fenestre

[fenestre]

Velejei pelos teus oceanos à procura de respostas sobre seus mistérios. Falhei. Acreditei ter presenciado os mais brutais monstros das profundezas. Amedrontei-me. Nesta imensidão azul, agora, de explorador a náufrago. Subestimei-te

[fenestre]

Das chuvas

Os dias de chuva são os que mais tenho apreço por detalhes mínimos que só nós entenderíamos, não por causa daquele cheiro de chuva, do café sendo passado, do pão na chapa sendo feito, pelo barulho das gotas batendo no telhado de barro e infiltrando a garagem. Meu apreço está no simples fato de que, antes mesmo de chover, o meu estimado Laion vem ao meu encontro e se entrelaça em minhas pernas tentando me alertar de algo.

As gotas de água caem e ele fica inquieto e, num ato ritualístico, sou obrigado a repetir sequência de: abrir a janela que fica em cima do sofá para que ele suba e observe o início da chuva; espero-o descer do sofá para irmos ao coberto da garagem para que, somente assim, eu possa sentar no chão e ele se sentar em meu colo; ele fica fascinado com aquela cena e só acaba quando ele decide que é hora de levantar e ir embora.

Sinto, às vezes, que ele realmente viveu outras vidas e outras experiências, mas que a chuva foi a mais marcante em sua vida. Será que você, meu querido Laion, já presenciou naufrágios únicos? Viu os monstros marítimos gregos? Está à espera de um presente inexistente? Quer apenas que eu veja aquilo contigo? É algum medo? Ou simplesmente se trata da sua curiosidade canina e tento

Atribuir valores e significados inexistentes assim como fazemos com a maior parte das coisas do nosso cotidiano?

[fenestre]

Dos mais sãos

O homem do outro lado da calçada está em cima de uma lixeira bradando:

Tu és! Tu és! Tu és!

Tu és! Quem serás o quê? Quem és? De quem ele fala? Por que ele está em cima de uma lixeira bradando alto tão cedinho de manhã?! Por que todos o ignoram?

Tu és! Tu és! Tu és!

Continua ele bradando cada vez mais alto apontando para quem passa por perto dele, mas ninguém parece se importar ou reagir.

Tu és! Tu és! Tu és!

Aponta ele para mim, logo para mim, que tão longe estou. Mas, desta vez, é diferente.

TU NUNCA SERÁS! TU NUNCA SERÁS! TU NUNCA SERÁS!

Meu corpo paralisa subitamente e deixo os sentidos de lado. Meu corpo formiga e a minha visão escurece. O suor pinga do meu rosto e, de repente, ao seca-lo, estou numa sala branca com uma cama e uma porta.

Tu nunca serás. Tu nunca fois. Tu nunca és.

[fenestre]

Deixe-me tentar

Mesmo que não saibamos o que poderá sair desta tentativa, deixe-me tentar. Sei das magoas e das feridas porque elas em mim ainda residem o mesmo tanto que ainda te pertence, mas, mesmo assim, deixe-me tentar. Sei da minhas falhas, dos meus erros e da minha impaciência, mas deixe-me tentar.

[fenestre]

1.

Não sinto saudades do que fomos ou daquilo que vivemos, muito pelo contrário, tenho um grande apreço e lembro com carinho dos bons risos que pude dar ao seu lado. Não sinto saudades das noites que passei em claro para te ter, mesmo que somente por alguns minutos, ao meu lado. Não sinto saudades das conversas que duravam horas para sabermos quem era o certo - obviamente, você era o lado que sempre estava certo.

Não sinto saudade dos texto de declaração ou dos esporádicos "eu te amo". Não sinto saudades de nada disso, apenas sinto saudades de você e de tudo aquilo que você era e pode ser.

Não sinto saudades do "nós" e sim e somente da Quarta-Feira a qual nunca deixei de amar nem mesmo nas minhas maiores confusões e tomadas de decisões.

Esses dias, por exemplo, me perguntaram o porquê de sentir algo por você e eu, mesmo flagelado, disse: eu a conheci assim do jeito que é e, mesmo sabendo de tudo o que há por trás dela, ainda decidi e escolhi amá-la sem recuar ou negar o que sinto. Por ela? Eu lutaria lutas que jamais lutarei por ninguém e viverei vidas que jamais viverei por ninguém.

15 - 05 - 24

[fenestre]

A você, ex-algo

Já se passou tanto tempo desde o fim, mas quando esse tempo deixou de te ter?

Em nenhum momento deixei de sentir algo por ti ou te amar, mas eu estaria mentindo em dizer que não achei sentir algo por outro alguém na súbita tentativa de deixar de senti algo por você – mas não passou.

Entendi que não quero outra pessoa ou outro sentimento, quero algo que já não mais me pertence e que nunca há de me pertencer.

Eu não sou uma pessoa de outras vezes ou de arrependimentos, mas você me trouxe a nítida necessidade de me arrepender e de tentar uma outra vez.

Não há nada para sempre, mas você será, para sempre, alguém que me complementa.

Sinto sua falta.

[fenestre]

Relato

Talvez o problema seja eu.

[fenestre]

Eu não sei porque escrevo: para sentir algo? para fingir que sinto algo? Sou um fingidor e não sei quem sou.

Mímico ou palhaço?

Nem mesmo o Sol soube me responder.

[fenestre]

Estrangeiro

Vejo uma bela moça sentada no banco da frente do ônibus. Ela parece casada; em seu dedo havia um anel dourado. Eu a perguntaria como foi o seu dia, assim como eu a perguntava diariamente, mas, agora, a pergunta seria incompreensível a ela, eu seria ignorado e o dia que parecia ruim seria pior.

