Tumgik
azevedoandrade-blog · 7 years
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Grimoire Hagilgulim
Dos comportamentos de monstro. Nada de novo. Todos sabem que, bem capturados, sonhos podem se tornar bichinhos de estimação. Não como esses que ronronam ou sacodem o rabo, mas como fetos: sim, claro, desde sempre, homens também podem engravidar. Um sonho-feto exige, porém, alguns cuidados. Primeiro, sua manifestação física é o mínimo que se apresenta em tudo que envolve a gravidez. Escreve-se sobre escrever - ou senão como aqui, escreve-se sobre escrever sobre escrever. A narrativa, ela mesma - aquela que um dia seria oferecida a monstro - por enquanto é um grão de feijão. Flutua na placenta e acredita piamente, coitadinha, que tudo aquilo em volta é o universo. Monstro – o destinatário do escrito – ainda é criança. Olhos arregalados, não foi posto neste mundo para pensar. Deseja apenas um prazer que entenda: um prazer simples, tão atraente como um seriado, ou horas de Facebook. Egoísta, mimado, não quer se aborrecer de modo algum. Ah, isso chega; ah, isso não. Basta de se lhe exigir esforços. Monstro, inocente, não pressupõe. Deseja e devora incidentes, desde que fáceis, curtíssimos, próprios para o consumo. Não admite outra forma de comunicação. Qualquer pensamento involuntário expressará apenas a suspeita dum desejo prévio – mas seu: legitimamente seu. Que não lhe sugiram desejos; propaganda, o mundo já tem demais. Que ele mesmo resolva: isso de pensar, se ele pensar, e quando, é algo que lhe acontece sem querer. Mas ainda precisa sim de histórias. Não há limites para seus tentáculos que sondam as possibilidades do infinito – como se o infinito fosse mesmo possível - enquanto respira. Por mais que tecnólogos inventem, não se criaram emoções novas. Há sim, ternura, horror, expectativa: essas razões pelas quais pessoas, de raro em raro, ainda se abraçam. O de sempre. O entretenimento vive de emoções requentadas: é surpreendente que ainda produza encanto. Narrativa, para monstro, é assim: alguém / fez algo importante / contra ou por outro alguém. Qualquer excesso é exigir demais; não cabe em nosso mundo, tem mais de tantos caracteres. Mesmo assim, monstro aceita brinquedos. Sem dúvida, contra todas as apostas em seu embrutecimento, ainda está disposto a tatear, sondar, fazer experiências. Rebelde contra a petrificação eletrônica do mundo em telas de cristal ele se esconde - e então, lê. Talvez até leia somente o que ainda não foi, mas talvez devesse – em sua opinião monstruosa - ser filmado. Aquilo que é aventuroso, secreto, não propriamente televisivo. Se monstro ainda lê, quando lê, é escondido da autoridade: roubando um tempo ao domínio público. Um bom texto o dispensaria, talvez, de medir o tempo em frações das circunvoluções planetárias: serão parágrafos, frases, palavras, frações de tentativas de palavras mas de qualquer modo, não mais segundos. Ou não por enquanto: monstro não precisa de relógio a ser clicado no visor mostrando a data, ou de outro pai. Espera apenas que um amigo – talvez um autointitulado protetor de suas viagens interiores; um demônio que, para seu absoluto espanto, ainda o comova – se aproxime cautelosamente e sussurre em seu ouvido: não há só um caminho certo. Qualquer caminho pode ser perdoado. E maravilhoso.
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azevedoandrade-blog · 7 years
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Crônicas de Azevedo Andrade
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azevedoandrade-blog · 7 years
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azevedoandrade-blog · 7 years
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Crônicas de Azevedo Andrade
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