Traumas, instabilidade, vícios, rebeldia, visão distorcida da realidade e de si mesmo. Essas são algumas das coisas que podem acompanhar os artistas ao longo de sua vida. Existe o estigma de que a arte vem com a loucura, e que a sensibilidade para ela sempre carrega dessas características.
Eu particularmente, como a artista que sou, tive muitas dessas experiências em minha vida. Algumas permanecem, outras se foram, ou pelo menos se abrandaram conforme fui amadurecendo. Creio que a sensibilidade para a arte aparece muitas vezes por conta de certas dificuldades, que nos faz precisar de uma fuga da realidade, desconstruindo aos poucos - ou de supetão, a nossa personalidade e certas camadas do nosso ego, que foram construídos com base em padrões estabelecidos.
Quando vivemos certas situações e viemos a essa vida já com uma certa sensibilidade, creio que é aberto um portal para o nosso real Ser, por conta justamente do colapso de tudo o que acreditávamos antes de ter nossa integridade ferida, de qualquer forma que seja. É como se precisássemos dessas vivências para remover alguns véus da ilusão que permeiam nossa realidade. Por isso vejo muitas dessas pessoas procurando os caminhos do autoconhecimento e da espiritualidade ao longo da vida.
Esse colapso pode ser por conta de uma vida sofrida e caótica - enquanto se vê tantas pessoas na paz e mordomia. Pode vir junto com traumas, muitas vezes por conta de pessoas que mais confiamos (esses são os piores), do círculo social que nos rodeia, ou simplesmente pelos acidentes e acasos da vida. Traumas estes que podem nos fazer questionar quem somos e porquê precisamos passar por essas coisas - dessa forma, geralmente culpando a nós mesmos e também, nos fazer inconscientemente acreditar que merecemos a dor e o sofrimento. Muita gente se apega a essa ideia por toda a vida.
Também há a solidão, a incompreensão, as formas especiais com que alguns nascem e crescem e, principalmente, os abusos sexuais.
Eu sou rodeada de artistas geniais, que não só têm a sensibilidade, mas a criatividade dentro de si, que vem de forma natural e espontânea. Aqueles que transbordam criações, vomitam versos, desenhos e cifras, como se precisassem realmente tirar de dentro de si a dor e a angústia da realidade que vivem, que como a de todo artista, não foi feita para pessoas fora do padrão. E também, as memórias sombrias que carregam em seu coração. E a grande maioria dessas pessoas tiveram sua inocência e sexualidade violadas e distorcidas, principalmente na infância ou adolescência. Esse é um dos piores traumas que se pode viver.
Não sei se aqui consigo concluir que esse estigma não condiz com a realidade. Talvez poderia afirmar que de alguma forma esses sintomas sejam apenas acasos e excessões, mas eu tenho experiência para dizer que, com certeza, quando carregamos a originalidade conosco, esta dificilmente será compreendida, e esta costuma vir com alguma carga consigo. E mesmo que um dia seja decifrado porque certas pessoas são mais sensíveis que outras, eu creio que a loucura de certo modo é sanidade também, e neste mundo tão frio, engessado e cruel, é melhor ser louco, diferente e rebelde, do que aceitar o marasmo da vida supostamente correta (e hipócrita) e perfeita, que foi criada há anos atrás, por pessoas tão rígidas quanto essas ideias, para nos domar e nos fazer fugir de nós mesmos.
Pensei em voltar a andar com um caderninho na bolsa, já que sempre carrego uma bolsa grande comigo (é como se ali precisasse conter meu abrigo todo). Não sei se algum dos vários caderninhos que tenho chegou a ter apenas uma finalidade, mas um deles sei que sempre serviu - somente - pra registrar o passar do tempo. A lua, a minha lua, e o meu humor.
De qualquer forma preciso imediatamente a voltar a colocar essa energia toda pra fora. Não sou artista, afinal? Médium, sei lá? Não sei. Só sei que alguma coisa precisa sair de dentro de mim.
Eu tenho a sensação de que uma parte de mim foi arrancada, sequestrada, abduzida em uma série de acontecimentos com o passar dos anos. Começo a entender o que significa a pureza e a liberdade a que minha Mãe Iyewá representa.
