Diário de Bordo
[Alguns dias entre o início e o fim de Setembro de 2020]
Caro leitor, perdoe-me a linha temporal desregulada destes relatos, acontece que… Durante algumas madrugadas, os dias e as noites se tornaram tão confusos em minha mente, como se fossem emaranhados de fios de lã onde eu preciso me esforçar para lembrar quando aconteceu, se realmente aconteceu ou se são apenas devaneios em minha mente. Isto não é um registro em tempo real, é apenas uma lembrança dolorosa.
Siga comigo.
Feche seus olhos e imagine um parque, desses infantis e abandonados cujo a pintura com as cores primárias estão sempre descascadas e é possível notar inúmeras iniciais de nomes de amantes marcados, sempre acompanhados de um advérbio de tempo. Para sempre.
Esse relato pertence há dois amantes, na verdade a apenas uma. A que realmente viveu a noite, e que sonha com ela todos os dias como se fosse uma paralisia do sono incapaz de despertar.
Eu me lembro.
Me lembro de como fazia frio lá fora, como as folhas das árvores dançavam como se fossem capazes de ouvir a melodia que tocava em minha mente toda vez que eu escutava sua voz, me lembro da sensação na barriga muito similar com a emoção de descer uma montanha-russa. Fazia frio lá fora e fazia frio dentro de mim também. Fomos nos brinquedos, rimos, dançamos, cantamos e gargalhamos e eu juro... Juro bem baixinho para que ninguém me ouça, que vez ou outra fecho os olhos para voltar aquele parque, nem que seja para me sentar em qualquer brinquedo sozinha e chorar um pouco.
Rimos tanto que senti minhas bochechas doerem, isso era recorrente quando você estava por perto, tinha esse humor sarcástico, ácido, como quem apenas diz sem ansiar por aplausos e não emite uma expressão sequer. Sabe? Você era assim. Lembro da sua mão tocar meu rosto e aquilo ser um gesto tão comum pra mim, ensaiado, como se nossos átomos, como se fossemos ímãs sempre se atraindo. Eu costumava ter certeza de que você era meu lugar. Fitei os abismos negros em seus olhos e sussurrei tão baixo que não soube diferenciar se as palavras saíram mesmo da minha boca ou se elas mantiveram-se em minha mente e eu não percebi.
— Estou com medo.
Você riu.
Não riu exatamente, apenas soltou o ar dos pulmões, sorriu de canto e olho para o lado, isso era um costume seu, rir assim. Como se debochasse de mim. Como se soubesse todos os segredos e pensamentos que me deixavam envergonhada. Como se me expusesse sem pudor algum, tirando toda minha intimidade e liberdade. Ria assim quando eu dizia sentir medo, quando perguntava o porquê, quando pedia por favor ou que parasse, quando pedia pra me deixar ir embora. Ria sempre assim.
— Você está sendo boba, estou completamente apaixonado, eu nunca te machucaria porque nunca senti isso por alguém.
Fechei meus olhos ali, naquela noite e implorei pra que o tempo parasse. Eu pensei "Deus... Se está ai, se me ouve, pare o tempo por 30 minutos por favor. Eu imploro". Implorei porque queria digerir aquela frase com a maior lentidão possível, talvez para que ela se tornasse real em algum momento. Você estava ali, sorrindo com uma mecha de cabelo cacheado caindo no meio da testa como um maldito anjo caído e traiçoeiro e só quem nos viam eram umas estrelas e a lua. Eu tinha tanta certeza que era você, te disse isso tantas vezes. Você afirmava que era você. Naquele dia você deitou em meu colo e eu brinquei com seus cachos. Eu consigo me lembrar da textura deles em meus dedos. Do seu perfume que sambava em frente as minhas narinas e corria para longe.
— Você tem ideia de quantas são? Você disse olhando para cima.
— Infelizmente não, me desculpe.
Eu sequer havia prestado atenção na sua pergunta, desenhava seu rosto com a ponta dos dedos, talvez para memorizar cada pequeno detalhe do seu rosto. Completamente embriagada pelos seus traços. Naquele dia haviam poucas coisas entre nós, um parque, cachos caindo pela testa, um coração acelerado, estrelas, brinquedos enferrujados, a lua e algumas mentiras.
Caro leitor, isso não é sobre amor. É sobre medo e traumas.
Diário de Bordo. Prefixos, Giulia Rodrigues.
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Noite estrelada
Eu amo recriar o quadro noite estrelada.
Já o refiz de diversos jeitos,
Com diversos materiais,
De vários pontos de vista.
Até eu te ver,
Quando eu te vi entendi o porque de tantas tentativas de refazê-lo.
Eu estava procurando minha própria noite estrelada.
No meio de milhares de formas de recriar a noite que fez Van Gogh se inspirar,
Eu tentava achar o que pra mim fosse a noite que eu nunca me cansaria de olhar.
Você é a noite.
Quando olho pra você só consigo me lembrar do quadro,
Era essa noite que eu procurei por tanto tempo,
Foi essa noite que eu tentei recriar em tantos desenhos.
Você é a minha noite estrelada.
-Ayla
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queria desapegar e queimar todas as páginas viradas.
queimá-las me ajudaria a não voltar atrás, mas isso se tornou algo mais complicado do que eu imaginei que seria.
passar uma borracha numa escrita a lápis é bem diferente de quando foi feita por uma caneta. apagar o passado realmente não é possível e lidar com ele foge do simples.
os erros pesam mais que todos os acertos juntos e aqueles momentos de felicidade tornam-se lembranças longínquas demais, uma verdadeira utopia.
— cartasnoabismo
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