É irônico pensar que agora éramos incomunicáveis e já não falávamos a mesma língua.

Somos estrangeiros.

[fenestre]

Amsterdam

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀– Senhor, tenho uma pergunta a fazer: por que você aparece somente às quartas de tarde, pede seu espressos longos e acaba por ler o mesmo livro? Já é assim há 3 anos.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀– Porque prometi que a esperaria às margens desse lago durante a tarde de uma quarta qualquer, bebendo um café e lendo o livro que gostávamos.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀– Mas, senhor, se está esperando a todo esse tempo significa que...

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀Ao longe, bem aparentada, vem uma mulher alta, com um longo vestido de alças finas que cobre os pés, unhas médias banhadas de vermelho sangue, cabelos negros e curtos que estão um pouco acima da linha do ombro. E, com uma expressão ímpar de seriedade, diz:

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀– Significa, bebiende, que esse homem é um louco... Já se passaram 8 anos e, mesmo assim, aqui está ele. Não mudou nada desde a última vez que eu o desconheci.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀O homem assim interpela com uma voz risonha:

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀– 8 anos? Para mim só se passaram alguns dias.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀Ali, naquele momento, todos riram. O garçom entregou-lhes mais 2 espressos longos por conta da casa, mas sem nenhum acompanhamento, afinal, ambos, naquela mesa, já se acompanhavam. Ali ficaram do início da tarde até o tarde fechar do café.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀Ele, na despedida quando tudo parecia ter sido dito, diz:

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀– Ainda te esperarei aqui... – diz olhando ao lago.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀Ela consente mesmo sabendo que ele não estava olhando para ela, aperta seu ombro e vai embora. Ele apenas continua olhando para o lago contendo as lágrimas de um quase choro.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀O homem voltou na próxima quarta pedindo...

[fenestre]

Rotina

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀Logo pela manhã, tu vens de encontro a mim. Sem fazer qualquer barulho, apoia-se no extremo leste de minha cama desarrumada e vais à procura de uma parte em que possas apoiar tua cabeça a nível de que ainda possas me ver.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀Teus grandes olhos fitam-me como se nunca tivessem visto-me  antes, num olhar de admiração ou de completo espanto por me veres desajeitado por estar dormindo? Não sei, somente tu saberás dizer-me.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀Às vezes acordo e te vejo parado, me olhando, esperando-me despertar por completo para poder arrumar aquela cama caótica e preparar nosso café da manhã. Em outro momentos, tu pões o seu focinho gélido em meu braço para que eu me assuste e desperte em susto e se decerto isso não funciona, tu ficas choramingando até que eu levante e faça um chamego em teu coração.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀Pela manhã, tu vens,acorda-me, come ao meu lado e vai embora para o seu particular dia canino que somente tu sabes como é. Deixa-me a sós com meus pensamentos e vai olhar as pessoas passando pela rua ou toma seu matutino sol em seu coração.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀Pela noite, vou de encontro a ti, dou-te um cafuné e beijo-te no focinho. Tu, cambaleante, tentas entender o que ali se passa, mas a noite está caindo, teu sono chegando e nem mesmo os gatos que te atormentam chamam mais tua atenção.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀De manhã, tu vens ao meu encontro: acorda-me, fica, vai embora.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀De noite, vou ao teu encontro: arrumo-te, fico, vou embora.

[fenestre]

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀

Aprender a sentir foi o primeiro passo para meu eu deixar de existir.

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀

⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀

[fenestre]

            As madrugadas de segunda sempre são tão mórbidas e melancólicas. Digo isso por serem as madrugadas que iniciam um duro ciclo de uma possível semana cansativa e conturbada. São as únicas noites onde pareço ter insônia; de meia noite até às quatro e meia, fico olhando para o teto e pensando nos problemas que possivelmente virão, mas nesses momentos em que vejo o belo das pequenas grandes coisas. 

            Moro num apartamento no décimo segundo andar próximo da avenida Paulo de Andrade e de cá, por volta das três, ouço apenas o leve zumbido de alguns veículos perdidos, "veículos perdidos", talvez a última coisa que estão são perdidos... talvez seja o barulho de almas tentando se achar ao invés de seguirem um fluxo sufocante e comum. Ou simplesmente são pessoas que estão voltando de uma festa ou saindo mais cedo para evitar o trânsito caótico.

            Penso em algo para fazer diferente desta vez, um novo caminho ou solução para facilitar ou evitar um possível problema; meu grande pecado nisto é tentar prever o futuro, prever o imprevisível. O máximo que posso fazer é: preparar-me para lidar sem me desgastar tanto com o início do novo ciclo. Sequer começou e estou tão cansado, tão degradado…

            Todavia, como qualquer pessoa tem seu momento predileto também tenho o meu, o nascer do sol; gosto de ver o nascer do sol entrando e batendo no meu teto deixando-lhe alaranjado, e de tanto observar sei que no momento em que meu quarto deixa de estar completamente laranja é a hora de me levantar, afinal, sei que a hora será por volta das seis e vinte três ou será trinta seis? Nunca lembro, mas sei que o ciclo está prestes a recomeçar. Saber disso faz o meu dia um pouco melhor, menos destrutivo ao meu ser.        

Pensando agora, estou vivendo ou apenas existindo? Bom, melhor deixar esta questão para depois. Pensei tanto que já está quase na hora de ir e preciso me apressar para não ficar muito tempo no engarrafamento do Distrito Dois.