Aquilo dentro de si que é tão puro e único, portanto estranho e enigmático, que todos querem acessar. O mistério e o encanto, que cobiçam. Aquilo que não se pode controlar. O que é espontâneo e raro.
Quando se deparam com isso, com Ela, a querem controlar. E quando ela é domada (porque também quer pertencer), sua essência se esconde e esquece o brilho que tem. Ela se perde de si.
Um amigo mais velho tava me dizendo que detesta se apaixonar. Na hora minha primeira reação, como a canceriana (com Vênus em Leão) apaixonada que sou, foi dizer que eu adoro me apaixonar, que é a melhor parte da vida. Mas aí ele complementou - e eu tive que concordar: quando não sabe se é correspondido, né amiga. Chega aquele momento em que você tá suspirando pelos cantos pela pessoa e ela demora eras pra responder suas mensagens, ou responde com “oks” e “blzas”… isso é horrível! E é, concordei mais uma vez.
Embora paixão costume diminuir rápido, quando a gente não tá concretizando, vivendo ela, esse frio na barriga vira tortura e dura mais tempo. Porque tudo fica na esfera da imaginação e das expectativas e isso só aumenta a nossa angústia. Não sei se são os tempos modernos, mas eu sinto que se as pessoas não tivessem tanto medo dos sentimentos, de conversar sobre relacionamentos, pouparia muita saúde mental. Porque é realmente uma agonia sem tamanho sofrer por quem você nem sabe se te quer. Ficar esperando um contato ou uma demonstração de afeto, ficar recolhendo migalhas de tempo e atenção, é muito desgastante. Claro que isso também é responsabilidade de quem está sofrendo, né, convenhamos que dá pra segurar o reggae e tentar se iludir menos. Mas não depende só disso.
Sempre vai ter aquela pessoa que te apresenta pra família e depois diz que está indo rápido demais, ou aquela que termina porque não queria nada sério mas dali um mês começa a namorar. Esses que são carentes e sempre querem companhia, mas não sabem colocar limite nas coisas, e também os que gostam, mas não o suficiente pra se comprometer, e acabam sendo covardes, não conseguindo dizer com sinceridade o que sentem.
A agonia de se apaixonar não deveria ser ruim, deveria ser só aquele frio na barriga que termina quando a saudade morre, mas a falta de honestidade, responsabilidade afetiva e de coragem das pessoas complica tudo. Vamos continuar nos permitindo nos apaixonar, mas vamos também ser responsáveis pelo outro quando a gente percebe que isso está acontecendo.
Eu que nomeio as personalidades - as máscaras - não soube nomear aquilo que mais temia em mim.
Um (outro) bicho selvagem, arredio, arisco, que num piscar de olhos sabota o curso das coisas e foge pelas beiradas.
Ele se depara com um brilho incomum e, sensível como é, sente que precisa fugir. Pra pôr um fim nessa agonia que ele nem entende direito.
Um fim em tudo que ameaça me tirar do seio do conforto.
Sem o nomear, não o vejo. Não o compreendo. Só consigo sentir sua presença, e não consigo fazer nada para pegá-lo. E muito menos, para evitar que ele ataque. Só sinto que ele já me envenenou quando tudo começa ficar turvo. Tudo passa a se resumir em uma ânsia pela fuga de tudo o que me propulsiona. De tudo que pode fazer crescer coisas boas.
Eu fico entorpecida, apática, minha mente se enche de palavras intrusas e eu sinto um terrível medo.
No fundo eu sei que é o medo do meu verdadeiro Ser. Da grandeza da minha alma. Da imensidão do Universo, do Cosmos de Iyewá.
Lhe rogo Mãe:
Trazei-me sua sabedoria, sua astúcia e sua coragem. Seu encanto e sua sabedoria. Seu caráter. Para que eu seja merecedora.
Pra que eu possa caçar esse bicho sorrateiro.
Pra que eu possa iludí-lo com a névoa branda e doce em que tu habita. E com sua arapuca pegar o ligeiro e tirar-lhe o nome.
Pra que assim eu possa enfraquecê-lo, e domá-lo. Matar sei que não posso. Pois então preciso de seu nome. Para reconhecê-lo, e aceitar a ele, como parte de mim. E integrá-lo. E assim, caminhar sem medo.
