou o saco, verificou se estava bem fechado e agachou-se em um trecho de areia limpa. O saco não estava exatamente cheio, mas a mulher queria ter mais ou menos uma hora para descansar. Isso não o prejudicaria, aquilo já era o suficiente para que suas reservas de energia serem preenchidas. Repousando encostado em um enorme rochedo, não demorou muito para que Maya cochilasse sob o calor do sol. Um borrifo fresco e úmido o acordou horas mais tarde. Ele abriu os olhos, um pouco assustado, entendo que havia descansado ali por tempo demais. A oeste, sobre o mar, sombrias tormentas formavam-se acima do contorno negro das Três Marias, as pequenas ilhas no horizonte. As nuvens turvas e carregadas traziam a chuva consigo, como um véu de fuligem, e anunciavam outra tempestade repentina, como era habitual naquela zona costeira no início do verão. Mais ao sul, as altas falésias da Praia dos Marinheiros se erguiam para o céu, enquanto as ondas batiam na base do pináculo rochoso. Atrás das ondas, formavam-se cristais alvas, um sinal indubitável de que a tormenta não demoraria a chegar. Maya sabia que corria perigo, uma vez que, desde que perdeu a memória, ele nunca havia entrado no mar, o garoto poderia se afogar caso continuasse
na praia ou, se fossem mais violentas, mesmo quem se encontrasse no terreno baixo mais afastado. Maya pegou o saco com a fauna marítima e rumou para o norte, em direção à floresta. Enquanto passava entre as poças, sentiu um vento fresco ficar mais frio e úmido.
O dia começou a ser interrompido por retalhos de sombras quando as primeiras nuvens taparam o sol e as cores vivas deram lugar a tons acinzentados. À distância, sobre o mar, relâmpagos brilhavam na escuridão das nuvens e o ribombar distante dos trovões sobrepunha-se ao som das ondas. Maya acelerou o passo ao chegar ao primeiro trecho de praia aberta. A tempestade se aproximava a uma velocidade maior do que julgara possível, trazendo a maré que subia. Quando alcançou outro trecho de poças deixadas pela maré, pouco mais de três metros de areia dividiam a beira da água da floresta. O semideus avançou pelos rochedos o mais depressa que conseguiu sem colocar-se em perigo, quase prendendo os pés por duas vezes. Ao chegar ao trecho seguinte, errou o cálculo do salto e caiu de mau jeito. Tombou na areia, agarrado ao tornozelo. Como se estivesse aguardando o incidente, a maré precipitou-se cobrindo-a momentaneamente. Estendeu a mão sem conseguir ver nada e sentiu a sacola ser levada. Na agitação para tentar agarrá-la, o meio-sangue se atirou para frente e o tornozelo cedeu. Afundou-se, engolindo água. Levantou a cabeça, cuspindo e tossindo. Começou a se levantar, mas uma segunda onda, mais alta que a anterior, atingiu-o no peito, derrubando-o. Isso tudo o  deixavam à beira do pânico. Debateu-se e emergiu para respirar quando a onda recuou. Nadando desajeitado, dirigiu-se à parte exterior da falésia, pois sabia que lá a água teria poucos centímetros de profundidade.  A dor no tornozelo deslocado era o principal fator que fazia com que o garoto não aguentasse correr com velocidade e, sem que ele nem percebesse, uma outra onda grande o alvejou e o arrastou para dentro da água. Completamente desajeitado e se debatendo para conseguir emergir para a superfície, Maya começou a se desesperar, estática, nunca havia sentido um medo tão grande em sua vida. Uma mão forte o agarrou e o puxou para o fundo da água, como se quisesse repreendê-lo. Enquanto ele levava, literalmente, uma surra do mar, algumas palavras ecoavam da água, como se ela tivesse voz: ‘’Jamais faça mal algum a fauna marina’’. Entretanto, mesmo com as dores que a água turbulenta causava, como um castigo, Maya conseguia respirar perfeitamente enquanto submerso, o que o assustou bastante. Depois de alguns segundos, a água o expulsou para fora, fazendo com que ele batesse de cara em um bloco de areia. Maya regurgitou um bocado de água, tentando notificar o rosto da voz que havia falado consigo depois de cuspir todo aquele conteúdo aquífero. Porém, ninguém estava presente.
1 note · View note