O que é construir relações além de amar e depositar a confiança nas pessoas e, como quem joga na loteria, torcer e rezar pra dar certo?
É ser verdadeiro? É estar presente? É amar sem esperar nada em troca? É se doar? É impor limites saudáveis sem ferir o outro? É dar segundas e terceiras chances?
É tudo isso? Ou é nada disso e to ficando louca?
Errar todo mundo erra. Magoar, todo mundo eventualmente magoa. Pedir desculpas pelos erros... Bem, são poucos. Olhar pra si e pro que tem feito pro outro, menos ainda. Se responsabilizar e assumir que errou, então, vish. Esses aí são raros.
Gostaria que esse texto fosse apenas um desabafo sobre uma situação, mas é uma ilustração de várias. É ver que em todo lugar que se caminha, sempre alguém vai estar te apunhalando pelas costas, e é por isso que eu caminho protegida da minha espiritualidade.
Queria escrever sobre minha não vontade de escrever. Queria entender o tempo da minha criatividade e quantificar a fluidez das minhas palavras, mas logo percebi o quão ridículo é querer medir algo tão subjetivo e efêmero. Ela aparece quando sente e entende, e muitas vezes vai tão rápido quanto chegou.
Quis falar também sobre a minha raiva, sobre as mágoas e o desprezo, mas até isso decidiu ficar estagnado dentro de mim.Tentei medir com palavras, também, a minha dor, mas nada além do tempo pra curar certos acontecimentos.
Mas eu precisava, de verdade, era falar da dor.
Mais fácil seria ter falado sobre tudo o que estava dentro mim naquela época. Hoje, com a possibilidade de simplesmente ignorar, escolhi ficar assim. Acho que falar sobre a dor - mas falar de verdade, com o coração (o que pra mim, muitas vezes só funciona com a escrita) pode realmente encerrar esse ciclo aqui dentro. E talvez acho que foi por isso que demorei tanto pra conseguir, efim, escrever sobre ela. A dor que foi perder o que um dia foi uma família pra mim.
Ela rolou para o canto da cama, se desfazendo do lençol que limitava seu movimento e prostrou-se de bruços num cotovelo, enquanto pegava um dos seus últimos cigarros do maço amassado da mesa de canto. Enquanto acendia seu bastonete de filtro branco, o jovem se trocava, resmungando.
- Qual o motivo de relaxar com um cigarro, depois de relaxar com um orgasmo?
A moça não conseguiu conter seu riso, tossindo enquanto soltava a fumaça. O rapaz apenas torceu uma sobrancelha, esperando que ela dissesse algo. Como a espera parecia tomar um rumo desconfortável, ela decidiu se manifestar.
- Eu ia te dizer que não tive um orgasmo só pra te sacanear, mas você sabe que eu ia estar mentindo.
- Você não me engana!
- Não teria motivos pra isso... Mas se eu quisesse, claro que eu te enganaria!
Ela pegou o cinzeiro e colocou sobre seus seios cobertos.
- Acho que te conheço bem, já - o rapaz respondeu enquanto calçava um tênis.
- E por que você acha isso? - ela apagou o cigarro, mesmo faltando um tanto - Porque a gente transa há o quê... - continuou - alguns meses?
- É... Acho que o sexo acaba trazendo algum tipo de intimidade, sei lá. Mostra um lado mais verdadeiro das pessoas.
- O dia que o sexo fizer as pessoas aprenderem algo sobre as outras, o mundo vai ser outro. Não é o sexo que aproxima as pessoas, é o diálogo. Você pode até ver uma parte de mim que outras pessoas não vêem, com o sexo, mas isso não quer dizer que você sabe algo sobre quem eu sou, por conta disso.
O rapaz terminou de calçar os sapatos em silêncio. Pegou o último cigarro do maço dela, levantou as sobrancelhas como quem não tem resposta, e foi embora.
Ela vira a esquina e já consigue ouvir a voz da sua amiga ecoando pela calçada movimentada. Todos já estavam lá e seu atraso se devia ao fato de ter levado muito tempo procrastinando pra sair de casa. Enquanto se trocava, se pegou arrumando coisas que há dias estavam gritando por atenção, mas somente naquele instante, ela teve energia para mexer. Energia essa que sempre surge nos momentos mais inapropriados, como a vontade de limpar aquela estante, no dia em que está se esgotando o tempo para terminar alguma de suas encomendas.
Quando ela aparece à vista dos amigos, seu nome soa em meio aos lábios de quem já estava ali, esperando por ela - ou não, ela às vezes tem dúvidas quanto à isso - dando espaço quase automaticamente para a desculpa que tinha se tornado comum nos últimos tempos:
- Me desculpem, me enrolei com as minhas coisas...
Enrolada ela estava, mesmo, mas não em suas coisas. Se enrolava nos medos e pensamentos constantes que mais uma vez assolavam sua mente, deixando tudo ao seu redor hostil e pesado. Tentava se desvencilhar dos nós que ela mesma fez em suas mãos e pés, que a puxavam para longe de tudo e pra dentro, cada vez mais, de si mesma.
Mas não era aquela introspecção saudável, de onde se sai com esclarecimentos, insights, com uma nova força e um novo começo brilhando ao horizonte.
Era aquele ostracismo que vem quando a dor começa a pulsar de novo. A dor do vazio e da solidão que, quando acessadas, mexem tanto por dentro, que tudo é passível de se agarrar, para poder esquecer e mudar de foco. A dor que nos faz correr para os vícios, que nos faz nos boicotar. E além da dor, o medo de sentir mais dor ainda.
Porém ela não tinha certeza qual era seu maior auto-boicote, naquele momento. Ela realmente tinha muito o que fazer. Ela realmente precisava resolver suas - mil - coisas. Mas ela escolheu estar ali. Não porque tinha vontade ou queria se distrair. Mas porque queria ser aceita, não queria decepcionar os outros mais uma vez com sua ausência. Não queria dizer mais um não.
Porém estar ali a fazia sentir-se mal consigo mesma e ao mesmo tempo alimentava uma relação de dependência com aquelas pessoas, que às vezes pareciam não entender ou respeitar sua necessidade de espaço, mesmo com tantos anos de amizade. E, dessa forma, as mágoas em relação à seu afastamento começavam a sair, conforme o álcool entrava.
E mais uma vez ela entrou em sua realidade alternativa, criada pela sua mente sempre na defensiva, que a todo tempo se distraía do que realmente ela estava a sentir. O modo automático, estático e enigmático que mostrava a máscara que cobria tudo o que ela sentia e pensava.
Tem uns dias já que estou com vontade de escrever. Não sei exatamente o quê. O certo é que eu preciso colocar algo pra fora. Preciso me expressar, desabafar. Algo precisa sair, pois já está me intoxicando por dentro.
O caos está tomando uma forma assombrosa e eu já não consigo mais desviar o olhar. A raiva cresce e se expande à medida que eu vou me tornando mais consciente da desgraça que acontece com o nosso país, ou que eu vejo as pessoas que conheço apoiando esse fascista nojento que ajudaram a eleger. Rezas, danças e banhos de ervas não estão sendo suficiente pra acalmar essa revolta dentro de mim. O medo do amanhã fica escondido dentro de uma vala escura e eu finjo que ele não existe. Me apoio na fé que muitas vezes bambeia ao ver tamanha violência, ignorância e egoísmo corroendo nossa sociedade.
Cresce tanto, essa raiva, que às vezes não consigo conter dentro de mim. Ela escapa pelas vias aéreas, deixando minha respiração inconstante, falha. Ela transborda da ansiedade que destrói minhas unhas, me revira o estômago e me tira a vontade de continuar.
Eles estão conseguindo, afinal. Nos deixando doentes, para que gastemos com inúmeros remédios. Nos tirando o desejo de nos alimentar bem, para que a gente só se entupa de processados. Nos desiludem e nos assustam, para que nos conformemos, para que aceitemos. Nos deixam com medo, para que deixamos de acreditar que é possível vencer.
Mas eu não vou me dobrar. Posso cair, posso ser deixada de lado, deserdada, ignorada. Mas nunca deixarei de lutar. Nunca deixarei de me expressar. Só preciso aprender a não deixar a raiva me dominar.
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